O bolder collie é um cão fiel companheiro que precisa de atenção. Gosta das atividades físicas e é tido como um dos animais mais inteligentes do mundo. Ele ‘domina’ uma boiada com seu modo de agir. Seu trabalho tem que ser dosado, do contrário, morre trabalhando. Na cidade de Pirajuí (58 quilômetros de Bauru), mais precisamente na Fazenda Boa Sorte, há um criador da raça. Em Lins, Guaimbê, Marília e Cafelândia há pecuaristas utilizando o cão para o trato com o gado.
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Éder Azevedo |
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Cão bolder collie na Fazenda Boa Sorte, em Pirajuí, ajuda a conduzir as ovelhas, animal dócil e muito eficiente que na região vem sendo utilizado por pecuaristas para controlar até boiadas |
O bolder collie é resultado de uma cruza que tem até lobo no meio, ressalta o criador Luis Fernando Bautz Gomes. “Ele fica até três dias sem comer no trabalho. Lógico que não deixamos, mas se precisar, ele resiste. É extremamente resistente à dor. Como é um atleta, precisa manter o peso em torno dos 22 quilos, por isso se alimenta com 300 gramas de ração de boa qualidade. Ele não pode ser gordo e nem tão magro.”
É nas atividades físicas que o cão se realiza, seja trabalhando ou apenas caminhando. “Ele tem que manter a forma. A caminhada e o trabalho com os bois ou ovelhas são exercícios que ajudam o bolder collie a ter mais músculos e resistência. Aqui, quando eles não estão trabalhando, estão ‘administrando’ a fazenda comigo. Eu vou de caminhonete e coloco eles para caminhar ao lado do veículo. Eles caminham de seis a sete quilômetros todos os dias, um treino.”
A raça é nova no Brasil e por isso, não raras vezes, as associações trazem da Escócia profissionais que possam acrescentar informações sobre a raça. “No Brasil temos associações com um número expressivo de criadores, competidores e treinadores. Todo ano, nós promovemos eventos que possam acrescentar conhecimento sobre o bolder collie. Esta semana estamos aprendendo com as treinadoras escocesas Julie Hill e Sarah Jenkins com experiência de mais de 30 anos.”
Gomes frisa que conheceu a raça em uma festa na região e desde então adotou o cão para cuidar do gado em sua fazenda. “Em 2001 numa festa de peão me chamou muita atenção uma apresentação de cães dessa raça. Eu vi que ele estava substituindo a mão de obra humana. Que o bolder collie é um verdadeiro ‘peão’ para buscar e cercar o boi, até o curral. Eu vi uma simulação, mas percebi que funcionava.”
Os primeiros cachorros dessa ração chegaram no Brasil há menos de 50 anos, foram importados por um criador de Núbia Paulista. “O importador morreu e atualmente é seu irmão Arthur Bomgard quem dá sequência ao trabalho.”
Em 2005 foi fundada a Associação Brasileira do Pastoreio e, na sequência, as associações regionais, duas em São Paulo, uma em Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, hoje são seis em todo o País. Elas promovem durante o ano competições regionais que somam as notas e classifica para o campeonato nacional. “De quatro em quatro anos tem um campeonato mundial na Escócia, que pode se dizer que é como a Copa do Mundo no Brasil. No campeonato, o cão participa de competições de velocidade e de obstáculos. No ano passado, conquistamos quatro vagas no mundial.”
Um cão obediente e companheiro
Quem gosta de cachorro e assiste ao bolder collie em ação no pastoreio fica maravilhado. O animal é extremamente obediente e inteligente. Acata todos os comandos e sabe até se entrou na gaiola de transporte errada. Quando é criado em casa, é ótimo companheiro.
Existem diversas linhagens: agility, fresbee, flyball, fresstyle e cão rústico. “Para trabalhar no pastoreio é feito uma seleção do cachorro. Aquele que é medroso serve para companhia. Mesmo esse precisa de atividade física, porque ele tem muita energia para gastar. Se ele ficar preso em um apartamento, ele deixa o dono louco. Com essa raça é necessário ter uma rotina de atividades físicas. Tem que correr e brincar”, diz Gomes.
O bolder collie é um cão de médio porte e pode ter pelos longos. Mas os usados para o pastoreio na fazenda de Pirajuí têm pelos curtos. “Desde quando comecei a criar, me preocupei com isso. Venho fazendo uma seleção genética para que os animais nasçam com pelagem curta. Os meus estão com pelo zero. O pelo longo faz o Bolder sofrer no pasto. Os espinhos enrolam nos pelos.” Para conquistar a obediência do cão, ensina o criador, é necessário educá-lo desde o nascimento. “Eu começo a adestrar meus cães desde o momento que eu tiro da mãe, na fase do desmame. Bolder collie é muito inteligente e capta com facilidade o certo e errado. Para que o cão crie vínculo com o dono é preciso 3 coisas: confiança de você para com ele e respeito entre os dois. Isso a gente conquista.”
Um animal para cada 300 cabeças
Um cão bolder collie treinado, já na fase adulta ‘domina’ umas 300 cabeças de gado. “É um trabalho pesado. O cão pesa de 20 a 25 quilos. Um garrote pesa no mínimo 300 quilos. Para não cansar demais o cão, uso quatro para arrebanhar em torno de duas mil cabeças de gado. Hoje, tenho nove cães. Dois estão aposentando.”
O cão precisa da consciência de quem está trabalhando com ele. “Porque são 20 quilos contra 300. Sem falar dos riscos de um coice. Um dos motivos de usar quatro cães no trabalho. O que eu faço? Uso os quatro de uma vez. Eu solto um cão ele faz um percurso, vai buscar, ele traz até um pedaço daí o outro pedaço eu uso outro cão. Cada um deles cumpre um determinado espaço, até que os animais sejam colocados no curral.”
