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Alétheia

Cristina Rodrigues Franciscato
| Tempo de leitura: 2 min

Alétheia é uma palavra grega! Muito grega! De modo geral, pode ser traduzida por verdade! Etimologicamente, é formada pelo alfa privativo (a), cuja função é negar aquilo que lhe sucede na palavra que compõe; e pelo termo “léthe” (     ), esquecimento. Lete, na mitologia grega, é um dos rios do Hades, o mundo dos mortos. Beber de suas águas faz a alma esquecer tudo o que vivenciou anteriormente. Então, alétheia pode também ser traduzida como “não esquecimento”, como desvelamento. Essa compreensão de alétheia, a partir de sua etimologia, como desvelamento foi concebida por Heidegger, filósofo existencialista alemão (1879-1976).

Gostaria de saber quem batizou esta nova fase das investigações da Lava Jato com esse termo tão rico de significados filosóficos (muito além do que sinalizei aqui). Para mim, soa quase como heresia, impiedade mesmo, trazer para o meio de tanta lama um termo tão belo! Os antigos gregos acreditavam no poder que o nome possui de presentificar a coisa nomeada. Então, oxalá seja de fato possível ocorrerem os desvelamentos necessários! No mais me calo, por profunda incompetência de compreender, verdadeiramente, quem é quem neste hediondo jogo de poder, neste caos em que o país mergulhou.

Há uma Tragédia de Eurípides (século V a.C.) chamada Héracles (o famoso Hércules dos Doze Trabalhos). Ela mostra a queda trágica do herói no ápice da glória, quando volta vitorioso de suas façanhas. Héracles, o grande destruidor de monstros, tomado pela loucura, torna-se o monstruoso assassino da esposa e dos filhos. Ele destrói aquilo que lhe é mais precioso com as mesmas armas que fizeram dele o maior dos heróis! Tal passagem nos remete a um tema recorrente na literatura e na filosofia grega: o enorme potencial enlouquecedor contido na grandeza e no poder excessivos. Quão verdadeira e atual é essa percepção! E como anda esquecida, fragilizada, acuada e desnutrida a nobre alétheia.

A autora é jornalista com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Literatura Grega Antiga pela FFLCH-USP

 

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