| Malavolta Jr. |
![]() |
| Cristiane Vieira é adepta do reiki como forma de energizar positivamente todos os seres vivos |
“É fato: todos (ou quase todos) um dia já foram em uma benzedeira. Em qualquer canto deste País, há mulheres e até homens que aplicam a prática da sabedoria ancestral com ervas, chás, banhos e benzimentos regados a muita reza e até, cantos”, diz a jornalista Carol Alencar, após se submeter a uma experiência comum a muita gente e que persiste até hoje em Bauru. Ela levou os filhos para uma das mais antigas benzedeiras de Bauru. Uma experiência muito rica e que conta em primeira pessoa na próxima página.
Segundo o dicionário, a palavra benzer vem de fazer a cruz. E é com esse símbolo que a maioria dos benzimentos têm início. Na cultura popular, corpo e espírito não se separam, tampouco desliga-se o homem do planeta terra. Para todos os males que atingem o corpo e a alma do homem sempre há uma reza para curar. É por isso que, apesar do tempo e dos avanços da medicina, a tradição dos benzedores ainda persiste na nossa moderna sociedade capitalista, porque atua diretamente nos males do espírito que se refletem no corpo.
Assim, mesmo quando se recorre à medicina, muitas são as pessoas que acreditam no poder da reza, da oração, da imposição da mão sobre a cabeça, de palavras que acalmam. Assim, existem sempre aqueles que procuram nas benzeções, ou benzeduras, uma cura para a sua doença ou um alívio para a sua dor.
Sucesso de um benzimento
O sucesso de um benzimento está ancorado em duas premissas: a primeira é na seriedade e poder de quem o executa. Quase sempre uma mulher que recebe esse dom. Se explica porque mulheres são 80% das benzedeiras e só 20% homens. É que as mulheres são mais intuitivas e mais fáceis de se conectar com a espiritualidade.
A outra premissa que garante o sucesso do benzimento é a fé popular. Benzer significa abençoar o outro com o poder da oração, eliminando toda a energia negativa e, para que isso dê certo, a fé é ingrediente essencial.
E as benzedeiras ainda persistem. Aqui você encontra as histórias de três delas que vivem nos mais tradicionais bairros bauruenses. Dona Catarina do Bela Vista, dona Mariquinha da Falcão e dona Ray do Mary Dota. E mais: tem também o depoimento da psicóloga Maria Teresa Andriollo Muzardo que explica o porquê de as benzeduras surtirem efeito, darem certo, à luz da ciência. E as “benzedeiras” modernas, que aplicam o reiki, tradicional forma de imposição das mãos como cura e captação de boas energias, ou como elas mesmas dizem, transmutação das energias negativas em positivas.
Benzedeira do Jardim Bela Vista tem 98 anos
“Felicidade é poder receber vocês”, diz benzedeira à jornalista que relata nesta página a sua experiência
*Carol Alencar
| Carol Alencar/Divulgação |
![]() |
| “Felicidade é poder receber vocês”, diz benzedeira |
“Depois de muito consultar parentes, amigos e os mais antigos da cidade, chegamos até dona Catarina. Chegamos à casa da senhorinha com aquela tensão. Geralmente, senhoras de idade são emburradas, cansadas e serionas. Também não sabíamos a idade ao certo. Uma prima de quase 15 anos havia dito que quando era ela quem ia receber a bênção, dona Catarina já estava debilitada. Pensamos que não a encontraríamos, mas nos enganamos. Chegamos e fomos recebidas pelo bisneto, que é dono da loja ao lado da casa. A casa fica numa esquina tradicional no Jardim Bela Vista, coração de Bauru.
Entramos na casa. Simples, porém cheia de verde, plantas, vasos e árvores frutíferas. Aquela cena clássica de casa de benzedeira. Ufa! Me ambientei e vi que ali realmente era o lugar certo.
‘Pode entrar’, disse uma moça. ‘Ela vai benzer aqui mesmo, sentada’.
Entramos. Ravi, meu caçula, estava dormindo - é só entrar no carro que ele dorme. Miguel, que é o meu mais velho, já corria atrás do gato. Bingo! Tem plantas, simplicidade e gatos. Amei.
Entramos na cozinha e lá estava ela, sentadinha bem no cantinho atrás da porta. 98 anos bem vividos, que já tiraram parte da audição. A moça diz: ‘Tem que gritar bem perto pra ela entender’. Digo, tudo bem.
Mas não precisei gritar, nem nada. Ela já estendeu a mão, pedindo para eu me sentar, com meu filho no colo. Começou a reza e pediu uma muda de roupa dele. Meu marido foi no carro apanhar. Ficamos ali, recebendo a reza daquela senhorinha, que vai completar 99 anos no dia 24 de agosto e estava ali, firme e forte com seu gorrinho para fugir do frio e com um pano de prato nos ombros.
