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Sempre vivendo na roça, ‘seu Antônio’ esbanja vitalidade; prestes a completar 90 anos, comemora 7 décadas de casamento |
Chegar aos 90 anos de idade com lucidez, boa memória e disposição para o trabalho é privilégio para poucos. Antônio Camargo Ortiz, que em setembro chegará a nove décadas de vida, comemora neste mês 70 anos de casamento com Olindina Moreti Camargo, com quem teve dez filhos - depois ainda vieram 22 netos, 22 bisnetos e dois tataranetos.
O ano, aliás, promete ser marcante para a família. Além das Bodas de Vinho do casal, que será celebrada hoje com uma grande festa para mais de 300 pessoas, entre familiares e amigos, o neto Sidnei será o primeiro membro da família a concluir um curso superior. Ele estuda Agronomia nas Faculdades Integradas de Bauru (FIB) e a vocação pelo campo não poderia ser diferente, pois o avô passou a vida toda na zona rural.
Antônio nasceu em um bairro rural do município de Iacanga. Depois, viveu alguns anos em um sítio em Agudos e, desde 1980, tem seu sítio na região do bairro rural de Rio Verde, zona rural de Bauru, onde planta hortaliças, milho e feijão e cria bois e galinhas, tudo para subsistência. É ele mesmo quem cuida da propriedade, batizada de Sítio São Benedito, esbanjando vitalidade e boa memória.
Fã da comida feita no forno à lenha, Antônio é conhecido por organizar a Festa da Folia de Reis no bairro de Rio Verde há mais de 30 anos, tradição que ele herdou da família ainda em Iacanga e começou há 79 anos, em 1936. Todos os dias, antes de começar o serviço na roça, Antônio faz sua oração na capela do sítio, por volta de 5h. Mantendo os típicos hábitos rurais de antigamente, ele acorda cedo, faz o dia “render” pela manhã, almoça por volta das 10h30 e vai dormir assim que anoitece.
Jornal da Cidade - O senhor passou a vida toda no campo?
Antônio Camargo Ortiz - Eu nasci e fui criado no Patrimônio de São Vicente, no município de Agudos, e meus filhos todos nasceram lá também, criei todos eles lá. Aí, em 1969, eu vendi a propriedade que tinha lá e mudei pro município de Agudos, e em 1980 vendi esse sítio em Agudos e vim de vez para cá, na região de Rio Verde. Eu casei e o primeiro filho já nasceu logo depois, eu fui rápido, até porque naquele tempo não tinha televisão (risos). E foram vindo os outros em seguida. E eu sempre morei no sítio, nunca quis morar na cidade. O pessoal fala que eu moro no deserto, mas é o que eu gosto, acordar cedo com o galo cantando, sem a poluição da cidade. Na cidade é tudo muito corrido, atropelado. Antigamente a vida era muito melhor, a gente comia o que plantava no sítio, não precisava comprar nada. Aqui eu ainda faço isso, praticamente tudo o que eu como é o que a gente planta, sem química, agrotóxico, nada disso. Não gosto de comida enlatada, também não gosto de doce, talvez isso tenha ajudado a preservar minha saúde.
JC - Cidade, então, só para passear?
Antônio - Sim, eu gostava de ir só pra isso mesmo, pra passear, fazer compra quando precisava. Na época eu ia para Iacanga, porque era mais perto do Patrimônio de São Vicente. Depois passou a ser Bauru, quando mudei para cá. Mas eu vou muito pouco pra cidade. Meus filhos e netos que moram lá vêm aqui me visitar. Alguns telefonam todo dia cedo pra gente pra saber como estamos.
JC - E na roça, qual tipo de plantação o senhor já teve?
Antônio - No começo da vida, a gente era bem pobrezinho, ou melhor, ‘pobrezão’ (risos), então só criava galinha. Depois tivemos uma vaca. E plantação era milho, feijão, coisa pra consumo da família, não vendia pra fora. Com 8 anos, comecei a trabalhar, e sempre gostei do trabalho, não parei até hoje. Quando eu era criança trabalhava de manhã, bem cedo, depois tinha aula na escola e voltava para a roça à tarde.
JC - O senhor estudou até que série?
Antônio - Eu fiz até o começo do segundo ano do primário. Mas também a escola não ia muito mais do que isso lá. Aí meu pai comprou uns livros para a gente estudar por conta, porque ler já sabíamos. Aritmética, matemática, português, fui aprendendo por conta própria. Então, ler, escrever e fazer conta aprendemos. Aliás, sozinho acho que aprendi mais do que muita gente que hoje em dia estuda mais tempo. Leio de tudo, de jornal a bula de remédio, li a Bíblia inteira já também. Os meus filhos já estudaram mais na escola. Os mais velhos pararam antes, no primário, e os mais novos conseguiram ir mais adiante, alguns até o colegial. Os netos também estudaram mais. O Sidnei (neto) esse ano termina a faculdade, vai ser o primeiro. Teve algumas filhas que casaram novas também, então acabaram não seguindo os estudos naquela época. Casou, o pai não manda mais (risos).
