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Coisas difíceis de achar nas lojas


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O mercado “encaixotou” o consumidor em uma infinidade de linhas, forçando o cidadão a adquirir peças inteiras e, por consequência, eliminando a possibilidade de troca de apenas um componente. Esta realidade, entretanto, não é a única justificativa para o fato de ser muito difícil - impossível em vários casos - encontrar produtos comuns. Não se trata nem de sair à caça de relíquias. Consumidores reclamam, até com certo tom de desabafo, que objetos até pouco tempo comuns desapareceram dos estabelecimentos...

 

Em uma breve consulta, leitores do JC formaram a lista de itens que tentaram encontrar e não conseguiram. Fábio Augusto conta que, por ocasião, do descanso no final do último ano, resolveu, finalmente, repor o parafuso que dava sustentação a uma dobradiça de um armário de pequeno porte. 

 

“A dobradiça está lá, intacta, perfeita. Mas eis que eu retirei a peça e fui a uma loja do ramo, especializada, no Centro da cidade. Mas lá descobri que o tal parafusinho não existe para venda isolada. Não me conformei e fui em busca do pequeno parafuso em outros estabelecimentos do gênero, em dois deles para ser mais exato. Mas, para minha frustração, tive a confirmação de que para que a porta do pequeno armário volte a funcionar tinha de levar a dobradiça junto. A peça é barata, mas não se vende o parafuso separado nem que a vaca tussa”, ironiza, com humor.

 

O diretor de comunicação da TV Câmara Marcelo Malacrida cita que já consumiu tempo, em vão, atrás de uma jarra para cafeteira elétrica. Márcia Anjos foi mais “erudita” na lista: “Difícil encontrar nas feiras e supermercados de Bauru é a couve de Bruxelas. De vez em quando encontro em alguns cardápios de restaurantes”.

 

A advogada Jacqueline Didier menciona que, apesar da existência de algumas lojas para os tamanhos acima da média, ainda é restrito o acesso a roupas tamanho GG nas lojas bauruenses. A professora Marlene Catala jura que é quase impossível encontrar copo de liquidificador para alguns tipos de aparelhos. Para os mais convencionais, porém, há reposição em lojas de conserto de aparelhos das marcas mais famosas.   

 

O diretor do Zoológico de Bauru, Luiz Pires, falou de algo, para muitos, considerado raro: cinzeiro de plástico, daqueles que furtavam de sua casa e você não ligava porque eram bem baratinhos. Maria Cristina afirma que não tem, “nem rezando, peças para batedeira planetária Arno”. 

 

Maia Somel contribui na área cultural e sentencia: “não há disponibilidade de filmes alemães em locadoras”. Em razão do advento dos filmes online, por sinal, alguns  cinéfilos consideram que as próprias locadoras vão desaparecer. 

 

O fotógrafo Pedro Romualdo foi ainda mais específico em seu apontamento. Segundo ele, porta fusível é algo raríssimo. “Alguns aparelhos contam com o porta fusível que é frágil. Quebra fácil e não encontra em lugar nenhum para trocar”, reclama. 

 

O procurador jurídico da Prefeitura, Maurício Porto, lembra, na área de serviços, que “alfaiate é profissional quase mitológico” e, em se tratando de objeto lança o desafio: “encontrar peça para alongar pulseira de relógio”. O músico Marco Zambom amplia a lista com pedido para “parafuso philips de inox”; o engenheiro Afonso Fábio cita “redinha de algodão para o aro do basquete” e também “ zíper tratorado para colocar em casaco de couro de motociclista, por exemplo. “Temos de buscar em São Paulo. Aqui não tem”, lamenta. 

 

A servidora Cristiane Sacardo Merli entra para a turma do “procura-se” apontando para a ausência de cadarço para tênis nas lojas. “Fiquei sabendo que existe nos camelôs, mas somente em cores fortes.”

 

As carcaças

 

A dificuldade na reposição ou compra de componentes já atingia, há anos, o segmento de eletrodomésticos, por exemplo. A linha branca, com os benefícios tributários oferecidos pelo governo federal - como redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - “inundaram” as cidades de geladeiras, fogões, micro-ondas e máquinas de lavar roupa.   

 

O consertador de máquinas de lavar Sérgio Ricardo lembra, por sinal, que o problema atinge, em maior grau, essa área. “Que os grandes fabricantes já não fornecem mais dispositivos específicos para reposição já é sabido de boa parte do público há muitos anos. O que piorou é que muitos desses aparelhos têm vida útil encurtada, comparada ao que se comercializava há anos. Em matéria de máquina de lavar, se estragar um componente mecânico dificilmente você consegue repor apenas a peça hoje em dia”, conta.

