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O que é e o que não é música?

Alexei Lisounenko
| Tempo de leitura: 3 min

Ocaro leitor, ao menos uma vez na vida já se questionou: o que é música? Ou já perguntou a algum músico se os hits que fazem sucesso nas rádios de hoje são músicas. O tema é muito polêmico, pois a música abrange um universo muito amplo, e está na civilização desde o seu início. Já na Grécia antiga alguns teóricos, filósofos e até matemáticos definiam a música como uma ciência. Os pitagóricos diziam que a música era uma espécie de “ciência dos números aplicada aos sons”, sendo o número o seu fundamento. Por outro lado, outros tratadistas acreditavam que a música é a “arte dos sons” usada com o fim de promover prazer ou desconforto, reflexão ou distração, tristeza ou alegria. 

Então podemos concluir que a organização dos sons pode ser considerada música. Certo? Então me responda: e quando não há uma organização desses sons, ou melhor, quando não há som de um instrumento musical. É música? Vou citar a famosa e controversa composição de John Cage, a 4’33’’, onde o músico não deve executar nenhuma nota em seu instrumento. Após a entrada no palco e os aplausos, o músico deve colocar-se em posição de execução e permanecer assim durante toda a duração da obra (quatro minutos e trinta e três segundos), quando só se ouvirá o ruído da plateia. Sem querer criar polêmica, mas criando, você acha que esta composição é música? No final eu respondo.

Para os gregos, a palavra música tinha um sentido mais amplo do que lhe damos hoje, era uma forma adjetivada do vocábulo “musa”, que significa inspiração, poesia, harmonia e encanto. É a busca da beleza e da verdade. Sendo assim, ela é uma forma artística de se expressar. Dá mesma forma que a história conta dos problemas e avanços de sua época, a música reflete o som de sua geração, o sentimento da época. Dessa forma, fica mais fácil compreender por quais transformações a música passou e passa. Ela é uma grande ferramenta que os historiadores e tratadistas usam para decifrarem o passado. Daqui a alguns anos, quem ouvir a música que hoje é composta vai ter uma boa ideia de como foi a nossa geração, nossos pensamentos, lutas, angústias e conquistas.

Ensino aos meus alunos que a música tradicional é composta por três elementos: melodia, harmonia, ritmo. Mas com a imensidão de formas de expressões musicais mundo afora, essa definição se rompe. Temos músicas onde só se ouve a melodia sem a harmonia, como nos cantos gregorianos, que inclusive tem um ritmo livre. Outras onde temos o rufar dos instrumentos de percussão, sem se escutar uma nota sequer como no caso do surpreendente Stomp. Sabe, quando se começa a estudar o que é música se inicia uma grande aventura em busca do desconhecido. Para o amigo leitor já deve ter ficado claro que definir o que é música é uma tarefa muito difícil, talvez impossível devido à sua abrangência.

Definir música é algo tão complexo que pode até nos assustar, por isso eu a defino como “a transmissão dos sentimentos através dos sons”, é uma forma simplista e até romântica, mas aprendi, quando criança, que quando vamos falar do universo não adianta começar das galáxias, basta começar colocando “Numa folha qualquer eu desenho um Sol amarelo... Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar”.  (trechos de Aquarela, de Toquinho). Respondendo à pergunta do início da nossa conversa, a peça 4’33’’ de John Cage é música. E por sinal uma das mais famosas no meio acadêmico. É música pois ela engloba os sons da plateia, dos músicos, do vento que entra pela fresta da porta do teatro, ou seja, qualquer ruído que possa ser ouvido e sentido. 

Quero terminar citando uma bela definição de Artur da Távola a respeito do que é música: “Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão”. 

 

O autor é maestro 

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