Regional

Na trilha do trem e dos casarões

Aurélio Alonso
| Tempo de leitura: 9 min

Aventureiros do Túnel/Divulgação
Casarão da fazenda Saltinho, no município de São Manuel  

Fazer uma viagem a pé, debaixo de sol e descansar quando possível à sombra de uma árvore. Apreciar a paisagem e sentir a lufada do vento no rosto. O esforço físico é grande, mas ao final a máquina fotográfica volta cheia de imagens e recordações. É assim que dois grupos de caminhadas preenchem o tempo e descobriram uma forma de lazer que reúne esporte, melhora do condicionamento físico e estudo histórico. Os "Filhos da Ferrovia" de Pederneiras e "Aventureiros do Túnel" de Botucatu começaram como passeios de aventura sem compromisso e vem ganhando destaque como preservadores da história regional.

O ponto de partida foi "descobrir" a ferrovia. Em Pederneiras, o grupo, formado por até quatro pessoas, começou com trajetos no trecho que vai de Bauru a Jaú caminhando no leito dos trilhos de bitola larga da antiga Companhia Paulista de Estrada de Ferro, hoje Rumo Logística. Já, em Botucatu, os passeios do grupo começaram a percorrer os túneis, construídos no final da década de 50, no traçado da linha-tronco da antiga Estrada de Ferro Sorocabana.

O "Aventureiros do Túnel" chegou até a produzir documentário para contar a história da construção, mas o grupo expandiu para outras aventuras e não ficou só no patrimônio ferroviário. Composto de 10 a 15 pessoas, as últimas incursões foram conhecer os casarões do período do apogeu do café na região de São Manuel e Botucatu.

Filhos da Ferrovia/Divulgação
Grupo "Filhos da Ferrovia" de Pederneiras faz trajetos a pé pelo leito da ferrovia

À frente dessa turma de "trilha" está o aposentado dos Correios Antonio Carlos Santos, 64 anos, e conforme ele revela: "ferroviário frustrado". Chegou a fazer concurso para entrar na Sorocabana como maquinista, mas na época dava-se preferência para quem tinha parente na ferrovia. Restou entrar nos Correios. Após a aposentadoria, ele mantém um museu ferroviário e passou a fazer a visita aos túneis ferroviários localizados na Cuesta que rendeu novos amigos.

Já o "Filhos da Ferrovia" tem na liderança o professor e músico Jorge Maciel, que tem as  participações do professor de língua portuguesa Daniel Mariano, do estudante de biologia da Unesp Pedro Maciel, do professor de história e geografia Rodrigo Paiva, do professor de biologia Thiago Martini e ainda conta com a ajuda do marceneiro Oscar Paiva, que faz o papel de "resgate", quem transporta e oferece a logística para as caminhadas.

Desde 1 de maio de 2008, os "trilheiros" de Pederneiras já fizeram 10 passeios a pé que vão de Pederneiras à subestação de Carajás, depois Guaianás-Aimorés, estação de Bauru e Jaú. A próxima jornada será Jaú-Dois Córregos-Brotas.

O professor em Pederneiras Jorge Maciel é filho de ex-ferroviário. O objetivo é resgatar a história e também retratar as condições precárias que se encontram a ferrovia, principalmente onde ficavam antiga estações em pequenos lugarejos e distritos. 

Caminhadas são pelo leito da ferrovia

Filhos da Ferrovia/Divulgação
Jorge Maciel, Pedro Urrea Maciel, Sandrinho, Rodrigo Fernando Paiva e Daniel Mariano, no trajeto Aymorés-Guaianás 

O primeiro passeio do grupo "Filhos da Ferrovia" ocorreu há nove anos e daí em diante foram 10 trilhas percorridas pelos seus integrantes caminhando pela linha férrea, saindo de Pederneiras com destino a Bauru ou a Jaú. É assim que em finais de semana e feriados o músico e professor de língua inglesa Jorge Maciel, o professor de português Daniel Mariano, o estudante de biologia Pedro Maciel, o professor de história Rodrigo Paiva e professor de biologia Thiago Martini descobriram a caminhada por longos percursos que virou um resgate histórico das condições do trecho da ferrovia da antiga Companhia Paulista de Estrada de Ferro que operou de 1939 a 1971, depois passou para a Fepasa e posteriormente América Latina Logística e Rumo.

Juarez conta que o antepassado de ferroviário da família falou alto no hobby que foi ficando sério. O pai foi ferroviário e e ele até os 16 anos morou em uma colônia composta de ferroviários.

Em quase nove anos foram armazenadas milhares de fotos de vários trechos da via férrea. A maior parte de prédios, trilhos e infraestrutura bem deteriorada.

A primeira viagem ocorreu em 1 de maio de 2008 num trecho de 7 quilômetros de Pederneiras até Carajás, nome da antiga estação no km 310, cujo prédio já foi demolido e construído em 1939. No local há o antigo pátio da estação, localizado dentro do horto florestal. No primeiro dia enfrentou chuva. "Tudo começou quando a prefeitura de Pederneiras iniciou a reforma da estação ferroviária para transformar em um centro cultural. Naquela semana fizemos pequenos trechos um deles até Carajás", recorda Juarez.