 

Um parêntese para o segmento de eletrodomésticos. Segundo o prestador de serviços, que atua há 30 anos na área, a linha branca inteira está sendo fabricada no Brasil sem a necessária regulação do descarte das carcaças. “Você tem, no máximo de dois em dois anos, o descarte de carcaças inteiras de máquinas de lavar, micro-ondas, geladeiras, sem a devida separação e destino corretos dos componentes. É um gigante volume de metais e plásticos em todas as cidades”, adverte.

 

Proprietário de uma empresa de ferro velho e demais materiais de descarte, Delton dos Santos, pondera que uma parte desses itens são comercializáveis. Mas ele concorda que há necessidade de regulação desses materiais.  

 

Procura-se encanador, eletricista...

 

O título acima cabe com facilidade em qualquer anúncio de reclamação, ou mesmo de chamada, para a identificação de perfis de profissionais autônomos que realizem seus compromissos com qualidade e sem nenhum transtorno posterior à tarefa. 

 

Na Internet, é farta a lista de usuários que reclamam de serviço mal executado, a fixação de preços absurdos para reparos simples, de quem agendou o serviço e não terminou, de profissional que disse ter concluído o trabalho mas deixou algo mal feito para trás.... “Deu o balão”, “deu o cano”, “marcou mais de uma vez e não veio”... são frases muito comuns entre bauruenses consultados sobre a conduta de autônomos como encanadores, eletricistas, marceneiros, torneiros, pedreiros... 

 

Da instalação de um aparelho de ar condicionado ao reparo mal feito no vedador da torneira - que continua vazando - é crescente a insatisfação no mercado por profissionais do gênero. Por esta razão, a discussão inicial que incluía apenas itens (objetos ou dispositivos) difíceis de se encontrar em lojas - não por surpresa - também foi estendida para a procura de prestador de serviço autônomo eficiente e comprometido. 

 

Muitos clientes mostram tamanha indignação que adjetivaram suas decepções com o segmento. “Picareta foi o termo mais ouvido, o que indica o termômetro de frustração enfrentado por quem precisa - e paga - por esses serviços no cotidiano. 

 

João Marcos Oliveira, bancário, conta que agendou por cinco vezes com um instalador de churrasqueira. “Minha dificuldade foi que eu tinha os tijolinhos específicos para assentar churrasqueira. Os caras preferem fazer o serviço no pacote que inclui fornecer mão de obra e os materiais. Porque aí eles têm maior margem de ganho com o fornecedor. Mesmo assim, consegui um, a muito custo, que marcou e não foi por cinco vezes. Ele só compareceu depois que ameacei denunciá-lo, o que o queimaria no mercado. Gastei um monte com ligações para o celular dele. Mas até por birra fui em frente. Mesmo assim é horrível isso, porque corri o risco dele fazer o serviço com algum defeito escondido que eu, leigo, não iria ver”, desabafa. 

 

Clarice Macedo diz que fez três orçamentos com um autônomo indicado como “faz tudo” ainda em novembro passado. Ela comprou a lista de objetos solicitada (pregos, cola, vedante de torneira, parafuso, buchas, cano PVC, etc.), mas ele não apareceu. “Fico indignada com esse comportamento. Esse pessoal precisa ter respeito. Entram em nossas casas, estão sendo contratados, dão preços altos, muitas vezes, marcam com você, você altera sua agenda para não deixar a casa sozinha naquele dia e eles simplesmente não aparecem. Sou a favor de criar um serviço de Cadastro de Picaretas no Procon de Bauru para identificar esse povo“, sugere. 

 

A bancária Julita Helena Siqueira sentencia, em nome de muitos, acredito: “A lista de furos desse povo é tão grande, que teria de selecionar para colocar na reportagem!”.

 

Para especialista, falta comprometimento com o público consumidor

 

A regulação da conhecida regra de oferta e demanda vive seu pior momento, em se tratando da procura por mão de obra em prestadores de serviços autônomos no País. Este é o cerne da questão para explicar as consequentes dificuldades em encontrar profissionais para consertar o vazamento na pia ou trocar a dobradiça do armário que emperrou. 

