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Arte da restauração: igreja de Iacanga recupera imagens

Aurélio Alonso
| Tempo de leitura: 8 min

Aurélio Alonso
Artista plástico Marcelino Castro Pestillo mostra a pintura que foi recuperada localizada no teto do altar-mor da igreja São João Batista da cidade de Iacanga

É um trabalho meticuloso feito lentamente que vem desde agosto do ano passado executado pelo artista plástico Marcelino Castro Pestillo. A missão dele é devolver as imagens como foram pintadas há 80 anos no altar da igreja São João Batista de Iacanga. Com a espátula e o pincel se revezando na mão, algumas vezes deitado em posição desconfortável no andaime junto ao teto, Marcelino tem que refazer o contorno de linhas já apagadas e recuperar os desenhos. O padre Romildo Alceu da Silva decidiu recuperar as pinturas bíblicas do altar da igreja que estavam deterioradas pelo tempo. O artista plástico de Bauru de 66 anos foi contratado. Num período de mais quatro meses ele deve permanecer na igreja, que se encontra fechada para a reforma.

"É uma recomposição e não se trata de restauração", explica Marcelino. A pintura na igreja foi feita por um italiano. O nome do artista plástico se perdeu no tempo. O padre Romildo descobriu que teria sido o sobrinho do último pároco César Corneo, falecido em 2000. Ornada por arabescos, com fundo vermelho cardinal, salta aos olhos a figura de Jesus Cristo na cruz, atrás a de Deus e a pomba que representa o Espírito Santo.

As imagens que estão sendo recuperadas integram o presbitério, o espaço que num templo católico precede o altar-mor. Estava, até ao Concílio Vaticano II, reservado ao clero e pode ficar separado da nave central por grades, escadas ou varandim.

A igreja não é tombada pelo patrimônio histórico, mas a preocupação em manter a característica original vem sendo perseguida por Marcelino. Embora não seja especialista no assunto, os anos e anos nas artes plásticas faz com que Marcelino seja metódico. "Não gosto que me pressione. O meu ritmo é diferente. Tem que ter paciência nesse trabalho de recomposição", emenda o artista plástico, que ainda tem mais de 30 dias para terminar a segunda parede.

Toda essa história de recuperar a pintura da igreja teve o interesse do padre Romildo. "O templo religioso tem que ter imagens. Isso ajuda na meditação", conta o religioso. Ele já tinha participando da recuperação da Igreja Santa Teresinha de Bauru, onde esteve durante um período antes de ser transferido para Iacanga. Lá não pôde fazer todas as mudanças, porque tinha uma parte tombada. Quando surgiu a ideia de recuperar a pintura da igreja São João Batista, padre Romildo procurou Felipe Pauletti Pardo, que trabalha no ramo de tinta. Inicialmente não havia um especialista para fazer o trabalho mais difícil: a recomposição das pinturas.

Padre Romildo procurou por meio da igreja católica alguém em São Paulo e até em outro Estado para fazer o trabalho em Iacanga. "Já estava desistindo, quando surgiu a indicação do Marcelino Pestillo, que trabalha com caligrafia e artes plásticas. Ele aceitou a missão e vem trabalhando desde o ano passado".

'Sempre estive ligado com a igreja'

Humilde, o artista plástico Marcelino Castro Pestillo se considera um autodidata. Até antes de fazer a restauração das pinturas da igreja São João Batista de Iacanga desempenha atividades de caligrafia na elaboração de convites. Já tinha trabalhado em recuperação de imagens de santos, mas esse é o primeiro trabalho que ele define como "recomposição" das pinturas bíblicas do altar-mor.  

Estar frente a frente todos os dias com figuras de santos não é algo estranho a Marcelino. "Estudei seis anos no seminário, mas depois desisti de ser padre", conta o artista plástico que mantém um blog com seus quadros e de divulgação de serviços de caligrafia e faz trabalhos de pintura em porcelana.

Desde setembro do ano passado, a sua rotina de trabalho mudou. Praticamente a semana inteira, incluindo os sábados, Marcelino está em cima de andaime na recuperação das imagens do teto do altar da igreja. Nas últimas semanas, ele decidiu guardar o sábado e o domingo, mas o ritmo já foi intenso sem descanso semanal.

A reforma incluiu também trocar o telhado da igreja. A Pastoral de Construção e Reforma avaliou que se não acabasse com as goteiras de nada serviria a recuperação de todas as pinturas. Em pouco tempo, tudo estaria perdido.

A infiltração de água deteriorou as imagens do teto e duas paredes laterais, onde está o presbitério, o espaço que precede o altar-mor.

"Quando comecei dava para notar na parede que a tinta estava desprendendo da parede. Calculo que 90% já tinha perdido. Com uso de espátula e uma canetinha, vai se removendo cada pedaço e recuperando os traços. O difícil é conseguir fazer a tinta na mesma tonalidade da antiga", descreve Marcelino.

