“Se você não gosta de onde está, mova-se”, diz frase motivadora para mostrar que as pessoas não devem ficar paradas e precisam vencer a famosa procrastinação, a arte de “empurrar com a barriga” ou a inércia, o desejo de ficar parado. Mover-se parece fácil, afinal, o ser humano não tem raízes como as árvores. Mas será que é isso mesmo? Dar um tempo, não fazer nada, também não é bom?
E dá para ficar parado sem ter a famosa sensação de culpa? Especialmente no setor profissional, como esperar as coisas acontecerem se tudo e todos estão correndo? Dá para ficar sentado à beira do caminho enquanto os carros correm na estrada? E como vencer o famoso desapego, o aprisionamento a seres e situações que nos fazem sofrer? Ou nos prendem em locais que há tempos não gostaríamos mais de estar?
Esse é um dos maiores desafios dos dias atuais. Especialistas no assunto dão dicas, inclusive, para você se mexer ou assumir, sem culpa, a inércia.
Necessidade histórica
“Quem fica parado é poste!”. “Tem que correr para ficar onde está”. “Água parada cria lodo”. “Acorda, menina!” . Estes são bordões que todo mundo já ouviu. Nos dias de hoje, o movimento é essencial . Tal qual a figura do pêndulo de Newton (veja ilustração acima), mesmo quando estamos parados, sem nenhum movimento, algo acontece que nos move. É inevitável.
Assim como também não nascemos para fincar raízes. É histórico. Lá no começo dos tempos, os povos primitivos iam se movendo em busca de comida. Descobriram a agricultura e fincaram raízes, criaram comunidades, cidades, referências.
Mesmo assim, a necessidade de mudar, movimentar-se, escolher novos caminhos, experimentar novos rumos e modos de fazer as coisas é da natureza humana.
Só que, em pleno século 21, ficar na zona de conforto e apego excessivo são males dos tempos modernos. E seja na vida profissional ou na pessoal temos que estar atentos. Se ganhamos uma batalha, temos que estar preparados para a batalha seguinte, porque a guerra nunca termina.
Zona de conforto
Para fazer uma analogia fácil: o jogador de futebol depois de vencer um campeonato vai para o chuveiro, toma uma boa ducha e saboreia a vitória até cair na farra. Mas depois da adrelina que o deixa agitado para a partida, precisa da endorfina para relaxar e, no dia seguinte, pensar que, em breve, terá outros torneios. Assim também é nossa vida. E, como o jogador de futebol, não podemos nos dar ao luxo de ficar na famosa zona de conforto, vivendo de glórias do passado, do que já foi conquistado. Se não fizer mais gols, se não repetir a dose, vai ter um grande problema na carreira, não é mesmo? Ninguém pode, nos dias de hoje, ficar nessa zona de conforto, achar que “chegou lá”. Com isso, a pessoa corre sério risco de cair na chamada “acomodação” e ser passada para trás.
Falta de vontade
Mas pior do que isso é quando a pessoa ainda não alcançou seu objetivo e é invadida por uma falta de vontade que faz com que nada aconteça. Ou, se acontecer, a pessoa não se movimenta, e o resultado torna-se quase uma tragédia. É como a história de cozinhar a rã. Se jogada em uma panela de água fervente, pula imediatamente e cai fora. Já se for colocada em água morna, quentinha, ela ficará lá aproveitando o momento, a tal ponto que será cozida, sabiam?
Assim é a inércia. Bem no estilo “quem fica parado é poste”, ela faz com que o cozimento em banho-maria leve a pessoa à ruína, ou faça com que ela não saia do lugar. Ou só se lamente. Todo mundo conhece a história de um indivíduo que tem todas as ferramentas para ser alguém de sucesso. Mas só que ninguém pode usar as ferramentas por ele. E ele fica ali, parado, olhando para elas e não se move. E ainda se lamentando por falta de sorte e que nada acontece.
Inércia e covardia
Para muita gente, inclusive, esse ato se traduz em covardia. Na visão dos outros, o ser humano tem um potencial bom e não usa essa ferramenta, não raras vezes é taxado de “covarde”, como o cara que se esconde na hora do gol ou não se apresenta para bater o pênalti, não é mesmo?
O que há, na verdade, é o avanço do medo. Quanto menos se age, mais se teme a dar o primeiro passo. Afinal, na física, todos sabemos que, para movermos um objeto, tirar a ferramenta do lugar, é preciso de uma força igual ou superior à sua massa.
Ou seja, é preciso que o indivíduo se mexa e agarre a ferramenta que é a energia inerte. Está ali, mortinha, digamos assim. Ele próprio é a energia viva que vai usar a perna e com categoria bater o gol, ou a inteligência e fechar um negócio rápido, ou então a mãe vai ter sensibilidade para sentir a necessidade do filho antes mesmo que sua febrinha vire uma febre altíssima e leve a convulsões. Simples assim, não é? Nem tanto.
