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Nota de pesar - travesti Mirela

Ana Carolina Borges, Leandro Douglas Lopes e Marcos Antonio de Souza
| Tempo de leitura: 2 min

A morte quase sempre é sofrível, porém a morte não natural, premeditada e executada (ou tentada) por outrem é terrível, socialmente reprovável e juridicamente punível. Um homicídio não apenas subtrai o direito à vida de uma pessoa, mas afronta os princípios éticos e morais, em inequívoca ofensa aos Direitos Humanos, de titularidade de todas as pessoas.


Aos 15 de setembro de 2016, aproximadamente 3h40, em Bauru, no Parque Santa Edwirges, quadra 8 da alameda Copérnico, a travesti Mirela foi resgatada pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e encaminhada ao Pronto Socorro Central (PSC), em estado grave.


Mirela foi brutalmente espancada, ao ponto de entrar em coma. Sofreu edema cerebral e seguidas hemorragias, pois o assassino lhe desfigurou a face com uma barra de ferro, ocasionado fratura maxilar e perda de dentes, entre tantas outras lesões.


A princípio, Mirela não foi identificada. Nossa preocupação mais imediata foi insistir pela remoção à UTI, porquanto o médico do PS alertou que os cuidados realizados na Urgência/Emergência poderiam ser insuficientes. Somente tomografias e ressonâncias poderiam mensurar a quantidade e extensão das lesões para indicar condutas adequadas. Dias e meses se passaram e Mirela, diferentemente do prognóstico inicial, resistia, inclusive suportou as cirurgias e recuperou a consciência.

Ante as melhoras consideráveis, cogitou-se fechar a traqueostomia e transferência à clínica médica. Infelizmente, acometida de uma infecção e complicações, após tanto lutar pela vida, Mirela faleceu aos 06 de janeiro de 2017. Foi com imensa tristeza que recebemos a notícia do óbito.


De acordo com pesquisa da organização ‘Transgender Europe’ (TGEU), divulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado, o Brasil é o país onde mais se mata travestis e transexuais no mundo. A homofobia, também denominada transfobia quando diretiva às pessoas transgêneras, é um crime motivado por ódio, a exemplo do racismo.


Para o movimento LGBT, a criminalização da homofobia é imprescindível para que haja redução das estáticas crescentes e alarmantes. Contudo, somente educação e cultura poderão promover a promessa insculpida na Constituição Federal, da construção de uma sociedade livre de preconceitos, de discriminação e de segregação social.


Nutrimos expectativas de que a Mirela vivesse – primeiramente pela sua própria vida,  mas também para que seu depoimento à polícia clareasse as circunstâncias em que o crime sucedeu, confirmando nossa fundada suspeita de crime de ódio, além de possibilitar a identificação do assassino.


Pela atenção para conosco e cuidados dedicados à Mirela, agradecemos aos profissionais do PS Central e Hospital de Base. Igualmente, agradecemos a receptividade que tivemos na Central de Polícia Judiciária e Polícia Militar. Avante nas investigações, a nossa esperança de justiça.


Esta nota de pesar não encerra um ciclo... Seguimos lutando, pela vida e dignidade de tantas outras Mirelas!

Os autores Ana Carolina Borges é presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-Bauru; Leandro Douglas Lopes é presidente do Conselho de Atenção à Diversidade Sexual e vice-presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB Bauru; e Marcos Antonio de Souza é vereador

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