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| Pastor Hugo Evandro Silveira: "Lutero apontou: somente Cristo faz a mediação com Deus. Depois, vieram outros reformadores" |
500 anos depois, questões essenciais defendidas pelo frade católico e teólogo alemão Martinho Lutero na chamada Reforma Protestante estão não só vivas, mas reacendem com a mesma força com que o ser humano se divorcia de conceitos cristãos básicos. Isso inclui não vender o perdão de Deus e não utilizar o discurso da fé como instrumento de exploração do próximo, inclusive financeiramente através da "compra de milagres", diz o pastor da Igreja Batista do Estoril em Bauru, Hugo Evandro Silveira.
Ele coloca a necessidade de alfabetização do povo como o elemento essencial em relação a problemas crônicos ainda a serem enfrentados na "libertação do povo de Deus", mesmo cinco séculos depois.
Por outro lado, a "reforma" da Reforma, na visão contemporânea de igreja, retoma princípios do luteranismo: fidelidade aos conceitos contextualizados do cristianismo em confronto com a interpretação bíblica fragmentada, isolada em versículos, e a compreensão de que a fé não se dá por dominação, mas pela dádiva de Deus.
Nesse sentido, nem o Estado, como no passado, e nem a igreja, hoje, ou antes, têm o condão de exercer esse papel de instrumentalização da fé.
A avaliação de Hugo Evandro, estudioso dos conteúdos bíblicos a partir de uma visão histórico-social e filosófica, recupera os principais pontos que levaram o frade alemão Lutero a romper com a igreja católica.
"No nosso ponto de vista a Reforma Protestante mudou o mundo em uma época de mundo sombrio, de muita superstição e onde a igreja do catolicismo romano dominava as relações de Estado e sociedade se valendo de sua integração e também da maioria analfabeta dos cidadãos da época. Foi o renascimento do pensamento teológico e na visão sócio, política, cultural e monetária", aponta.
Para Hugo, Lutero (com suas 95 teses) não tinha a intenção de romper, mas de provocar mudanças. "Ao ler a Bíblia, livro dos cristãos, ele é confrontado com o conteúdo de que 'o justo viverá pela fé' - (Carta apostolo Paulo, Romanos, capítulo 1,16). E em outros textos ele aponta que por meio da graça as pessoas serão salvas. A ideia inicial de Lutero não é romper com a igreja dominante da época, a católica medieval. Ele queria renovar os significados. O perdão divino estava sendo vendido [indulgências]. E ele diz que isso está errado. Esta questão está pronta na postura de diversas igrejas contemporâneas. Então a reforma da reforma continua em curso e de forma muito mais forte nesse momento em que religiões vendem a graça. A graça de Deus não pode ser vendida", aborda.
MEDIAÇÃO
Lutero também questiona a mediação humana em relação a Cristo. "Ele se posiciona que quem pode mediar o homem com Deus não é o papa, não é o pastor, não é um líder eclesiástico ou espiritual. Olhando pelo lado cristão da concepção bíblica, ele aponta que é somente Cristo que faz essa mediação. Então ele rompe com o celibato, ele rompe com a missa rezada em latim, porque o povo não entendia nada e a maioria era de analfabeto", cita.
A Reforma Protestante também lança conteúdos sobre a ética. "A raiz da separação do Estado com a igreja nasce nesse período. O rompimento dessa relação de dominação vai desembocar na democracia. E depois vieram outros reformadores, como o francês João Calvino, o suíço Ulrico Zuinglio, o monge dominicano Martin Bucer, o escocês Jhon Knox. Eles vão entender que é preciso haver o resgate social. E então a reforma entra não só no campo religioso, mas nas questões sociais de opressão contra o povo".
A partir de então, Batistas, Presbiterianos, Luteranos, Anglicanos, Metodistas e outros prosseguiram com as mudanças em relação aos dogmas do catolicismo confrontados por Lutero.
LIBERTAÇÃO PELA EDUCAÇÃO
Martinho Lutero criticou pontos vitais da doutrina católica. Mas, além de defender a salvação pela fé, a livre interpretação do texto bíblico, a negação ao celibato, a adoração à imagens e a subordinação da Igreja ao Estado, ele e os reformadores seguintes colocaram a educação como elemento central do rompimento com esse processo.
"A reforma da reforma, no tempo atual, mantém a educação como essencial. A dominação com o uso da fé é um instrumento perverso. Naquele tempo isso era muito mais presente", avalia Hugo.
Por isso, menciona o pastor, as igrejas reformistas passaram a adotar como premissa criar escolas ligadas a igrejas. "Sem educação a reforma discutida por Lutero não se confirma. A compra da salvação é a nova forma de indulgência e a manipulação da fé continua presente".