Mas por que as ovelhas e o gado que são bem maiores que o cão temem a sua presença? Segundo o criador, o bolder collie se impõe porque trabalha em forma de ataque. “Para o cachorro, a ovelha e o boi são presas e para os animais, o cão é o predador. Com o tempo aprendi que o vínculo com o cachorro é muito importante. Tanto eu com o cão como o cão com os animais. Eles não mordem, a ovelha e o boi, respeitam.”
Gomes frisa que é preciso fazer um trabalho bem feito com o cão para adaptá-lo com o boi. “Com o boi, o bolder collie trabalha com mais pressão, mas sem morder. Com as ovelhas é mais simples. Elas enxergam o cão e entram em movimento, obedecendo à direção que ele quer.”
Comandos do cão são na língua inglesa
A ‘conversa’ entre o homem e o cão bolder collie é feita em inglês. Na prática, isso mudou a rotina na fazenda Boa Sorte. Luis Fernando Bautz Gomes foi o primeiro a encontrar dificuldade e quase desistiu da empreitada.
“Fui fazer o primeiro curso em Marília, quando percebi que os comandos eram em inglês e falei para o meu filho, que estava junto, que não daria certo. Ele me desafiou e disse que eram cinco ou seis palavras apenas e que eu iria decorar com facilidade. Eu enfrentei e hoje domino os comandos.”
O mais curioso aconteceu com os meus funcionários. “Todos muito simples, num primeiro momento se sentiram fora do contexto. Aos poucos foram se acostumando e, com sotaque sertanejo, hoje eles dão os comandos aos cães. Eles se esforçaram para aprender. Tem um deles que é analfabeto e agora fala as palavras em inglês. Ele se sente valorizado por falar, ainda que pouco, outra língua que não seja o português.”
Cão e homem
O bolder collie substituiu o homem na pecuária. Isso é uma constatação feita pelos pecuaristas que já adotaram o animal para arrebanhar boi e ovelhas. Luis Fernando Gomes é um deles e explica que respeita os funcionários, mas há situações que o cão é extremamente importante na fazenda. “Num sábado à tarde por exemplo não tenho funcionários trabalhando. Se eu precisar arrebanhar um gado, pego um cão e resolvo.”
A economia financeira, na opinião dele, não é a principal, mas ocorre quando se adota o cão. “Um funcionário custaria R$ 2 mil por mês. Eu mantenho aqui um volume grande de novilhas. Para tocar todo o rebanho, uso dois cães. Se fosse homem, usaria de dois a três. Eu tenho nove funcionários, precisaria ter mais três”, explica o pecuarista.
Escocesas orientam criadores na região
Julie Hill e Sarah Jenkins são escocesas e treinam cachorros da raça bolder collie há 30 anos. Esta semana elas estiveram na fazenda Boa Sorte, em Pirajuí (58 quilômetros de Bauru), para ensinar e trocar experiências com os criadores da raça e adestradores da região.
As duas cresceram juntas e sempre amaram os cães dessa raça com quem convivem diariamente em seu País. Sarah diz que ela e a amiga trabalham para ajudar outras pessoas a criar o animal de modo diferente. “O bolder collie é originário da Escócia e nós orientamos tanto os criadores como os adestradores a lidar com ele de modo diferente para que atinjam o sucesso.”
Julie explica que está tentando ensinar o pessoal a comunicar-se com os animais usando uma linguagem própria dos cães. “Eu estudei muito a matilha. Observei bastante e descobri que a linguagem natural deles é a partir da leitura corporal . Com certos gestos trazidos da matilha pode se comunicar com os cachorros de forma mais calma.”
A treinadora trabalha essa forma harmônica com o cão, o rebanho e o condutor. “Um único gesto meu pode ser entendido como dominância sobre o cachorro, por exemplo; se eu viro as costas para ele, ele entende automaticamente que eu estou convidando-o a trabalhar. É uma forma menos forçada , sem nervosismo, mais natural, com o cachorro.”
As informações das escocesas são tidas como preciosas para criadores, treinadores e competidores do Brasil e da América Latina, segundo o presidente da Associação Paulista de Pastoreio, Júlio César Simão.
“A semana do pastoreio conta com vários participantes. Este ano trouxemos as treinadoras escocesas para passar informações. O bolder collie tem mais de 200 anos na Escócia e no nosso país, eles são novos, não têm nem 50 anos. Temos participantes que vieram da Colômbia, Chile, Uruguai, Argentina, sul de Minas, Mato Grosso , Espirito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul e cidades da nossa região; Lins, Marília, Pirajuí.”
Simão enfatiza que essa semana também é importante para quem trabalha com o bolder collie no pastoreio, diariamente em propriedades rurais. “Para usar o cão como trabalhador é preciso treiná-lo e a forma que elas nos ensinam é diferente. Usa-se a linguagem corporal para indicar o cachorro no trabalho. A escola da Escócia é muito adiantada em comparação com a nossa. Temos muito a aprender.”
Treinador de profissão, Simão confessa que ganha a vida adestrando cães da raça bolder collie. “Estou aprendendo muito e no dia a dia vou aplicar nos treinamentos. As dificuldades aparecem na rotina e então podemos aplicar as novas técnicas.”
Para ele a maior dificuldade como treinador é fazer o proprietário do cão entender o treinamento e sua postura perante o animal. “Temos dificuldades com o dono do bolder collie. Muitos tratam o cachorro como filhinho. Essa raça exige atividades físicas. Ele é um cão de trabalho. É natural dele, foi criado para trabalhar.”