Segundando

'Ora et Labora'

João Jabbour
| Tempo de leitura: 3 min

A frase do título ('reze e trabalhe') é o que está escrito nas portas dos Mosteiros Beneditinos. É um mote católico que talvez faça muito sentido neste momento, entre tantos diz-que-me-diz, blá-blá-blás, simulações e dissimulações dos donos de todas as verdades. Então, será que não é hora de baixarmos um pouquinho a bola de todos nós, acalmar a mente e o coração para retomar bons hábitos e, acima de tudo, o respeito pelo outro perdidos em um passado não tão distante assim?

Em tempo: antes que me acusem de imobilista, conservador e de pregar apenas a confiança passiva na boa vontade alheia e no trabalho alienante, acrescento ao "Ora et Labora" a necessária luta pelos direitos e garantias individuais e coletivas, cada qual em seu grupo, partido, sindicato ou associação.

Mas cuidado! Oração em excesso pode levar à preguiça e muito trabalho atiça a cobiça. Então, "nem tanto ao céu nem tanto a terra", ensina outro provérbio, este de origem portuguesa, atribuído ao apóstolo São Paulo. Meu amigo Renato Zaiden sempre cita seu mestre espiritual e devoto da Seicho-No-Ie Kazuo Yanaba: "Oração é uma junção de meditação com ação - orar ação". Tem muita gente fingindo por aí as três coisas: que ora, que trabalha e que luta por alguma coisa.

A hipocrisia raiou no horizonte do Brasil e se estabeleceu! Assim não vamos a lugar algum...

Entramos em um círculo vicioso que só faz por aumentar a confusão política, econômica e institucional em que nos metemos. Estamos em total desequilíbrio com o centro gravitacional do universo. Abusamos dos excessos e limites prudenciais em todos os ambientes e atividades da vida pública e privada.

Há certas premissas que são naturais, sólidas e não estão sendo observadas. As leis e comportamentos sociais dos homens podem ser refeitos, certamente, mas muita coisa está fora da ordem na nova ordem mundial, como diz a música de Caetano Veloso. "Aqui tudo parece// Que era ainda construção// E já é ruína// Tudo é menino, menina// No olho da rua// O asfalto, a ponte, o viaduto// Ganindo pra lua// Nada continua..."

O mundo é governado por leis universais, gostemos ou não. E elas não são misteriosas, como alguns querem fazer crer. Mistério é apenas um subterfúgio para a ignorância ou para fazer com que tudo fique como está, porque interessa a minorias privilegiadas.

Não quero reduzir a situação a um olhar meramente positivista, porque não me considero e porque há toda a complexidade subjetiva nas relações humanas, mas é hora de resgatarmos princípios que já foram consagrados pelos usos e costumes, como o bom senso, a razoabilidade, o respeito, o trabalho, a retidão de caráter etc.

Ando, perdão pela expressão, de saco cheio do frenesi abestalhado de imbecilidades que não passam de meras bravatas, sem nenhum sentido histórico, sem lastro algum com o formidável conhecimento humano acumulado ao longo de milênios e muitas vezes jogado na lata de lixo.

Sei que esse mi-mi-mi de minha parte não vai mudar nada de nada, porque não propõe nada. Mas serve ao menos, talvez, para provocar alguma reflexão e entreter o prezado leitor. Sei também que para muita gente, possivelmente a maioria, este lamento não encaixa em seu cotidiano, que já é de muito trabalho e seriedade. E acho que esta é a boa notícia: muita, mas muita gente mesmo, trafega pelas vias da sensatez. O problema é que o insensato rouba demais a nossa atenção, até porque produz barulho e estragos, na maioria das situações.

O filósofo Aristóteles tem uma frase (pelo menos é atribuída a ele) que se encaixa bem nesse contexto: "O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete". Ele fala em expressão, questionamento e reflexão. Uma boa fórmula para não sair por aí falando besteiras, algo que talvez eu tenha feito desde lá do alto da página...

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