Vacilo e trauma
Na psicologia, é quase igual. Não se mexer, não usar um poder, na verdade pode ser um hábito. O hábito obriga a pessoa a fincar raiz. Quanto mais arraigado o hábito, maior a força necessária para tomar a atitude que vai levar à mudança, que vai conduzir o indivíduo em frente. E, muitas vezes, a saída da letargia ocorre pela dor. Pelo trauma mesmo. É preciso um evento ruim, algo traumático para que a pessoa decida. E se a decisão ocorre diante da morte, de um acidente, de uma briga, de um rompimento, é possível que isso seja o mote para que a pessoa decida algo, como largar o emprego certeiro e sair pelo mundo. Se isso ocorre é porque no fundo - bem no fundo - ela já estava há muito tempo pensando na ideia. Estava sonhando com isso. Mas vacilava. Essa indecisão é até normal. E é até normal e compreensível. Mas e se o trauma não ocorre a pessoa vai passar a vida toda com medo de fazer algo diferente? Vai se lamentar o tempo todo? Não é por aí. É lançar mão da psicologia e do autoconhecimento.
A ação da ‘não ação’: quando esperar também faz parte
Para a pedagoga, mestre de cursos de comunicação, consultora de I Ching, Cecília Dalva Silva, ficar parado, ter um momento de introspecção, é essencial. É a hora da quietude, “quando eu escolho ficar em silêncio, não me mexer. E não porque estou em depressão, mas porque é o momento de buscar a serenidade para depois agir”. Há uma ação sim. É o movimento de “não ação”, explica ela, para exemplificar que há algo “mesmo quando parece que nenhum movimento visível esteja a acontecer”.
Espera bíblica
Se por um lado as grandes conquistas da humanidade aconteceram graças a movimentações, buscas de novos locais, mutações internas ou externas, por outro não se pode condenar quem espera. Também há fatos de parada fundamentais para a humanidade. A própria Bíblia Sagrada narra isso. Assim foram os quarenta anos do povo de Deus no Deserto do Sinai, igualmente os anos de travessia, ou espera da arca de Noé no dilúvio. As famosas tréguas em guerras, os acordos de paz entre nações, não são, no fundo, um tempo de espera?
Quando se dá um tempo, pode parecer que é para que nada aconteça, e, no entanto, durante esta pausa, muito pode estar acontecendo. Como a reunião de condições favoráveis. O crescimento espiritual, por exemplo, exige um período de espera muito grande.
Quatro tipos
Do ponto de vista psicológico, há aqueles que esperam com desconfiança (em geral são as pessoas tomadas por muito medo); há os que esperam duvidando do resultado (quando há confusão mental); há os que esperam com otimismo (são os que, no íntimo, sabem o que fazer, mas entendem que não há porque ter precipitação porque ainda não chegou a hora). E, no final, há um quarto tipo de espera: os que deixam tudo nas mãos de Deus (esses têm excessiva confiança, vão no estilo da música, “deixa a vida me levar” e o resultado costuma ser uma incógnita).
Perseverança
“Há momentos na vida de cada pessoa – e isso ocorre com frequência – que exigem paciência, resistência e perseverança”, diz Cecília Dalva, que recorre a um hexagrama do I Ching, o de número 52, para invocar a necessidade de quietude. Para quem não sabe, o I Ching, um livro de mais de 6 mil anos da cultura chinesa, é o mais antigo oráculo do mundo. É um estudo de sabedoria interior, uma espécie de sistema antropológico que dá, a quem o lê ou o prática, um conhecimento mais completo de si mesmo e, a capacidade de sentir ou adivinhar o que está para acontecer, a partir de figuras (chamadas hexagramas) inspiradoras do que há de mais profundo em cada um.
Para quem está em dúvida, na inércia e sem capacidade, ou mesmo quando tem capacidade, e não encontra a vontade interior para se mexer, o I Ching é um sistema de consulta bastante válido que foi estudado até por grandes mestres da psicologia como Carl Jung.
Sem punição
Através do I Ching sabe-se que é correto também, sem punição alguma, permanecer imóvel, até que a tranquilidade e a clareza se restabeleçam. “A quietude significa deter-se. Parar quando é chegado o momento de parar. Avançar quando é chegado o momento de avançar”, explica Cecília Dalva. E isso, sem nenhum sentimento de culpa, é importante frisar: “não adianta ficar se detendo no ‘e se? E se isso? E se aquilo?’. Você fica feito roda de caminhão, entalada na lama. Roda, roda, roda e não sai do lugar”. Ela explica que é preciso viver apenas o “aqui e agora, ter quietude e não ficar desesperado com as turbulências, os desafios do mundo externo. Com essa parada, a pessoa consegue a tranquilidade que precisa. Aquietar-se, serenar o coração, buscar a serenidade da mente, possibilitam tomar a melhor decisão depois”.
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