Há desafios enfrentados em trecho que se perdeu 100% da tinta. "Aí tivemos que recorrer a fotos antigas para recompor os traços", explica o artista plástico.

Mas essa não é a primeira recuperação que está sendo feita na igreja. Há cerca de 30 anos houve um trabalho parcial, mas teria sido usado tinta a óleo e material desconhecido. "Não tiveram o cuidado de preservar muito, pelo uso da tinta a óleo", relatou.

Os dados são imprecisos da autoria dos diversos desenhos na parede da igreja São João Batista. O padre Romildo Alceu da Silva alega que teria sido um sobrinho italiano do antigo padre da paróquia o autor das imagens. O nome ninguém soube precisar. Também se calcula cerca de 80 anos.

Parede com evangelistas já está recuperada

Na parte direita do altar-mor a primeira parede recuperada é onde estão as figuras dos evangelistas Marcos e Mateus e no outro lado tem as figuras apagadas de João e Lucas que ainda depende da segunda etapa para ser recuperada.

Em volta da imensa parede estão os arabescos e figuras de um santo e um leão. "Conforme passava a espátula ia traçando em cima para preservar os contornos. A cada pedaço que a gente descascava e que havia desprendimento a tinta, tinha que passar uma canetinha, depois no processo de aplicar a massa para nivelar a parede, tinha que trabalhar novamente para não perder o traço. Foi muito trabalhoso", relata.

De acordo com Marcelino, a imagem foi feita de têmpera, uma técnica de pintura na qual os pigmentos ou os corantes podem ser misturados com um aglutinante. "Sempre preocupamos em preservar a parte visual", contou. 

O teto onde tem a Santíssima Trindade é feito de estuque, uma argamassa feita de pó de mármore, cal fina, gesso e areia, e com a qual se cobrem paredes, tetos e que se fazem ornamentos. "Esse material não é tão pesado. Estava totalmente deteriorado. Conseguimos restaurar tudo", conta Marcelino. Foi também o mais difícil, porque o artista plástico teve que ficar em uma posição desconfortável deitado no andaime perto do teto para fazer os contornos.

Padre é incentivador da recuperação

Aurélio Alonso

Teto que também será restaurado nos fundos do altar-mor da Igreja São João Batista, onde está imagem de Jesus Cristo na cruz

Postado embaixo da imagem da Santíssima Trindade já recuperada, o padre Romildo Alceu da Silva é o maior incentivador da recuperação das imagens bíblicas da igreja São João Batista de Iacanga. No momento o templo está fechado para que a reforma seja feita com mais tranquilidade pelo artista plástico Marcelino Pestillo. As missas, por enquanto, são celebradas no salão paroquial ao lado do templo.

"O fato de acrescentarmos mais pinturas com aquelas que estavam feias e as já recuperadas é para que o fiel ao entrar na igreja comece a olhar e fazer uma meditação. Se você entra numa igreja e não tem nada para fazer meditação, acaba passando a impressão de como se estivesse entrando em um barracão", conta o Romildo, que completou sete anos como pároco da igreja no último dia 14 de janeiro deste ano.

Ele chama atenção que os tipos de imagens existentes na igreja de Iacanga não são comuns em todos templos de igreja brasileira. "São comuns na igreja central de Roma", cita.

Antes da restauração das imagens, a igreja passou por reforma completa com ampliações e novo salão paroquial.

Para chegar até o artista plástico, responsável pela restauração, padre Romildo tentou inicialmente via Igreja Católica um especialista na capital. De lá teve indicação de alguém no Mato Grosso.

Não deu certo. Romildo procurou Felipe Pauletti Pardo, ligado a uma empresa que fornece tinta de Bauru, que tinha auxiliado ele quando foi feita a pintura da Igreja Santa Teresinha.  "Foi difícil, porque quase desisti, mas foi quando surgiu a indicação do Marcelino que acabou dando certo", conta.

Após terminar a recomposição das imagens, o padre quer fazer uma nova pintura na parede de entrada perto da porta central com as imagens dos anjos Gabriel, Miguel e Rafael e quem ficará responsável será o artista plástico que trabalha na recuperação.

Reforma do teto

O encarregado da Pastoral da Construção e Reforma da Igreja São João Batista de Iacanga, Claudevair Ernesto Fanti, explica que foi necessário uma reforma de todo o teto da igreja, inclusive com troca do forro e de calhas.

Próximo ao altar-mor havia infiltrações que prejudicaram as pinturas. Por isso não adiantaria repintar as paredes, porque em pouco tempo tudo estaria prejudicado novamente. Fanti cita que teve que fazer um trabalho preventivo com estrutura metálica e telhas de zinco. Mas já havia trocado reboque, bancos e pintura. A reforma é feita com doações e ajuda da comunidade. 

 

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