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Educação ou escolaridade?

Terezinha Santarosa Zanlochi
| Tempo de leitura: 4 min

Sempre desejei investigar estes conceitos para melhor conhecer os limites e a extensão de cada um. Porque a profundidade desta investigação traz revelações que afetam diferentes tipos de trabalho, pessoas especializadas, tarefas necessárias oportunas ou cotidianas, projetos  ou programas públicos ou não. Percebo que se fazem confusões incríveis entre estas palavras. O que é educar? O que é escolaridade? Há diferença entre uma e outra? Até onde escolaridade significa educação?

Acho fundamental conhecer o conceito de cada palavra para que a escamoteada “ideologia de educar” não se resuma na tarefa de ensinar. Minha opinião como pedagoga, historiadora e professora até bem pouco tempo, afirmo que conceitos claros viabilizam ações eficazes. O artigo da Opinião do JC de 29/07/2015, escrito pelo professor Hidalgo, traz, inclusive, embutida esta questão. A situação ocorrida na Unesp está amalgamada com o conceito de Educação e nunca de escolaridade. E o que é pior, num tipo de educação patriarcal, enraizada dolorosamente na formação familiar e continuada na sociedade e no Ensino de modo geral.

Acho bom iluminar o debate  com a seguinte situação. Um proprietário zeloso de seu patrimônio alugou uma bela casa, bem cuidada e quase nova para um casal locatário, em que o marido é professor universitário, isto é, com alta escolaridade, e sua esposa especializada em estética, além de uma filha adolescente, em nível colegial. Moraram lá quatro anos e se mudaram. Depredaram a casa e na entrega das chaves foram grosseiros com a secretária que era amiga da filha deles desde a infância. O locador tinha todos os meios e provas para processá-los, uma vez que tinha fotos de todos os cômodos da casa antes de alugá-la. Prática comum entre as imobiliárias sérias. Mas preferiu não se desgastar com pessoas “mal educadas”. 

Outra situação: os antigos costumavam dizer aos seus educandos, filhos e netos: “Cuide melhor das coisas que você empresta dos outros, do que daquilo que é seu”. Porque os livros do primeiro ano eram passados aos novos alunos do ano seguinte, o “Caminho Suave”, lembram? E precisavam chegar aos novos alunos como se fossem livros novos, e aquelas crianças continuassem a usar aqueles livros, que passariam para outros novos alunos no ano seguinte... Seguramente os antigos tinham baixa escolaridade, mas o berço, como se costumava dizer, gerava a educação.

Fui a uma fonte confiável e de fácil acesso, o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª ed., Editora Nova Fronteira, 1986, o último produzido por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Ele nos ensina que  escolaridade significa “submetido ao ensino escolar”, e que “Educar é o processo de desenvolvimento da capacidade física , intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando sua integração individual e social”, verb.1; “conhecimento e prática dos usos de sociedade; civilidade, delicadeza, polidez, cortesia, bons modos”, no verb.7.   

Atentando para a palavra processo em educação, que traz no seu bojo o peso de acontecer durante toda a vida, apoio-me no conceito de que  educar é formar bons hábitos: os higiênicos iniciados sacrificadamente pelas mães, que  mandam seus filhos, infinitas vezes, escovar os dentes ou tomar banho  e depois sair do banho, todos os dias, todas as horas, o tempo todo, dia após dia e ano após ano, até que entendam a qualidade de vida que isto lhes traz! Educar é incutir valores positivos de respeito ao outro, à convivência, à sociabilidade praticada atenciosamente entre amigos e familiares e a comunidade, enfim, educar é cultivar as  virtudes saudáveis da honestidade, do bom caráter,  da solidariedade e outras tantas. 

Então, diante do conceitual, frente às situações colocadas, como ficamos? As escolas fazem isto? São dadas aos professores condições necessárias para realizarem o processo educativo? É bom lembrar que os 50 min. em sala de aula são para cumprir conteúdos programáticos, sobre os quais, ao que me consta, serão cobrados, no tempo presente do professor em avaliações anuais e, futuramente, do aluno em provas do tipo Enem, vestibulares e concursos.

Com estas implicações, pergunto: por que se dá o nome de Secretaria de Educação a uma Secretaria de Ensino? Porque se dá o título de educador àquele que exclusivamente ensina e não mais consegue formar virtudes e valores nas crianças? Se escolaridade produzir educação, o Sistema Educacional está configurado corretamente ao conceito de educação. Caso contrário, será necessário rever todos os conceitos daquilo que aí está: estrutura, sistema, projetos e programas, além de substituir a tal Secretaria da Educação por Secretaria de Ensino. Tarefa hercúlea que demanda profundas exigências que o Estado não consegue e nem deseja dar suporte, mas continua enganando aos menos avisados que promove a pátria educadora!

Paradoxo: um certo presidente de um belo país, sem escolaridade, sem educação e nem respeito pelo outro, recebeu em Portugal um documento diplomático considerando-o “professor”... Tão triste isto!

 

A autora é professora e doutora

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