 

Mais do que isso, a especialista em gestão de pessoas Alexandra Fabri expõe que o ‘boom’ da construção civil, acumulado nos últimos anos, mais o aumento de vagas em curso superior, em detrimento à formação técnica, também colaboraram para que os autônomos sem qualificação (o que inclui falta de noção de comprometimento com a satisfação do cliente) passassem a considerar que “estão por cima da carne seca”. 

 

A questão é que, como em todo ajuste de regulação de mercado, essa realidade é cíclica e, logo, a regra do jogo muda. Neste caso, quem não for qualificado e consciente de seu papel na relação com o cliente, tende a perder espaço. “Quem necessita fazer reparos ou modificações em casa sabe a dificuldade que existe em encontrar prestadores de serviços como: pedreiros, encanadores, eletricistas, jardineiros, marceneiros, soldadores, etc. A dificuldade não consiste só em encontrar, mas principalmente em ter desses profissionais o comprometimento com o serviço combinado”, avalia Alexandra Fabri. 

 

Ocorre que falta, por vezes, postura profissional que envolva cumprimento de prazos, preocupação com a satisfação do cliente e assiduidade. A partir disso, a especialista avalia os fatores que contribuíram para essa carência, neste momento. 

 

“Podemos destacar alguns fatores que contribuem para esse cenário. Até bem pouco tempo atrás, se propagava a ideia de que era necessário ter curso superior para ser bem sucedido no mercado de trabalho. Isso alavancou a abertura de instituições de ensino superior, bem como a variedade de cursos oferecidos por tais instituições. Ao mesmo tempo, diminuiu a procura e o incentivo por cursos técnicos e, consequentemente, a formação desses profissionais. Assim, vivemos atualmente uma escassez desse tipo de mão de obra que, por falta de concorrência, não sente a necessidade de se profissionalizar”, aborda. 

 

Para Fabri, a baixa escolaridade e a cultura da realização de serviços sem preparo de comportamento empresarial, na essência do temo, se agrava com o sentimento assimilado por este prestador de serviço de que o “cliente é que precisa dele”. “Há a dificuldade deles em cumprir a agenda, uma vez que a procura é grande pelos seus serviços. Outro fator é que muitos desses profissionais são excelentes no serviço em que prestam, mas falta conhecimentos de gestão para que administrem melhor a demanda e busquem a satisfação dos clientes”, menciona. 

 

Enquanto o mercado não se auto regula, com o aprimoramento da conscientização pelo prestador de serviço, executivos com formação tentam agregar profissionais dessas áreas como empregados, para, com alguma inteligência empresarial, suprir essa lacuna.

 

“Percebemos que tem aumentado o número de empresas que englobam esse tipo de prestação de serviços e, nesse caso, elas são estruturadas e administradas por pessoas que fizeram curso superior no passado mas, ao perceberem que hoje o técnico é um profissional altamente requisitado, partiram para esse nicho”, cita Alexandra.

 

E no Procon?

 

Apesar de ser farto e fácil encontrar alguém que já tenha sido enganado ou sofrido com os “defeitos” de um prestador de serviços, é baixíssimo o número de reclamações desse tipo de ocorrência no Procon de Bauru. A coordenadora do órgão de defesa do consumidor, Fernanda Pegoraro, explica que a falta de conhecimento sobre o Código explica essa aparente contradição. “Não chega até o Procon esse tipo de reclamação, mas deveria chegar. Isso acontece porque a maioria das pessoas acredita que não há relação de consumo nisso, o que está errado. Qualquer serviço, prestado mesmo por autônomo, que for realizado de forma habitual por uma pessoa e visando lucro tem natural relação de consumo, portanto é protegido sim pelo Código de Defesa do Consumidor”, comenta.

 

Como as pessoas não se atentam para essa relação, reclamam sozinhas, ou apenas nas mídias sociais. “Sempre que uma pessoa ou empresa presta um serviço mediante pagamento de forma habitual para obter lucro, o fato é protegido por lei. O cidadão tem de se habituar a fazer um contrato simples, em uma folha de computador. Descreve lá o nome completo, com RG e CPF e endereço do prestador do serviço, põe os dados dela que é contratante, descreve rapidamente o que será realizado e recolhe a assinatura do autônomo. Se houver problema, pode ir ao Procon”, completa. Fernanda dá um exemplo simples: “Vender bombom na porta da faculdade, se fora uma atividade habitual e é claro que é para obter lucro, gera a figura do fornecedor. Qualquer ambiente de venda de uma mercadoria ou de serviço, se habitual, no dia a dia, é coberto pela lei”.

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