Nova Resolução de remoção de conteúdos e Fakenews do TSE: entenda!

24/10/2022 | Tempo de leitura: 4 min

A dez dias da votação, o Tribunal Superior Eleitoral anunciou seu "Sistema de Alerta de Desinformação Contra as Eleições" (https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2022/sistema-de-alerta)  e uma resolução que aumenta seus poderes no controle de conteúdo publicados na Internet. Foi aprovado em 20/10/2022 a possibilidade de o TSE determinar a retirada de conteúdos “falsos/descontextualizados” sem precisar ser provocado por partes, Advogados ou Ministério Público. Conforme o TSE, houve um aumento de 1671% nas denúncias de desinformação enviadas as plataformas digitais em comparação com as eleições de 2020, o que, dentre outras justificativas, faria jus a tal medida.

Como vai funcionar?

Na prática, o TSE passa a atuar por si, “de ofício”, sem necessariamente ser provocado por uma representação eleitoral manejada por Advogados ou Ministério Público. Para isso, irá monitorar o conteúdo e criou o  Sistema de Alerta para receber denúncias. Para as redes sociais e serviços de mensagem privada, o prazo para remoção dos conteúdos é sensivelmente reduzido. Se antes da resolução o prazo poderia chegar a quarenta e oito horas, agora, os provedores de aplicações terão duas horas para remoção, podendo ser fixada multa de até R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta mil reais) por hora em que não ocorrer a remoção. Fica também clara e expressamente proibida a veiculação de propaganda eleitoral paga na internet nas 48 horas que antecedem o segundo turno. 

“Extensão da decisão” (Sic)!

Deste modo, segundo a nova Resolução, o TSE além de poder agir de ofício, o que contraria fundamentos do Poder Judiciário, terá poder para remover artefatos cujo conteúdo já tenha sido objeto de decisão do Tribunal, mas foi estampado posteriormente em outros locais, sem necessidade de uma nova decisão judicial, bastando “estender”(Sic) a decisão, indicando as novas URLs, URNs, URIs ou links ao provedor de aplicações, que deverá cumprir.  Dentre o os pontos perigosos desta medida, o risco de abusos que podem decorrer de uma postura onde sequer as partes que seriam interessadas provocaram a Justiça, que deveria ser inerte pelo fundamento "ne procedat iudex ex officio", ou pelo princípio da inércia da jurisdição. Além disso, questiona-se a validade da resolução, não respeitando a anterioridade necessária para que fosse válida, a 10 dias da votação do segundo turno.

Reflexos

Deste modo, a nova Resolução certamente vai gerar reflexos em processos da justiça comum, cível e até mesmo criminal. Lá, como sé cediço, advogados devem especificar as URLS de conteúdos ofensivos, e se após a sentença, novos links surgirem, é necessário uma nova ação. O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já enfrentou a questão no REsp 1698647 onde um juiz havia determinado em sentença a remoção dos links conhecidos à época da sentença e se novos, surgissem autorizou a vítima por sentença a "notificar diretamente o provedor" para que fosse removendo. No caso, a própria Ministra Carmem Lúcia, que agora no TSE aceitou a nova resolução, assim se manifestou “Apesar da engenhosidade da solução encontrada, não há respaldo na legislação ou na jurisprudência que permitam atribuir a um particular a prerrogativa de determinar a exclusão de conteúdo”, disse a relatora. " E concluiu “Dessa forma, conclui-se pela impossibilidade de cumprir ordens que não contenham o conteúdo exato, indicado por localizador URL, a ser removido, mesmo que o acórdão recorrido atribua ao particular interessado a prerrogativa de informar os localizadores únicos dos conteúdos supostamente infringentes” Embora aqui quem envie os novos links ao provedor de aplicações não seja o particular mas o próprio TSE, é cogitável que de certo modo se tenha uma “alteração posterior da decisão” mediante “extensão de decisão”, ato exclusivo da Presidência do TSE, uma relativização séria de institutos processuais.

Questionados!

As ações do TSE vêm sendo muito questionadas por entidades como Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) pelos excessos e supostas agressões à liberdade de expressão. É notório que, pressionadas pelo TSE, redes sociais e aplicações exercem cada vez mais remoções de conteúdos que não passam pelo crivo do Judiciário e neste volume, muitos erros acontecem e conteúdos legítimos e opiniões são removidas e perfil banidos, em nítida agressão à liberdade de expressão e garantis constitucionais.  Até então, as vítimas recorriam ao Judiciário para verem restabelecidos seus canais, perfis, contas e páginas, diante de erros das revisões automatizadas e humanas das plataformas. Mas, e agora? O que fazer se é o próprio Judiciário (de nível superior) decidiu sobre violação, "de ofício", mesmo sem ser provocado? A quem recorrer? Como se defender de uma ação de "ofício" de um Tribunal Superior que entende que um conteúdo é Fakenews? São questões em aberto e de pertinente reflexão. A única certeza é que existem grandes e insanáveis riscos em uma medida como essa.

Colunista de Tecnologia & inovação do JC, especialista em direito e tecnologia, sociedade e segurança digital, perito em informática, diretor do Instituto de Defesa do Cidadão na Internet (DCI),mestre e doutorando pela Unesp, escreve aos domingos no JC.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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