Tribuna do Leitor

'A nostalgia e o reacionarismo'

Antonio Carlos Azevedo dos Santos
| Tempo de leitura: 4 min

Para o historiador americano Mark Lilla, da Universidade Columbia, o mundo, em choque psicológico diante da voracidade das mudanças tecnológicas e sociais, vive uma onda reacionária que quer a volta a um éden passado e fictício, a nostalgia, o apego a um passado grandioso. Segundo o historiador, o mundo deu uma guinada, e isso foi a resposta de uma população que já não se sente representada pelos partidos políticos tradicionais, tampouco pelos seus principais líderes. Na Europa, os partidos são herança das lutas pelo legado da Revolução Francesa. Socialistas e comunistas representavam a classe trabalhadora, enquanto os conservadores representavam a Igreja e a antiga aristocracia. A nova divisão se dá entre aqueles que vivem no conforto e se  beneficiam da globalização e os que carecem de conforto ou não se beneficiam da globalização.


Não há partidos que representam claramente as duas categorias, daí a sensação generalizada de deslocamento, de desarranjo, que acabou resultando em movimentos essencialmente antipolíticos. Esses movimentos são todos animados por um impulso fundamentalmente reacionário, que é a nostalgia. “Vamos fazer X grande de novo” é o slogan demagógico do nosso tempo.


Os principais exemplos desse reacionarismo são o islamismo político, que é hoje o movimento reacionário mais importante do mundo. Porém, existem vários outros, como por exemplo a Turquia apelar para um grande passado do Império Turco-Otomano. Na Índia, um nacionalismo que exalta uma civilização indiana que existia antes da chegada dos muçulmanos ao país. Esse movimento não é muito diferente dos caminhos seguidos pelos partidos da direita europeia, como a Frente nacional na França, liderada por Marine Le Pen.

Os líderes desses movimentos reacionários conseguem oferecer uma imagem precisa do local para onde querem voltar. Como exemplo, Donald Trump eleito recentemente presidente americano. Ele lembra um projetor de cinema com o qual cada espectador pode projetar na tela sua própria fantasia do passado. Trump conseguiu atrair trabalhadores que perderam emprego, patriotas que sentem que os Estado Unidos perderam preponderância no mundo e até eleitores religiosos que sentem a perda de valores familiares, mesmo ele não sendo representante da família tradicional, ou alguém que possui um trabalho comum, com o qual o trabalhador pode identificar-se. Trump opera um pouco como se fosse um profeta.


A onda reacionária ganhou força porque em qualquer canto do mundo, inclusive no Brasil, estamos vivendo um choque psicológico em razão das mudanças na tecnologia, na economia e na sociedade, mudanças que lembram uma revolução permanente. Observe a rapidez com que a homossexualidade se tornou um comportamento natural nas sociedades ocidentais e mesmo além delas. Era impossível imaginar há trinta anos que o casamento gay seria uma realidade. O papel que a mídia social assumiu na nossa vida é outro exemplo, ao ver pessoas segurando smartphones o tempo todo e por meio desses celulares o mundo sendo apresentado e atualizado a cada minuto.


Por essa razão, as ideias reacionárias atraem adeptos de todo o mundo, toda grande transformação social que certos grupos defendem deixa para trás um éden que serve como objetivo nostálgico para os outros.


De forma alguma, os reacionários são necessariamente de direita. Desde o colapso da União Soviética e o fim das esperanças revolucionárias, a esquerda trocou sua retórica da esperança no futuro pela retórica da nostalgia das grandes greves, das revoltas e dos levantes do passado. É a isso que se prendem os movimentos da esquerda nostálgica de hoje.


Grupos como os ecologistas, os movimentos antiglobalização e o novíssimo degrowth, que defende um crescimento menor para criar uma economia mais sustentável e sem exaurir os recursos naturais, são os principais representantes da nova esquerda nostálgica, que é, numa palavra, reacionária.


Nenhum dos novos partidos de esquerda antiglobalização na Europa conseguiu apresentar um programa remotamente plausível para o futuro do seu país. É preciso entender que a esquerda vive uma crise de identidade muito mais profunda do que imagina. Não é apenas por falta de candidatos ou líderes que cativem o eleitorado. Não há mais um quadro teórico geral para a esquerda tal como o marxismo já forneceu. Na falta disso, a esquerda não consegue se adaptar ao mundo que vivemos hoje, baseado na economia de mercado e na democracia liberal. As experiências, como a União Soviética, no passado,  a Venezuela, ou o Brasil com Lula, Dilma e seus seguidores, recentemente, terminaram em desastre completo. E assim a esquerda de hoje se concentra em seu passado e, em especial, em suas nobres derrotas.

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