Segundando

Ópera-bufa

João Jabbour
| Tempo de leitura: 3 min

Ópera-bufa é o termo usado para descrever a versão italiana da ópera cômica. Segundo a Wikipédia, a ópera-buffa (em italiano, com dois 'f') se distingue da ópera séria pelo seu tema, pelo tipo das vozes e pela forma das árias. Enquanto a ópera séria trata com grande formalismo os temas míticos, heroicos ou da realeza, com vozes majoritariamente agudas, mesmo para papéis masculinos, com raros baixos ou barítonos, a ópera-bufa enfoca assuntos prosaicos, em tramas engenhosas, vivazes e humorísticas. As vozes não tendem a ser "belas", mas sim inusitadas, evocativas, ágeis e ricas em nuanças de expressão.

Se os compositores clássicos fossem fazer uma ópera do Brasil, ela seria séria ou bufa?

Bufa, claro, e desconfio que criariam uma derivação chamada 'ópera do ridículo', ou batizariam do 'absurdo', como há o teatro do absurdo, expressão cunhada pelo crítico inglês Martin Esslin, no fim da década de 1950, para descrever peças surgidas no pós-Segunda Guerra Mundial, que tratam da atmosfera de desolação, solidão e incomunicabilidade do homem moderno por meio de alguns traços estilísticos e temas que divergem em si.

O mais recente ato da ópera-bufa nacional ou do teatro brasileiro do absurdo ocorreu na última semana no TSE e em seu entorno. Não apenas pelo resultado, cujo desfecho desenhou-se nas pinceladas da história recentíssima e logo ficou óbvio, mas pelas reações de políticos, analistas, jornalistas e cientistas sociais que habitam a mídia de abrangência nacional.

Eles protagonizaram a opereta da hora. Começando pelo presidente da República. Sentindo-se fortalecido, pelo que se apura, ele agora pensa em lançar ataques kamikazes à Lava Jato.

Por sua vez, figurões analistas/jornalistas repetitivos e enlouquecidos tentam provar que não são apenas críticos ao PT, por isso atacam ferozmente a decisão do TSE. Outros, igualmente midiáticos, fazem o mesmo, por mistérios enevoados com cheiro de enxofre, que só os pesquisadores do futuro vão revelar.

Notou que desta vez os ativistas ficaram em casa, sem bater panela, sem usar vermelho ou verde e amarelo, nem foice e martelo ou bandeira nacional? Eles se viram lá nos bancos de réus do TSE, onde tinha Dilma e Michel. Um grupo ao lado do outro, sem que ninguém pudesse falar mal do vizinho.

O povo de verdade, aquele que trabalha e leva a vida de forma simples, cansou. Quer apenas fôlego para não perder o pouco que lhe resta da guerra de titãs ensandecidos na qual teve pequeníssima participação até aqui, porque ir para as ruas levado por palavras bonitas, no final das contas, quer dizer quase nada.

Ninguém de bom senso aguenta mais ouvir falar em tribunais, procuradorias, operações, sentenças, armações, gravações, delações, provocações, eleições e outros instrumentos que só serviram até agora para balizar uma disputa de poucos pelo muito que é a riqueza do Brasil.

Este texto não é alienante. É apenas um retrato da ruína de dogmas e modus operandi que conseguiram manter-se por décadas, mas que sucumbiram em hipocrisia que vai de cima até embaixo. O povo está sem representantes. Nem esquerda nem centro nem direita. Os que ainda estão protagonizando a cena do que seria uma ópera séria, agora não sabem ser engraçados na ópera-bufa. Apenas bizarros.

Somos, infelizmente, jovens, adultos e velhos cantores e atores desafinados, por vezes burlescos, como os da antiga ópera-bufa e do teatro do absurdo, em um país tropical onde a natureza é ainda a única coisa boa a ser admirada.

Chega de política, polícia e Judiciário na agenda nacional, diariamente, nos martelando com a sem-vergonhice em que se transformaram as relações do poder, em todas as suas esferas.

Seria mais agradável se discutíssemos o sentido da vida das tartarugas-verdes do Atol das Rocas.

Faria muito... mas muito mais sentido.

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