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"O ser humano vive para o prazer"


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O ser humano vive para ter prazer, em suas mais variadas formas e fontes. Do emocional ao biofísico, corpo e mente podem aguçar os sentidos mais escondidos. E, nesse contexto de ser e estar entre emoções e rotinas, o prazer sexual é, ainda, o menos explorado e discutido entre boa parte dos casais. A sexóloga e pedagoga Carmen Janssen conversou ontem, no Dia do Sexo, sem tabus com o JC sobre o universo da energia e exploração do prazer como fonte de vida.

 

Palestrante e escritora de amplitude internacional, Carmen disparou contra tabus, tocou em feridas de valores e costumes nos relacionamentos e, de forma direta, abordou temas que uma parte significativa das pessoas tem receio de falar mesmo entre quatro paredes.

 

Hoje, a sexóloga realiza dois workshops somente para mulheres no Hotel Obeid Plaza. Das 9h às 11h30 será sobre “pompoarismo, saúde e prazer para a saúde da mulher, com exercícios pélvicos”. Já às 13h30, o workshop será sobre a “Mulher e o corpo e alma, com auto-ajuda, linguagem corporal e exercícios sensuais”. As interessadas podem fazer inscrição na hora. Leia os principais pontos da entrevista abaixo:

      

Jornal da Cidade - Sem tabu: você teve ou tem dificuldade para ter orgasmo, como 30% das mulheres?

Carmen Janssen - As pessoas falam de histórias de superação e da trajetória do herói. Eu não tive dificuldade não. Não tive problemas com tocar o corpo desde quando adolescente e isso ajuda muito. Claro que tive uma educação como a maioria das pessoas, mais conservadora e onde minha mãe não falava sobre sexo. Meu pai dizia, um pouco mais aberto, que quando eu tivesse dificuldade deveria perguntar a ele. Mas também era só isso, uma comunicação de aviso, não diálogo sobre dúvidas ou informações.

 

JC - Então o que os pais devem dizer aos filhos desde a primeira infância sobre os órgãos sexuais e sexo?

Carmen - Na verdade, os pais não devem dizer nada. Se um pai ver um filho se tocar, por exemplo, não deve dizer nada. Não deve dar bronca. Eles têm de tentar disfarçar, deixar isso como um ato natural para filhos pequenos. Ai essa descoberta do corpo pelos filhos vai ser mais tranquila. Sei que é difícil, mas respira fundo. Se o filho perguntar, diga que o corpo dá prazer e que se conhecer é importante. Sexualidade vai muito além do sexo. A sexualidade está relacionada à nossa personalidade a à expressão de nossos sentimentos e emoções. 

 

JC - Falar de sexualidade não é falar de sexo. Para ter vida sexual saudável, as pessoas precisam compreender, na essência, o quê então?

Carmen - Elas precisam compreender primeiro que o ser humano vive para o prazer. E isso se dá de variadas formas, seja para tomar o café ou ter orgasmo. E o prazer sexual faz parte da natureza humana. Agora as igrejas contribuem muito para dizer que isso é pecado. É cultural isso. E precisa ser combatido. Sentir prazer, se masturbar, se tocar, faz parte da natureza humana. Se não partir disso, os tabus aparecem. A mulher tem o clitóris, cuja única função é o prazer. O homem tem a glande do pênis sensível para o prazer. Mas isso é tabu e não pode ser.

 

JC - Mas os casais não conversam pouco sobre sexo? Eles não devem dizer um ao outro onde e como sentem prazer?

Carmen - Sim, devem falar e ainda há muita dificuldade entre as pessoas em falar sobre nossos sentimentos e nossos desejos e fantasias por conta de repressão, questão cultural, tabus. E ai há dado comprovado de que a falta de conhecimento é fator importante na origem das disfunções sexuais. Uma boa parte tem vergonha e não fala sobre sexo com o parceiro. Mas têm casais que se comunicam. Mas mesmo os que falam ainda caem em conflitos comuns. O homem acha que tem de ser de um jeito e a mulher de outro. A relação sexual é sempre uma negociação. E os conflitos surgem baseados em mitos, em tabus. Tem de falar como gosta de ser tocado e o que é melhor e falar também sobre sentimentos, do que gosta no outro. Pega a mão do parceiro e leva a mão dele onde você gostaria. Essa repressão ainda está em larga escala presente entre os casais. No Brasil, 30% das mulheres têm dificuldade em ter orgasmo ou sofrem com inibição do desejo.

 

JC - E os homens?

Carmen - Boa parte dos homens acha que ter ereção, penetrar e ejacular significa saber tudo sobre sexo. E acham que, com isso, eles não têm problemas. E os homens têm muitos problemas com sexo. Os homens limitam a sexualidade ao pênis e não conhecem o próprio corpo. E quando ficam ansiosos, ficam com disfunção erétil. E ficam encucados e não discutem isso. Pior: os homens não vão ao profissional para cuidar disso. Ainda têm muita dificuldade em assumir, cuidar. Outra coisa é que ninguém tem de estar disponível para o outro 100% do tempo. Sexo envolve uma série de ingredientes emocionais e de convivência, além do físico. A discussão sobre sexualidade ensina as pessoas a respeitar os limites do outro.

 

JC - Retire o ingrediente machista desta pergunta: por que muitas mulheres não gostam de sexo? 

Carmen - É um grande mito que as mulheres não gostam de sexo por isso ou aquilo. As mulheres gostam e muito de sexo, umas mais e outras menos. Mas a pergunta, do ponto de vista masculino, é pertinente no sentido de que, da mesma forma que a repressão sexual diz pro homem que ele não pode chorar e falhar, a falta de educação sexual e nossa cultura também repete que a mulher gosta menos de sexo do que o homem. Não é que ela goste menos. O homem tem uma necessidade de resposta, de satisfação sexual mais urgente e mais frequente que a mulher. Mas isso é fisiológico. Existem muitas mulheres que têm muita dificuldade, não descobriram e, mais que isso, não se permitiram gostar de sexo e elas estão nesse grupo dos que precisam de ajuda. Muitas ouvem desde cedo que o homem não presta e são elementos de formação de valores e de personalidade que precisam ser encarados na fase adulta.

 

JC - No consultório, muitas mulheres admitem que sequer se tocam?

Carmen - Sim. No consultório sim. O problema é que muitas não vão para o consultório e permanecem reprimidas. Elas precisam ressignificar isso e procurar, na história de vida delas, onde foi que aprenderam que tocar o corpo e suas fontes de prazer é feio. O sexólogo não vai ensinar como cada um deve tocar o corpo, mas vai trabalhar as causas adjacentes, as emoções, os conflitos, a história de vida. Da mesma forma, muitos homens ainda acham que só porque têm ereção e ficam com o pênis duro são ótimos de cama. E não é isso. O homem com maturidade conversa com a parceira, procura entender os limites dela e a perguntar como ela gosta de sentir prazer.  Entre quatro paredes, não tem o que é certo ou errado, mas o que é bom para um e para o outro.

 

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