A “Lapa de baixo” São Paulo sempre teve sua autonomia e a dependência da parte de cima do bairro da Lapa era pequena. Possuía um comércio modesto, constituído por armazéns de secos e molhados, quitandas, açougues, bares, pastelarias, loja de armarinhos, papelaria e outras. As ofertas desse comércio satisfaziam as necessidades básicas da clientela.
Eu tinha um tio-avô que sempre se omitiu em administrar o lar, dizia não ter jeito e paciência para essas coisas. As compras para o suprimento da casa eram realizadas pela minha tia-avó, sua mulher. Se bem que o velho tinha os seus caprichos e, às escondidas, era o maior freguês da quitanda do Paulo “Japonês”, na compra de maços e maços de carqueja. Também às escondidas, após a escolha criteriosa dos melhores ramos com seus talos e folhas viçosas e lavagem excessiva dos mesmos em água corrente, colocava a carqueja em garrafões de pinga de alambique para, de acordo com seus termos, “amansá-la”. A bebida ficava muito amarga e verdinha.
A minha tia-avó, sem deixar transparecer, se preocupava com o consumo demasiado daquela alquimia pelo marido e, por várias vezes, marcava e desmarcava consultas com o único médico, à época, da “Lapa de baixo”, cujo consultório ficava em frente à estação ferroviária, no andar de cima da Pastelaria Pequim.
A realidade era uma só, meu tio avô apesar dos seus já 78 anos de idade tinha uma pele muito jovial, aparentava quase 20 anos mais novo, uma apetite sexual fora do comum, não apresentava problemas de memória, que eu saiba nunca teve problemas de pressão, visão, fraqueza e nunca dispensou uma bela pescaria com os amigos do buteco.
Uma tarde meu tio-avô resolveu atender os apelos da esposa se arrumou todo. De terno e sapatos de lustro incomum se apresentou ao Doutor Juvelino para a consulta tantas vezes adiada. Ao retornar do médico, meu tio avô, entrou na cozinha e pegou na parte de baixo da pia o garrafão de pinga amansada, serviu-se de uma dose e esperou a pergunta da esposa, que preparava o jantar: - “O que o doutor receitou?” - “Não receitou nada, somente me disse que a partir de hoje também vai tomar o remédio milagroso, ou seja, “Pinga com carqueja”.