JC - E o trabalho na roça, o senhor segue firme até hoje?
Antônio - Com certeza. Levanto cedo, já tiro leite da vaca, mexo na plantação. Aqui em casa moro só eu e minha esposa, e do lado aqui mora meu filho (Benedito). Tenho outros filhos que moram em sítio também, só que alguns quilômetros pra frente, e os demais moram na cidade, foram arrumando emprego em Bauru. Cada um foi arrumando um serviço diferente, a Francisca trabalha no Aeroporto (Moussa Tobias), ela e o marido. A Terezinha trabalha em carro-forte, que transporta valores, a Lurdes trabalha em uma padaria no Parque São Geraldo, e por aí vai.
JC - Com essa disposição para trabalhar, a saúde deve estar em ordem.
Antônio - Eu não tomo nenhum remédio, e minha pressão está sempre em 12 por 8. E só fui ao médico uma vez quando era criança e agora há dois anos, quando tomei uma picada de cobra jararaca, fui levado pro Pronto-Socorro Central e me medicaram rápido, depois tive que ficar internado três dias no Hospital Estadual e mais uns dias de molho em casa. Mas, de resto, não vou ao médico, se falar que está doendo alguma coisa ele vai querer me dar remédio (risos). Ah, e eu ainda matei a cobra antes de ser socorrido!
JC - Como o senhor faz pra manter essa vitalidade até hoje?
Antônio - Olha, aí tem que perguntar pra Deus, porque eu mesmo não sei. Mas acho que viver perto da natureza ajuda muito, viu! O sítio ajuda em tudo a saúde, a cidade é poluída, tem fumaça, poluição de petróleo, o pessoal da cidade já está ‘curtido’ com isso, é tudo poluição que vai direto pro pulmão. Aqui na roça não, é mais tranquilo, a gente faz a comida no fogão de lenha, guarda a carne na gordura de porco e nunca teve problema com isso. E sempre procurei ser amigo de todo mundo, era assim em Iacanga, quando vim pra cá também, gosto de todo mundo que eu conheço de Bauru.
JC - O senhor mantém a tradição da Festa de Reis em Rio Verde. Quando começou?
Antônio - Olha, o começo mesmo foi em 1936, com meu tio, lá em Iacanga. E foi com uma história complicada. Esse meu tio, a mulher não gostava dele, e deu arsênico para ele tomar. Meu pai foi avisado e foi na casa desse meu tio. Deram leite pra ele, no que ele bebeu, voltou tudo, e preto. Ele já estava ficando paralítico por causa do veneno. E a mulher querendo o sítio e o gado. Meu pai conseguiu um advogado e a mulher não ficou com nada. Como meu tio estava paralítico, arrendou dez alqueires de terra do sítio para um turco lá de Quilombo (bairro rural de Iacanga), por dois anos, quando terminou o arrendamento. E esse turco tinha uma revista que falava da festa de Reis Magos, e, em janeiro de 1936, começou a tradição de fazer a festa de Reis, lá em São Vicente ainda. Foram passando os anos, meu irmão continuou fazendo, e eu também. Quando fui pra Agudos, fiquei dez anos sem fazer a festa, e, assim que mudei pra cá, em 1980, em janeiro seguinte voltamos a fazer, já são mais de 30 anos só aqui em Rio Verde. Começa logo cedo, o pessoal faz a procissão, reza o terço e depois, na hora do almoço, todo mundo festeja com carne de porco, churrasco, frango. A gente sempre faz em um sábado, porque, se o dia 6 de janeiro cai em um dia de semana, as pessoas não conseguem vir, aí deixamos certo sempre o segundo sábado de janeiro. E vem muita gente. Quando eu não estiver mais aqui nesse mundo, aí vai depender dos meus filhos e netos decidir se querem continuar ou não. Mas a minha parte eu fiz, continuando a tradição do meu tio Júlio quando estava para partir, que pediu para que eu não parasse com a Festa de Reis.
Perfil
Data de nascimento: 24/09/1925 (89 anos)
Local: Patrimônio de São Vicente, em Iacanga
Esposa: Olindina Moreti Camargo, 90 anos
Filhos: Maria Aparecida, Benedito, Belarmina, Aparecida, Terezinha, Francisca, Lurdes, Ana, José e João Antônio (os três últimos já falecidos). São ainda 22 netos, 22 bisnetos e dois tataranetos
Hobby: Ver televisão
Time de coração: Não tem
Prato preferido: Arroz com frango
Para quem dá nota 10: Para minha família
Para quem dá nota 0: Para ninguém