Regional

Todo dia é dia de índio

Aurélio Alonso
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Aurélio Alonso
Oca sendo coberta com sapé em frente à Escola Estadual Akoyene Kino'Oki Ya na Kopenoti  

"Como diz a Xuxa, dia do índio é todo dia". Com essa frase o ex-vereador e indígena Mario Terena contrapõe o 19 de abril, a data que comemora o Dia do Índio no Brasil. A rigor, a tal frase remete à música "Todo Dia Era de Índio" gravada por Baby do Brasil. Nesta semana vai se comemorar uma data que nos remete aos povos indígenas, os primeiros habitantes do país. A Terra Indígena de Araribá no município de Avaí (39 quilômetros de Bauru) é uma reserva formada por quatro aldeias com 107 anos de existência. O aldeamento, criado no início do século passado, teve participação até de Marechal Rondon. Hoje é uma comunidade bem organizada.

O antropólogo Márcio Oliveira de Castro Coelho, autor de um estudo de pós-graduação apresentado na Universidade Federal de São Carlos sobre a formação da reserva com integração das etnias terena e guarani, afirma que o desafio, a longo prazo, é aumentar o território de 1.920 hectares. A Terra de Araribá cresceu seis vezes o número de indígenas, essa taxa demográfico supera o atual índice da população brasileira.

Já existe um pedido na Fundação Nacional do Índio (Funai) para aumentar a área. "As estatísticas já indicam esse crescimento de indígena no país inteiro, enquanto os não-índios ocorre o contrário. Isso é bom porque não vai extinguir as diversas etnias", explica o antropólogo.

Atualmente, a população de Araribá é de 616 indígenas distribuídos nas quatro aldeias: Kopenoti, Ekeruá, Numuendajú e Tereguá, conforme número da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Siasi/Sesai), mas pode estar subavaliado. Conforme o estudo de Márcio Coelho, o crescimento populacional acabou levando a uma divisão interna na reserva, a partir de cisões ocorridas nas aldeias Kopenoti e Numendajú. Em 1985, houve um deslocamento dos guaranis das margens do Rio Batalha para um local próximo da rodovia vicinal que liga a Bauru-Marília ao município de Avaí.

A transferência foi feita pela administração da Funai de Bauru para dar um melhor atendimento a esses índios. Com essa transferência surgiu a aldeia Nimuendajú, onde foi instalado o Posto Indígena Nimuendajú para atender as famílias guaranis, já as famílias Terenas passaram a ser assistidas pelo Posto Indígena Kopenoti. De acordo com o estudo de Mario Coelho, a partir de 2002 as divisões acabaram resultando na formação de outras duas aldeias: Ekeruá e Tereguá.

Os indígenas enfrentam o esvaziamento da Funai e os constantes cortes de recursos. O cacique Jazone de Camilo, de 80 anos, da aldeia de Ekeruá, não esconde essa preocupação. Até mesmo o pequeno município de Avaí, onde fica a reserva, a atual administração enfrenta dificuldades financeiras o que repercute na dificuldade de dar assistência aos moradores indígenas.

Mas a grande aposta é na produção de mandioca que, neste ano, não foi tão bem como no período 2012/2013, quando a área plantada triplicou. Fora a atividade agrícola, a comunidade busca intercâmbio e a divulgação de suas danças e do seu artesanato.

Reserva foi criada no século passado

Marechal Rondon incentivou trazer os terenas do Mato Grosso para a região de Bauru na Terra Indígena de Araribá para residir junto com os guaranis

Aurélio Alonso
Placas indicam as aldeias Ekeruá e Kopenoti na Terra Indígena de Araribá, no município de Avaí

Os índios guaranis estavam dispersos na região por uma migração devido a motivos religiosos de busca da terra sem mal que, na crença deles, estaria a leste, no litoral. Eles viam do Paraguai para o território brasileiro e quando chegavam ao oceano voltavam pelo mesmo caminho por não conseguirem chegar ao que seria o paraíso indígena.

Na região de Bauru havia vários grupos de guaranis sem área definida e já viviam nas imediações do córrego Araribá, desde o século passado. O alemão Curt Nimuendajú que trabalhou no Serviço de Proteção ao Índio (antiga Funai) participou de um movimento junto ao então presidente do Estado de São Paulo, Rodrigues Alves, para destinar a gleba de Araribá para uma reserva indígena, relata a tese de pós-graduação de Márcio Oliveira de Castro Coelho.

A área devoluta pela Lei de Terras teve como finalidade destinar  ao serviço de colonização e aldeamento de indígenas. Isso ocorreu no início do período do governo republicano quando as esferas administrativas estavam se ajustando.

O governo do Estado de São Paulo inicia a demarcação da Reserva Indígena de Araribá, situada nas cercanias do então distrito de Jacutinga (Avaí), que seria cedida ao Serviço de Proteção aos Índios (SPI) para ser ocupada para povoação indígena.

