Articulistas

Ética, moral e corrupção

Zarcillo Barbosa
| Tempo de leitura: 4 min

Estamos a 70 dias da primeira eleição geral depois da eclosão da Lava Jato. As delações ocorridas a partir de 2015, revelaram a extensão da corrupção que atingiu os principais partidos políticos. A oportunidade de varrer a casa é agora. As urnas nos vão dar sinais, em outubro, sobre o futuro ético do país.

Para muitos, ética é sinônimo de moral. Faria referência ao cumprimento de determinadas regras, normas e condutas consideradas valiosas em sociedade. Mas, ética não pode ser confundida com moral. Ela e muito mais que isso. Em filosofia, ética é uma reflexão sobre os princípios que orientam e fundamentam nossas ações morais. A ética atua validando ou questionando a validade daquilo que a sociedade acredita ser valioso, correto e, por conseguinte, moral.

Confundir ética com moral é o mesmo que confundir o receituário com o medicamento. A moral e uma construção histórica e cultural. Muda com o tempo e a geografia. O comprimento da saia das mulheres, com o passar dos anos subiu dos calcanhares até acima dos joelhos, ou menos. Na Arábia Saudita o homem pode ter cinco esposas, desde que consiga mantê-las, e em paz, o que deve exigir um esforço inaudito. A ética não se limita a "receitas de conduta" variáveis e prescritivas. Questiona essas regras, procurando descobrir se realmente são importantes ou, quem sabe, obsoletas.

A ética deve nos levar a uma reflexão honesta acerca dos valores que adotamos, fazendo-nos repensar o nosso modo de ser e estar no mundo. Bem por isso ela é indispensável para o progresso humano. A corrupção, no Brasil, é endêmica, sistêmica e epidêmica. Se admitimos o "rouba mas faz", ou se votamos em quem pode nos dar algo em troca que não seja o bem coletivo, é porque estamos moralmente contaminados. E assim permitimos a existência de um sistema mercenário da política brasileira, no qual, se não pagar não governa. Todo financiamento de campanha beneficia os políticos estabelecidos e donos de partido. A renovação é difícil. Corremos o trágico risco de ficarmos reféns de valores morais que muitas vezes podem estar assentados na tradição, na barganha do pé de botina, com a promessa de se completar o par após conhecidos os resultados das urnas. Acabamos incorporando tais valores por hábito e de forma acrítica. O valor, ou aquilo que é valorizado pelas pessoas, é uma escolha individual, subjetiva e produto da cultura onde o indivíduo está inserido.

Completando esta sustentação acadêmica, vamos dizer assim, a ética está ligada ao caráter de cada um. O caráter, já dizia Aristóteles, é aquilo que você é. Como os usos e costumes perniciosos não se mudam da noite para o dia, muito menos se amolda o caráter moralmente degradado de um adulto, é preciso apelar para a legislação, e torna-la cada vez mais abrangente e forte. A Lava Jato mexeu com os interesses de poderosos. Da esquerda, da direita, do poder econômico, do poder político. E ela vem sob ataque desde o primeiro dia. Há quatro anos a Lava Jato está sob fogo inimigo, vindo até da Suprema Corte. Há uma guerra de comunicação, de desinformação, que tenta deslegitimar a operação. Alguns candidatos já se manifestam contra ela, e outros defendem sua continuidade e avanço. Alguns se posicionam a favor, mas têm propostas que contradizem esse apoio.

As pesquisas mostram que a corrupção é hoje o problema número um dos brasileiros. E olha que o Brasil tem problemas sérios. Fica acima do desemprego, saúde, segurança e educação. Para dar uma resposta a essa situação, organizações como a Transparência e universidades como a FGV, juntaram duzentos especialistas - professores, juízes promotores, advogados, acadêmicos - e propuseram 70 medidas para acabar com a corrupção. Aproveitam experiências de 110 países pesquisando grandes reformas e planos nacionais.

As propostas serão encaminhadas ao Congresso em forma de projeto de lei, com ideias que vão desde a regulamentação do lobby, à proteção da pessoa que reporta a caso de corrupção. Partidos têm recursos públicos, muita autonomia e as agremiações políticas viraram negócios familiares controlados por caciques. Dar proteção ao "whistleblower" (tocador de apito) é uma boa. Isto é, não para o denunciante que fez a delação por estar dentro do problema, mas sim para o que vê algo errado e comunica.

O céu se abre, muito além da "Lua de Sangue". Com o apoio e a pressão das pessoas éticas, pode dar certo. "O Brasil é feito por nós, está na hora de desatá-los" - alfinetava o Barão de Itararé.

O autor é jornalista e articulista do JC.

Comentários

Comentários