O “padrinho” do Instituto Xamânico Luz Paz Amor na Mística União, Daniel Alberto Rojas, nasceu em Buenos Aires, onde residiu até 1979. Veio para o Brasil a passeio, acabou ficando um período, retornou por dois anos à Argentina para prestar serviço militar até retornar e casar-se com uma brasileira. Rojas ainda tem uma dificuldade em pronunciar palavras que têm “r” acentuado, o que denuncia o sotaque espanhol misturado ao português. A ayahuasca ele conheceu, em 1998, no núcleo União do Vegetal de Bauru.
Ex-soldado da Força Aérea argentina, quando serviu numa brigada de apoio no bairro Palermo, durante a Guerra das Malvinas, o último confronto armado provocado pela ditadura argentina com os ingleses pelo controle das Ilhas Falkland, até hoje reivindicada pelos nossos vizinhos de fronteira. “Estava a passeio quando fui convocado e tive que servir. A minha participação foi tático logística para os aviões que chegavam do Brasil, Bolívia e Peru e traziam suprimentos. Foi uma guerra tonta, a Argentina não tinha estrutura para enfrentar os ingleses”, relata.
Antes de aportar no Brasil em definitivo, Rojas teve uma fase de mochileiro pela América Latina. Inspirado em Che Guevara, fez um caminho pelo Sul da Argentina, Chile, Bolívia, Equador, Colômbia até chegar a Nicarágua. “Sempre conhecendo a etnia regional de cada local. Conheci no Peru o cactus São Pedrito, o rapé indígena e ouvi falar de uma planta (ayahuasca) da região amazônica que era fora da minha rota. Neste trajeto conheci muito a pobreza latino-americana”, relata.
O contato com ayahuasca foi num grupo fechado que ingeria o chá no Brasil. “A primeira experiência mudou a minha vida. Nunca ouvi sobre falar do Santo Daime, ritual mais católico que nasceu na raiz da umbanda. O xamanismo é uma religião mais ecumênica”, afirma o “padrinho”.
Rojas afirma que no Instituto não existe o “meu Deus é diferente do seu”. “É o universalismo. O determinador comum é fazer o bem.”
O uso da ayahuasca é para levar a um estágio da consciência para abrir canais espirituais e materiais de autoconhecimento. “Existem outras plantas de poder. A ayahuasca é feita por um cipó e uma folha que é parente do café. Quando se juntam essas duas plantas com água e fogo, fervida durante quatro a cinco dias, vai resultar na alquimia deste chá sagrado. Só utilizamos nos trabalhos rituais de meditação e vivenciais dentro do instituto”.
Rojas rejeita o termo alucinógeno para o chá. “É enteógeno: é uma bebida que não dá alucinação, porque se fosse isso você perderia o senso de realidade. A enteogenia você não perde a realidade do que acontece e interage para abrir a sua mediunidade. Dentro do espiritismo kardecista todos nós somos médiuns em potencial. A ayahuasca facilita isso”, ressalta o “padrinho”. Na internet o site é (www.luzpazamor.com).
Frequentadores do Instituto relatam melhoria de vida
Ex-integrante de grupo de evangelização católica de Jaú, Marisa (nome fictício), 35 anos, descobriu o xamanismo num período difícil de sua vida. Chegou ao Instituto à convite de uma amiga.
Estirada em uma cadeira, segura o cachimbo “sagrado” composto de tabaco orgânico e alecrim, que também faz parte do ritual. Marisa a cada baforada relembra que cantava no coral da igreja, mas nos últimos quatros anos prefere os rituais do Instituto onde toma chá de ayahuasca.
“O xamanismo me deu uma abertura de consciência que minha vida passou a ser mais pautada em ajudar as pessoas e a corrigir os meus erros. Não sigo mais o catolicismo, vejo as coisas de forma diferente da minha antiga religião, mas ainda faço as minhas orações”, revela.
Ela toma o chá uma vez por mês. “A ayahuasca traz muita paz de espírito, muito respeito, gratidão por tudo que a gente passa na vida, até mesmo os momentos difíceis que passam a ser aprendizado para atingir uma consciência mais plena”, filosofa.
A frequentadora do xamanismo cita que a relação com a sua família mudou muito. Marisa relata que ao tomar a ayahuasca é como passar um filme de sua vida. “É como se tivesse a sensação de morrer e enxergar o lado espiritual. É possível ver o que você está fazendo de certo e errado na vida. O chá é espécie de uma ‘professora’ que te orienta. Você volta muito bem”, ressalta. A entrevistada pediu para omitir o nome verdadeiro. A decisão foi tomada após a entrevista.
O caso de Fernando Kodama é diferente. Ex-frequentador da Igreja Adventista soube da ayahuasca numa reportagem de TV sobre Santo Daime em Tocantins. “Engraçado, comecei até a orar, por achar absurdo aquele ritual devido a minha antiga crença. Meu Deus quanta alma perdida foi minha reação”, relembra.
Kodama, no entanto, se desiludiu com a Igreja Adventista e foi convidado para conhecer o xamanismo e tomar ayahuasca. “Demorei para conhecer o efeito por causa da ansiedade. Só na quarta vez que entendi. É difícil de explicar. Pode se dizer de forma simplificada que é como se tivesse tendo um sonho acordado, é um sonho que dá orientação para melhorar de vida e aprimorar o que você está fazendo errado. Entra na sua consciência”, conta Kodama.
Ele admite que a crença na Igreja Adventista caiu por terra. “Não quero criticar a antiga religião, mas a maior parte delas tem muita doutrina. Isso acaba tapando a nossa visão”.
Kodama acredita que o chá ajuda até fisicamente. “Nenhuma vez quando tomo é igual a outra. Não é o tanto que você bebe. Às vezes basta 50 ml para o trabalho ser maravilhoso”, finaliza.
Reunião só com mulheres
No Instituto Xamânico há também um ritual que só reúne as mulheres. Homem não entra nas sessões de trabalho. É chamado de sagrado feminino, também é ingerido o chá da ayahuasca. “O intuito é trabalhar a energia da mulher e se busca como tema os sentimentos e a sexualidade da mulher. Não tem muito diferença do trabalho normal”, relata Renata Rodrigues. A madrinha do Instituto, Ilza Bispo, explica que nos tempos atuais as mulheres estão muito masculinizadas por competir com o homem. “A mulher tem nela a essência criativa, a essência de gerar, de criar, de cuidar e de amar. Com os novos tempos isso vem sendo perdido. Nas reuniões de trabalho eu comentei: me vejo um homem no dia a dia, preocupada em trabalhar, pagar contas, mas temos que cuidar desse outro lado, mais feminino. O mundo precisa da energia feminina”, comentam Renata e Ilza. No ritual, a mulher toma
10 ml a menos do chá
de ayahuasca: 110 ml
na primeira dose e 80
ml na segunda, já
os homens 120 ml e 100
ml na segunda dose.
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