Em tom baixo, ela me pergunta: eles são gêmeos? Nessa hora, fiz um não com a cabeça. Não queria gritar, né? ‘Mas qual a idade deles?’ Perguntou e se espantou quando acenei que Ravi (no meu colo) tinha 2 e Miguel (em pé) tinha 5. Ela sorriu e complementou: ‘Esse aqui (apontando pra Ravi) vai ultrapassar o irmão’.
Estava ali agradecendo a vida e a oportunidade de estar com uma curandeira de quase 100 anos. Gratidão é a palavra ao encontrar uma dessas mulheres tão fortes, serenas e que vieram com tamanha missão. Independente da religião que tenhamos, temos sempre que agradecer a força destas pessoas. Por muito tempo, em vilarejos, onde não havia atendimento médico, os moradores recorriam a essas mulheres, que tinham a sabedoria de curar também. Valia muito a pena para a época. Elas curavam com os medicamentos fornecidos pela própria natureza. Por que não usar ainda isso em tempos modernos, não é mesmo?
As benzedeiras e rezadeiras entraram em extinção. Encontrar uma nos dias de hoje é raríssimo. Dona Catarina é conhecida por todos do bairro. Alguns até se espantam quando perguntamos se conheciam a tal dona. Mas como? Ela já estava muito velhinha! Espantavam-se.
Cheguei bem próximo ao ouvido dela e perguntei, não gritando, mas falando alto, o que era felicidade para ela. A resposta: ‘Se eu sou feliz? Sim, sou muito alegre e o que me deixa mais feliz é receber vocês, atender essas crianças. Sigo com essa missão até quando Deus me permitir’.”
*Carol Alencar tem 30 anos, mora em Bauru, é jornalista, mãe de dois, curiosa e blogueira do ‘Mãe dos Petitzinhos’.
Dona Mariquinha benze gerações de bauruenses
| Malavolta Jr. |
![]() |
| Dona Mariquinha agradece pelo dom recebido todos os dias e já abençoou avós, pais e netos de uma mesma família |
É só dar uma busca rápida no Facebook e perguntar quem conhece alguma benzedeira, dessas tradicionais, à moda antiga na cidade e, em seis de cada dez indicações, aparecem o nome dela: dona Mariquinha, na Vila Falcão.
Muitas até contam que ela benzeu gerações: avós, filhos e agora netos. E é verdade, 50 anos depois de repartir o dom que recebeu de Deus, dona Mariquinha de fato benze gerações de famílias.
E lá vamos nós atrás dela. Seu local de trabalho, vamos dizer assim, porque esse não é um trabalho é uma graça que ela dá com o maior prazer, “recebi de graça e dou de graça”, fica numa das esquinas mais antigas e tradicionais da cidade. Na Vila Falcão, todo dia, depois do almoço, nos fundos, vamos encontrá-la a postos para atender quem vier.
Primeiro esclareça-se uma coisa: dona Mariquinha, fisicamente falando, não faz jus aos anos de janela. Ela já tem 85 anos de idade, mas uma jovialidade digna de, pelo menos, 30 anos a menos. Qualquer pessoa daria, no máximo, 60 anos para ela. É esperta, lúcida, alegre, conversadeira e tem uma pele ótima, com pouquíssimas rugas e agilidade de fazer inveja. “Pode ser da minha descendência, espanhola”, conta.
Dona Mariquinha também fala sobre o dom que tem desde moça. Em certa noite, seu filho chorava muito. Não havia o que consolasse o bebê. Então, de repente, ela viu uma senhora negra, no canto do quarto. A figura, baixa, com traços africanos, pediu que ela pegasse o rosário. “Eu chamo de terço, mas ela chamava de rosário”, conta. E junto com ela foi rezando. Uma só vez foi o suficiente para que dona Mariquinha jamais se esquecesse das orações que ela nunca tinha ouvido antes.
Sem medo da mulher que assim como veio, desapareceu, ficou a herança recebida. Com aquele terço dona Mariquinha sabia o que fazer: benzer seu filho e dizer as palavras especiais. Foi o suficiente para acalmar o menino. Toda vez que era necessário, ela assim o fazia. E ele crescia tranquilo.
O tempo passou e alguns anos depois uma vizinha passou pelo mesmo perrengue. “A filha dela, inexplicavelmente, não parava de chorar. Era um sofrimento. Meu marido então contou à vizinha o dom que eu tinha. Trouxeram a menina para eu benzer e deu certo. A partir daí, a notícia se espalhou e pronto: eu virei a benzedeira do bairro. Vem gente de todos os cantos”.
Para seguir o que considera seu destino, dona Mariquinha montou até uma sala de espera no seu quintal tradicional, de onde se avista uma jabuticabeira carregada e passarinhos voando e se refrescando embaixo do pé.