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Igreja que fica próxima à estação de Ave Maria localizada no trajeto entre Pederneiras e Jaú

O grupo não é fechado, algumas vezes outros amigos fazem parte das caminhadas. Ao longo dos trechos se depara com pessoas e muitos prédios já em ruínas. Em julho de 2008, o grupo fez o trajeto Ayrosa Galvão até Jaú numa distância de 16,5 quilômetros que durou 8 horas e 30 minutos. A média de deslocamento foi de 3,2 km/h com paradas para descanso e captura de imagens com duração de 3 horas e 27 minutos. Os trajetos são acompanhados pelo sistema GPS. Ayrosa Galvão fica na linha-tronco oeste no km 291. O prédio foi construído em 1941 

Mas em outro trajeto em janeiro deste ano, mais longo de dois dias com 20 quilômetros de extensão, foi de Dois Córregos a Jaú, com parada no caminho para pernoite. A viagem teve que ser feita com mochilas e barracas. No grupo há uma pessoa encarregada pelo "resgate", é o marceneiro aposentado Oscar Paiva, responsável pela logística para buscar e levar os integrantes para o início e no final dos trajetos. 

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Estação Ave Maria, ao fundo com o prédio já destruído, no caminho para Jaú

Há um risco em alguns trechos, segundo Juarez. Uma das estratégias é não divulgar os percursos, manter um sistema que possibilite a busca imediata dos integrantes. "Quando tem oportunidade encontramos gente que ainda mora ao longo da ferrovia. Às vezes conversamos, mas encontra gente que ameaça e corre ao notar a presença nossa", conta.

Um dos trechos enfrentados pelo grupo foi na área urbana em Bauru entre a avenida Nações Unidas e estação ferroviária. "Havia aluno conosco e havia um sujeito que quis arrumar confusão. Por sorte o outro que chegou era neto de ferroviário, foi conversando e deixou o grupo passar", relata.

O professor Daniel Mariano também integra o grupo. No momento ele prepara a sua tese de doutorado para a Universidade Federal de São Carlos e por isso tem diminuído a participação nos passeios. "Gosto muito da ferrovia e isso ajudou muito a fazer essas viagens a pé. A caminhada é pelo leito ferroviário de Pederneiras a Bauru em cinco etapas. A segunda jornada começou a contar com outras pessoas não somente os integrantes do grupo", relata.

Mariano revela que tem planos de fazer exposição de fotos em um evento de música e de resgate histórico da ferrovia. Ele revela, por exemplo, que em umas dessas jornadas o grupo encontrou uma mulher sentada em uma cadeira embaixo de um viaduto. "É metáfora do que é a ferrovia atualmente, esquecida e abandonada", concluiu.

Grupo do túnel visita casarões

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Antonio Carlos Santos em passeio na Cuesta

A ferrovia influenciou a existência do grupo de caminhadas "Aventureiros do Túnel" de Botucatu, mas atualmente as jornadas são direcionadas para conhecer as antigas fazendas de café. Participar do grupo depende de muita disposição para encarar as jornadas, geralmente nos finais de semana. Eles estão percorrendo as fazendas para resgatar as historias e fotografar as casas-sede. O material fará parte do calendário 2018.

O aposentado Antonio Carlos dos Santos, 63 anos, faz parte do grupo desde o início. Se autodeclarando um ferroviário "frustrado". Ainda jovem prestou concurso para entrar na antiga Estrada de Ferro Sorocabana, mas acabou preterido. Segundo ele, havia uma preferência para contratar quem tivesse parentes que já trabalhasse na ferrovia. Restou o concurso dos Correios, onde trabalhou até se aposentar. 

Santos também criou o Museu do Túnel e edita o o jornal "O Túnel". O grupo começou por causa das caminhadas aos dois túneis na Cuesta, construídos entre 1945 e 1952, no traçado da Estrada de Ferro Sorocabana. Mas o grupo passou a buscar outras aventuras. Nas últimas semanas, eles percorreram várias fazendas do período da cafeicultura. Todo esse patrimônio praticamente está desaparecendo. "É um grupo de amigos, um liga para o outro para fazer as caminhadas", conta.

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O Casarão da Fazenda do Conde de Serra Negra, filho do Barão de Serra Negra, dono de várias fazendas de Botucatu até Piracicaba

Esses passeios a pé são bem organizados com participações de até 10 pessoas. Até um casal de Bauru tem participado, conta Santos.

Em todas as visitas antes os proprietários dos imóveis foram contatados. De acordo com Santos, o objetivo não é de entrar em área particular sem autorização. A intenção do grupo é fazer fotos e pesquisas históricas.

Umas dessas belas propriedades foi em um fazenda localizada próximo a uma antiga estação ferroviária em área que pertenceu a familiares do ex-presidente da República do século passado Rodrigues Alves. Atualmente a casa-sede da Fazenda Saltinho pertence ao advogado Ciro Casquel e está muito bem preservada. O projeto é do renomado arquiteto Ramos de Azevedo construído no século passado. O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat) chegou a cogitar o tombamento.

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O então governador Adhemar de Barros em visita quando o túnel estava em obras

Outro local de visita foi o casarão da Fazenda do Conde de Serra Negra, filho do Barão de Serra Negra, dono de várias fazendas até Piracicaba, foi umas das paradas. No último final de semana também visitram o casarão da Fazenda Igualdade, em São Manuel e o da Fazenda Monte Selvagem em Botucatu, que alojou os primeiros imigrantes italianos até serem encaminhados para o interior do estado.

Túnel vai fazer aniversário

A construção dos dois túneis no trecho da antiga Estrada de Ferro Sorocabana começou em 1945 e seis anos depois passou o primeiro trem por eles, inaugurando a grande obra. Em abril do ano passado o JC já tinha contado a história do "Aventureiros do Túnel" quando houve o lançamento de um documentário de 50 minutos.

A nova linha férrea atendia um novo traçado feito especialmente para atender as necessidades modernas para a época. O aposentado Antonio Carlos dos Santos conta que no próximo dia 10 de novembro vai completar 67 anos. O então governador Adhemar de Barras esteve na inauguração da obra.

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