O antropólogo Márcio Coelho explica que na Constituição de 1850 consta um artigo que permitia ao governo vender, por leilão, as chamadas terras devolutas, desocupadas, que não possuíam título de propriedade, mas que acabaram incorporadas as terras dos índios.

O Decreto Nº 2.371-F reservou as terras do vale do córrego Araribá para aldear os guaranis que estavam dispersos nessa região. Esse grupo indígena já habitava essa região e suas terras não poderiam ter sido consideradas devolutas ou de aldeamento extintos. Segundo Márcio, o decreto se reporta à localização dos índios, sem especificar que etnias existiriam à época na região do vale do córrego do Araribá. Os indígena foram agrupados perto do Rio Batalha.

Em 1919, a gripe espanhola matou muitos índios e quase exterminou o grupo. O SPI junto com o Marechal Rondon tiveram a ideia de trazer os terenas para aumentar a população para não perder a área, cobiçada por grileiros de terra. Havia muitos interessados em ficar com a área, porque pelo decreto se não servisse mais para aldeamento as terras retornariam para o governo que poderia dar outra destinação.

Os terenas chegaram à região a partir de 1932 trazidos para dedicarem-se ao plantio e colheita de café, atividades em que os guaranis não haviam mostrado aptidão ou interesse.

O antropólogo explica que essa migração, motivada pelo próprio órgão indigenista da época, valeu-se de sua compreensão de uma característica terena, que é possuir uma "abertura para a exterioridade", pensada na estratégia para se atingir outras populações indígenas refratárias aos objetivos de integração do órgão indigenista.

Daí surge o termo Tereguá que é a designação dessa "mistura" entre as etnias terena e guarani. Atualmente na reserva é composta de quatro aldeias. A Tereguá foi a última criada, no final de 2001, a partir de uma cisão ocorrida na aldeia Nimuendajú.

Demarcação

A demarcação da reserva ocorreu em 1910, quando teve o nome de Posto Indígena Araribá, como unidade administrativa do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) que perdurou até 1945. Depois recebeu o nome de Posto Indígena Curt Numuendajú que perdurou até 1960.

Já entre 1960 e 1969 o Posto Indígena recebeu o nome de Capitão Iacri, mas volta a ser denominado Posto Indígena Araribá a partir de 1969 e continua até hoje.

Indígenas apostam no plantio de mandioca

Fotos: Aurélio Alonso
Jazone Camilo há 30 anos é o cacique da aldeia de Ekeruá 
Mario Terena foi o primeiro vereador indígena eleito no Estado  

Os índios terenas sempre foram os que se deram bem com a agricultura. A vinda deles para povoar a aldeia de Araribá no início do século passado ocorreu devido aos seus conhecimentos agrícolas.

Atualmente o Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável-Microbacias II vem se desenvolvendo na aldeia Ekeruá em Araribá. Neste ano, uma geada atrapalhou a produção, conta o cacique Jazone de Camilo, mas haverá um rodízio com o plantio de batata doce.

Para os indígenas, o plantio de mandioca veio em boa hora, por garantir a permanência na aldeia das famílias que trabalhavam como bóias-frias nas plantações de cana-de-açúcar e laranjas em fazendas da região, bem como para eliminar a intermediação na comercialização da mandioca. O projeto teve início em julho de 2012.

Sentado na área de sua casa na aldeia Ekeruá ao lado do ex-vereador e funcionário da Funai Mario Terena e do filho Mauricio, o cacique conta ao JC que a comunidade aposta muito no plantio de mandioca mesmo com as dificuldades que vem encontrando. "Depende do tempo e de São Pedro", emenda o líder indígena.

Na safra 2012/2013 os números foram expressivos. O projeto é uma parceria entre a Secretaria de Agricultura com auxílio da Coordenadoria de Assistência Técnica (Cati) e a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Naquele ano, foram comercializadas 200 toneladas de mandioca.

Museu em casarão

A casa  de madeira da antiga sede do Posto Indígena Araribá na Aldeia Kopenoti é um dos símbolos da evolução da antiga estrutura do Serviço de Proteção do Índio (SPI) que chegou a Avaí no começo do século passado. Nesse local, o cacique Chicão Terena conta que tem planos de instalar uma espécie de Museu do Índio.

Atualmente, uma das salas tem as paredes decoradas de fotos de indígenas feitas por um grupo de fotógrafos de Bauru, que visitou a aldeia e depois doou o material. Também há artesanato. O casarão pertence à Fundação Nacional do Índio (Funai) e está localizado em frente de uma escola estadual na Aldeia Kopenoti, mas precisa de uma reforma e revitalização.

