Oniilismo é um dos temas centrais da filosofia contemporânea. Seu espectro está no horizonte de todas as questões relacionadas à ética na atualidade. A desvalorização (corrosão) dos antigos valores da cultura ocidental, acentuada pelo desenvolvimento da visão científica, pela crise da teologia como disciplina especulativa decretada pela crítica kantiana e as inúmeras crises éticas sofridas pelo ocidente, sobretudo no pós-guerra, aliam-se, hoje, às novas concepções de natureza, vida, sexualidade e moral, traçando um cenário de incertezas éticas sem precedentes.
Nesse contexto, o niilismo, como perspectiva teórica e como uma tendência do pensamento que nega as tradicionais fundamentações da religião, da moral e da racionalidade figura como o “hóspede indesejado” (unheimlichste aller Gäste), como denominou Nietzsche no panorama das discussões éticas dos séculos XX e XXI. Um aspecto relevante deste contexto, que podemos interpretar como uma influência das ideias niilistas sobre a política no século XX, seria a apropriação de um ideário nietszcheano, mesmo que distorcido, pelo nacional-socialismo alemão e por movimentos fascistas característicos do período entre-guerras na Europa e a polêmica adesão de Heidegger ao nazismo. Tais fatos e interpretações apontam para a relevância do tema da influência do pensamento niilista sobre teorias políticas que deram origem a um rompimento com fundamentos éticos vigentes no ocidente até então, a saber, de uma ética orientada pela tradição da moralidade judaico-cristã caracterizada pela noção de compaixão.
Outro aspecto relevante que pode ser relacionado como niilismo como movimento histórico-filosófico é o fenômeno cultural do “novo ateísmo” representado principalmente por intelectuais como Richard Dawkins (“The God Delusion”), Daniel Dennet (“Breaking the Spell”, “Religion as a natural phenomenon”), Sam Harris (“The end of the Faith”) e Christopher Hitchens (“God is not great”).
Não se trata de sustentar que os autores citados sejam tributários diretos da tradição nietzschiana ou heideggeriana, como se fossem continuadores das obras dos filósofos do niilismo no mesmo registro de suas terminologias e perspectivas, mas de apontar nas obras dos pensadores do “novo ateísmo” elementos que figuram como sintomas das “previsões” de Nietzsche e Heidegger sobre os séculos vindouros, a saber, o desgaste e a centralização da explicação religiosa para a ética, a política e a sociedade. Tal hipótese não pretende identificar a sociedade ocidental contemporânea como secularista, ou ainda detectar ou quantificar o aumento do ateísmo e sim constatar que o pensamento filosófico e científico procuram sempre novas formas de valorização e fundamentação para a ética que não dependem necessariamente do dogmatismo religioso.
O secularismo humanista em seu viés mais combativo e sua dimensão ateísta militante, na forma como se apresentam na mídia contemporânea, são fenômenos recentes na história da cultura ocidental, e a relação dessas tendências, correntes de pensamento e mesmo desse ativismo cultural têm como uma das influências a desconstrução niilista da cultura e a crítica aos valores da religião, efetuada originalmente por Nietzsche e Heidegger na crítica à metafísica clássica. A crise da ideia de uma fundamentação única para a moralidade e a consequente disputa entre moralidades divergentes e antagônicas afetam desde as decisões jurídicas mais complexas – como a regulamentação de direitos civis de minorias, a necessidade de criação de leis que regulamentem a manipulação genética – e as questões relacionadas à fé, à religião e às práticas sociais. É exatamente essa crise que é representada pelo niilismo.
Segundo o pensador Gianni Vattimo, “o mundo como um sistema racional completo não passa de um mito cultural.” O niilismo, portanto, não é somente sinônimo da crise de valores, segundo aquele significado popular que havia no século XVIII, onde o termo pretendia indicar um espírito crítico que refutasse qualquer valor e qualquer autoridade. O niilismo, ao menos numa primeira aproximação, poderia ser definido como o problema da presença do nada, ou ainda, do triunfo do nada na nossa experiência. Aqui se coloca, segundo o filósofo, a ausência de fundamento e a falta de certezas, valores e verdades estáveis. A motivação central de nossa pesquisa parte da constatação de que a relevância deste panorama conceitual é de fundamental importância para a compreensão da cultura contemporânea.
O autor é professor doutor do Departamento de Ciências Humanas da FAAC – Unesp Bauru