Com humildade, ela não aceita nem mesmo um agrado de quem vem até ela. Se a pessoa insiste ela diz: “Se você tem condições, faça uma compra e dê comida para um pobre”. Por sinal, quando lá estivemos, uma mãe, acompanhada da avó, trazia a filhinha de seis meses. No primeiro benzimento, a menininha ainda chorou, estranhou o local, agora não. Quis até pegar o terço das mãos de dona Mariquinha e ficou bem quietinha enquanto ela entoava sua reza.
Dona Mariquinha já benzeu adultos também. Mas, agora, restringiu seu atendimento a crianças. E se diz, ela mesma, a verdadeira abençoada. E parece ser mesmo.
Dona Ray e a Casinha de Maria
A mais conhecida benzedeira do bairro Mary Dota, além de ajudar com o dom que está há três gerações na família, faz também um trabalho social
| Malavolta Jr. |
![]() |
| Inspirada em Maria, com o rosário, dona Ray benze durante entrevista |
Dona Ray Francisco, 73 anos, nos recebe com os braços abertos, sorriso franco e muitas histórias para contar. A primeira delas é a de que, para mostrar seu espaço, pediu a autorização do “Divino Espírito Santo” e justifica: “A gente não precisa de propaganda, até porque todo mundo sabe que eu existo. Meus trabalhos foram passando de boca em boca”.
Mas como ela faz um trabalho social muito bonito, atendendo até moradores de rua, divulgação nunca é demais. Além do que, a fala de dona Ray é algo que tem que ser dividido com todos. Mais do que o benzimento, nos passes que dá em adultos e crianças, ela fala em amor, em dons que cada um tem que desenvolver, na necessidade de ajudar o próximo e, acima de tudo, no espírito de fraternidade.
Conversar com ela é ter uma lição de otimismo e de agradecimento ao dom da vida. “Há muito trabalho a ser feito, há muita gente precisando de uma comida e, antes de tudo, de esperança e uma palavra amiga”.
Ajuda a Carentes
Desde que o bairro Mary Dota foi inaugurado, em 1990, ela mora na mesma casa. Ladeada de plantas e animais (são pelo menos três cães e dois gatos), ela sempre está disposta a ajudar alguém. Tanto que na véspera da entrevista tinha ido a Guarantã, onde passou o dia em oração, benzendo e intercedendo por uma doente. “Como ela não tinha condições de vir até aqui, fomos até lá”.
E mais: no mesmo local, nos fundos de sua casa, mantém um grupo de orações que se reúne duas vezes por semana, pelo menos. O mote das reuniões: estudar a palavra de Deus, entender os conhecimentos divinos, dividir experiência e também colocar a mão na massa e preparar kits de ajuda para os mais pobres (que vão de fraldas a itens de alimentação a pasta de dentes). Mas o estudo e a divulgação das palavras divinas ela acha o fundamental.
“Não é porque temos o dom de benzer que achamos que sabemos tudo. A gente está aprendendo a cada dia. Aprimoramos nosso conhecimento, tudo para poder ajudar a quem realmente precisa, sem julgar ninguém. O importante é que as pessoas estejam sempre de braços abertos para todos, um não é mais, nem menos do que outro. O que importa nessa vida é o que nós fazemos, como nós vivemos, é de nossa vida que vamos ter que no dia do Juízo Final dar conta. A dos outros é com eles”, diz a minimizar quem critica ou duvida do poder de uma boa bênção, dom que ela tem e faz questão de dividir com quem precisa.
De avó para neta
Na verdade, ela aprendeu a benzer com a avó, que passou para a mãe. “Fui criada desde menina vendo minha mãe e avó mexerem com as ervas, com as rezas, com o passe na água e assim aprendi. É uma herança de família. Gosto muito também de Nossa Senhora. Maria é minha inspiração”. Não por acaso seu espaço tem o nome de “Casinha de Maria”.
Reiki, nas mãos o poder de curar
| Malavolta Jr. |
![]() |
| Soneli impõe boas energias através das mãos para melhorar o astral da cantora Cissa Gatto |
Assim como dona Ray, dona Catarina e dona Mariquinha usam as mãos para aliviar as mazelas humanas. Talvez elas não saibam, mas estão, intuitivamente, com o dom que receberam, usando uma técnica muito estudada nos dias de hoje: o reiki. Uma técnica japonesa para redução do estresse e relaxamento que promove a cura.
O reiki é transmitido através da “imposição de mãos” e baseia-se na ideia de que uma energia vital invisível flui através de nós e é o que nos faz estar vivos.