Fotos:  Divulgação
Casarão abrigou a primeira sede do Posto Indígena de Araribá

Aumento de área é sonho de indígenas

Cacique Chicão Terena, da Aldeia Kopenoti de Avaí, conta que no futuro será necessário ampliar a reserva, porque vem crescendo a população

Aurélio Alonso
Cacique Chicão Terena é o primeiro cacique formado em geografia no Estado de São Paulo e líder da Aldeia Kopenoti em Araribá
Prefeitura de Avaí/Divulgação
Apresentação dos indígenas de Araribá na quinta-feira em evento realizado na cidade de Avaí

A agenda do cacique Edenilson Sebastião, o Chicão Terena, da Aldeia Kopenoti de Avaí, é movimentada. Para conversar com ele, o contato mais fácil foi pelo WhatsApp, sim o celular é o aparelho muito utilizado. Durante uma palestra no Núcleo de Educação de Bauru, ele contou aos professores que muitas pessoas ficam admiradas pelo fato de um indígena usar o celular. Depois ele explica que adota a tecnologia para falar com uma parente no Mato Grosso do Sul, só que na conversação no dialeto indígena. Em linhas gerais, a tecnologia chegou para todos e mesmo incorporada, a tradição é mantida: a língua materna não deixa de ser preservada e o celular é só o instrumento.

Na conversa com professores, ele ostenta um cocar, numa fala muito fluente. Chicão Terena é o primeiro cacique formado em geografia do Estado de São Paulo. Ele é casado com a índia terena Danieli Lulu formada em nutrição e professora da escola estadual instalada na aldeia Kopenoti.

A semana foi marcada também pela organização de um grande evento realizado quinta-feira em Avaí com a participação das quatro aldeias. Mas ainda há uma festa em Araribá no dia 19 de abril, quando é comemorado o Dia do Índio, e nesse corre-corre Chicão Terena contou ao JC que a população indígena vem aumentando nos últimos anos e será necessário discutir no futuro o aumento da área de Araribá. A seguir os principais trechos da entrevista: 

JC - Quais são os desafios na reserva de Araribá nesses novos tempos?

Chicão Terena - O desafio na reserva é enfrentar toda essa tecnologia que já chegou à aldeia. Existe uma demanda grande na agricultura. Na nossa área reside cerca de  130 famílias. São dois povos indígenas: os terenas e guaranis. Basicamente o povo de Araribá vive da agricultura que, além de servir para a subsistência da comunidade, tem conseguido um excedente da produção de mandioca e batata doce para ser comercializado, mas encontramos dificuldades não temos a posse legal da terra. Isso dificulta conseguir linhas de financiamento. Só conseguimos o chamado Pronaf B (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), cujo recurso não é de custeio. Quando iniciamos uma grande escala de produção não conseguimos acompanhar. A dificuldade é fazer com que a comunidade possa produzir de forma sustentável e comercializar o excedente.

JC - A área de Araribá já é demarcada, mas ainda há entraves legais?

Chicão Terena - Temos 1.920 hectares já demarcados, mas essa área está ficando pequena. Temos cerca de 700 índios, porém 30% dessa área é de proteção ambiental, que nós preservarmos. Por isso precisamos ampliar essa área, embora isso provoque muita polêmica. O governo não tem mais feito demarcações de áreas indígenas.

JC - Há outras áreas?

Chicão Terena - Já existe um estudo antropológico de que há necessidade dessa ampliação da área. Há áreas próximas que não têm documentação (consideradas devolutas) que estão sob controle de alguns fazendeiros.

JC - Há um trabalho educativo de levar às escolas a cultura indígena da região. Existe dificuldade, as pessoas ainda têm uma visão distorcida do indígena?

Chico Terena - Há um trabalho junto com os líderes de nossas aldeias e com as escolas indígenas de fazer intercâmbio cultural para trazer crianças da cidade para visitar a aldeia e também de levar os indígenas às escolas públicas e particulares para os de fora conhecerem a cultura. É muito importante quando você vai a uma aldeia conhecer o povo e ver como ele se organiza. Isso quebra o preconceito de não ter esse diálogo, embora existe um material didático muito defasado sendo passado às crianças. Os povos indígenas são mais 300 povos cada um com seus costumes, hábitos e mantendo a cultura vivia mesmo com toda a interferência externa que ocorre dentro de uma aldeia.

JC - O indígena sofre muito preconceito?

Chicão Terena - Acredito que o preconceito ocorre por não conhecer a cultura indígena. A partir do momento que você conhece um povo indígena ou não indígena, a pessoa começa até a admirar. Não precisa ter dó do índio, mas precisa ter respeito da cultura. Às vezes a criança na escola por não conhecer determinado povo, ela acaba desrespeitando a cultura dos povos indígenas.

JC - Nos últimos anos os povos indígenas estão mais organizados. Tenho notado que tem sido organizado mais eventos culturais nas aldeias. Isso é importante?

Chicão Terena - Acredito que é importante, porque acaba sendo uma fonte de renda. Além do conhecimento que as pessoas adquirem também a gente trabalha com artesanato. Há bastante famílias na aldeia que vivem dessa atividade. A gente também poderia explorar a alimentação feita na aldeia, a farinha e o biju. São muitos produtos que podem ser oferecidos. É muito legal as pessoas da cidade adquirirem os artefatos indígenas dos terenas, guaranis e de outros povos. Nós indígenas somos a história viva do país e dá orgulho a nós quando somos visitados e mostramos a nossa cultura.

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