O ritual xamânico atrai em média de 20 a 30 pessoas, mas há sessões com o dobro de integrantes. Não há cânticos e hinos religiosos entoados pelos adeptos. A trilha sonora é eletrônica: vai de sons de tambores misturado ao uso do atabaque e tambor, mas já se tocou até Pink Floyd.
O Instituto Xamânico Luz Paz Amor na Mística União está instalado em uma residência em Jaú que tem um quintal enorme na frente. A rigidez do horário é para não atrapalhar a vizinhança.
A ingestão da ayahuasca em ritual religioso tem influência no Brasil do mestre Irineu Serra na região do Acre, em 1912, quando ele trabalhava na extração da borracha. Ele conheceu a bebida ao estabelecer contato com índios.
Os primeiros rituais datam de 1930, quando mestre Irineu organizou as reuniões de trabalho que levou o nome de Santo Daime.
Em Jaú, o ritual se difere do Santo Daime por não ter a mistura de cânticos católicos e da umbanda, mas incorpora outras práticas como sessão de apometria comandada pelo mestre Dilson de Azevedo Lima que tem influência mediúnica.
A reunião de trabalho tem início, por volta de 20h, quando os integrantes tomam a primeira dose do chá. A bebida já vem pronta, adquirida de um fornecedor de Sorocaba. Por mês são cerca de 40 litros consumidos em média em quatro reuniões. Antes de liberar o chá, os chamados “cuidadores” participam de um pré-ritual que ocorre no dia anterior. Nesse dia o líder e integrantes da comunidade tomam o chá para “testar” o conteúdo. “O teor sempre varia. Quando notamos que é muito forte, a gente reduz a quantidade na sessão de trabalho do dia seguinte”, conta o “padrinho”.
Em volta de uma fogueira, com colchão estirado no chão e cobertores, os fiéis tomam o chá e permanecem até tomar a segunda dose. Há alguns fieis que precisam de ir ao banheiro. Sempre há os chamados “cuidadores” que dão assistência.
Entrar na força
A ingestão do chá de ayahuasca provoca a absorção ou contato com o “espírito da planta” ou com uma “planta professora”. Usuários afirmam que tem os sentidos expandidos e as emoções são mais profundas.
Segundo relatos, essa experiência pode ser extrema, sendo chamada pelos adeptos de “apanhar”, “peia, “cacete”, “chicote”.
Outra expressão é entrar na “força”, ou seja após a ingestão da ayahuasca, que varia de 15 a 40 minutos, acontece o fenômeno da expansão da consciência. Nesse momento, todos os chacras ficam alinhados e totalmente abertos. Depois de uma hora e meia da ingestão da primeira dose, será servida a segunda dose.
Na maioria dos casos há ocorrência de náuseas, vômitos e diarreias. Também ocorre aumento da empatia, diminuição da fome e aumento da acuidade da visão noturna. O ritual termina por volta da meia-noite.
Apometria é uma das vertentes xamânicas
A característica do xamanismo é incorporar crenças espirituais e terapias de cura mental, física e espiritual. Antes da sessão de trabalho, quando é ingerido o chá, os adeptos também têm a apometria aplicada por Dilson de Azevedo Lima, 63 anos, médium kardecista.
“É um tratamento espiritual feito nos sete corpos com uso de bastão apométrico ou por incorporação de espíritos. É um tratamento mental, físico e espiritual”, conta Azevedo.
A reportagem do JC acompanhou a sessão de trabalho que é feita num quiosque com as pessoas sentadas em sete cadeiras e em pé ficam sete “terapeutas”.
“As pessoas sentam-se nas cadeiras para que seus chacras sejam organizados. Durante a sessão, eu recebo a intuição do que as pessoas têm. Se elas têm um (espírito) obsessor, pedimos a incorporação de um médium da casa. É feita incorporação, o espírito é doutrinado para planos espirituais superiores”, relata Dilson, que também é palestrante espírita.
A apometria (apo- do grego “além de” e -metron “medida”) é um conjunto de práticas com objetivo de cura, normalização corporal e conscientização do envolvimento energético, no qual os seres humanos estão imersos.
Azevedo afirma que também é chamada de prática terapêutica alternativa, de natureza espiritualista e, segundo seus praticantes, consiste na projeção da consciência e na dissociação dos múltiplos corpos sutis mediante a uma sequência de pulsos ou comandos energéticos mentais.
Em Jaú, os trabalhos com apometria antecedem a ingestão da ayahuasca.
Antropólogo diz que tempos atuais afloram espiritualidade
O professor com mestrado em antropologia na Pontifícia Universidade Católica (PUC) Luiz Nunes de Almeida explica que a modernidade aflorou a espiritualidade ao comentar sobre esses novos movimentos religiosos que misturam várias crenças, como espiritismo, umbanda e culto indígena.
“O homem se depara com tanta coisa que houve um distanciamento de Deus e está se aproximando de novo, um afloramento de espiritualidade”, ressalta.
Almeida opina que o xamanismo é um movimento “antropofágico religioso”. “A religião é uma criação humana constante. Um dos viés é a capacidade que o homem tem de criar alternativa para se religar com o sobrenatural, que é a religião. Esse religamento tem várias nuanças dentro regionalismo. Por isso, o sincretismo, como é o caso das religiões afro-brasileira que sincretizaram com crenças africanas e indígenas criando outra alternativa de religiosidade. A gente chama isso de movimento”, explica.
Almeida cita que essa mistura de catolicismo, espiritismo e crenças indígenas criam esses movimentos, como o xamânico. “O espiritismo no Brasil tem influência do espiritismo europeu e do catolicismo brasileiro rural. Lá na Amazônia, o Santo Daime é mistura do catolicismo e espiritismo. É junção de espiritualidade. Aí entra a ciência para explicar por que isso está acontecendo”.
A busca por novos movimentos de espiritualidade tem a ver com momento de dificuldade, quando as pessoas procuram se religar com a religião, cita o professor.