Cristiane Vieira e Soneli Gonçalves são duas bauruenses estudiosas e difusoras dessa técnica. Estão entre os inúmeros praticantes que têm até Roberto Carlos, o cantor, como um dos estudiosos do tema. Roberto, por sinal, já atingiu a graduação máxima no assunto. As duas, Cristiane e Soneli, têm em comum o fato de que receberam a missão de se conectar com o universo das energias invisíveis quando crianças, através do que os leigos chamam de “visões”.
Soneli, que também é chamada de “Menina, da Visão Fraternidade Toque de Luz”, numa referência à Fraternidade Toque de Luz, Espaço de Abertura de Consciência, Harmonia e Cura, que divide com o marido, também terapeuta, e faz os atendimentos a quem precisa.
O espaço de atendimento fica na Vila Independência. Fomos encontrá-la atendendo a Elaine Cecília Gatto, ou simplesmente a cantora Cissa Gatto, que quando está tensa, ou um pouco sem energia, vai em busca desse socorro. E garante que sai aliviada.
Da mesma forma, Cristiane Vieira, que adora atender crianças. As amigas, sabendo que ela tem esse dom, levam os filhos para ela. Foi assim que Cristiane desenvolveu o dom. Ainda semana passada, em uma festa, uma amiga pediu para ela benzer o filho de 4 anos, que andava meio amuado. Deu certo.
O menino voltou a ser o mesmo corisco de sempre. “Não que a gente não defenda que vá ao médico, nada disso”, alerta Cristiane. “Uma coisa é uma coisa e não se pode abrir mão da ciência, dos estudos científicos. Mas os espirituais também correm lado a lado. Acho que os dois se complementam”, sentencia e, por isso, ela mesma é uma estudiosa do assunto. Quer desenvolver ainda mais o dom que recebeu ainda menina, frequentando a doutrina espírita. E divide um espaço de atendimento com uma amiga enquanto ainda não tem o seu.
Energias puras
Já Soneli, ainda hoje, é chamada de curadora, sensitiva e espiritualista, mas é mesmo terapeuta holística e mestre em reiki com formação em vários métodos de curas energéticas. “O reiki abriu meu mundo, me fez ver que existiam muitas formas de sintonizar energias divinas, cósmicas, sutis. Para mim, a técnica se tornou uma parceira da minha caminhada porque multiplicou as energias que eu sentia em minhas mãos. Eu apenas sabia que sintonizava ‘energias puras’, que vinham de uma fonte inesgotável de puro amor, sabedoria e compaixão”. Falando em compaixão é bom frisar que todas as segundas-feiras o espaço onde trabalha têm sessões gratuitas e várias outras pessoas dividem o local.
“As curas energéticas (ou os benzimentos, tema deste caderno especial) sempre existiram, seja no Oriente ou no Ocidente”, enfatiza Soneli. Em todos os cantos do mundo, a energização através das mãos se aliaram às massagens terapêuticas, aos tratamentos naturalistas e são complementares aos tratamentos ortodoxos. “Chegará o tempo em que tudo será reconhecido, respeitado e melhor divulgado, eu creio”. Fazendo eco às palavras dela, diz Cristiane: “O que importa é espalhar o bem”.
De onde vem esse dom?
| Malavolta Jr. |
![]() |
| Psicóloga Maria Teresa Andriollo Muzardo |
A psicóloga Maria Teresa Andriollo Muzardo lembra que, desde os tempos mais remotos da civilização, a espiritualidade está presente na vida dos seres humanos e que, muito antigamente, ciência e fé eram vistas separadamente. “Hoje em dia os terapeutas da abordagem sistêmica sugerem o cultivo da espiritualidade e da fé, a aceitação de crenças populares, como um fato de resiliência”, conta ela.
Resiliência é a capacidade que a pessoa tem de, após um fato que abala sua vida, continuar em equilíbrio. É ter a capacidade de enfrentar crises, traumas, perdas, graves adversidades, transformações, rupturas, desafios e retornar ao estado normal, ou o mais próximo possível da normalidade. Ela lembra que, de um modo geral, entre os psicólogos, não existe uma unificação de posicionamentos quanto à aceitação e validação dos benzimentos. “Não é algo mensurável e estudado cientificamente”, justifica.
Comprovação em Monografia
O ser humano possui essa necessidade intrínseca de acreditar, ter fé. De ser imanente e transcendente. De elevar-se num plano superior, atraído para o alto, e vivenciar experiências, com possibilidades infinitas. A predisposição da pessoa que recebe o benzimento pode fazê-la sentir-se melhor. “Eu tive a oportunidade de comprovar, através de pesquisas, a cura através do tripé fidelidade às prescrições médicas - fé - esperança de cura.” Essa comprovação resultou em uma monografia, desenvolvida por ela junto à Unesp com o título “Mulheres Sobreviventes ao Câncer de Mama”, em 2009, no curso de psicologia.





