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Inscrições em túmulos mostram diversidade de crenças e emoções

Tisa Moraes
| Tempo de leitura: 4 min

Fotos: Samantha Ciuffa
Os conteúdos das lápides são pensados pelas famílias para destacar o lado mais importante do que a pessoa foi em vida

Homenagear e, de alguma maneira, tentar eternizar a história de entes queridos que se foram é uma tradição surgida na Idade Média e que se perpetua até os dias de hoje. São tributos que foram se modificando ao longo do tempo e deixando marcas sobre como a sociedade de cada época se relacionava com a morte, além de contar parte da história da cidade.

Malavolta Jr.
Professora e historiadora Lourdes Feitosa coordenou os estudos

Manifestações religiosas, políticas, familiares e inscrições até mesmo em outros idiomas, presentes nos cemitérios de Bauru, foram alvo de duas pesquisas concluídas recentemente pela professora e historiadora Lourdes Conde Feitosa e pelos alunos do curso de História da Universidade do Sagrado Coração (USC) Taís Temporim, Paula Rodrigues, João Pedro Basso, Marco Antônio de Morais Júnior e Willian Reis.

Foram dois anos de estudos, que resultaram na compilação de aproximadamente 350 epitáfios existentes nos quatro cemitérios públicos mais antigos de Bauru: Saudade, Cristo Rei, Jardim Redentor e São Benedito. "Porém, somente no Cemitério da Saudade, o mais antigo da cidade, são mais de 200", destaca a professora, citando a necrópole inaugurada em 1908.

Lourdes explica que os cemitérios são tidos como "campos sagrados" desde a Antiguidade, mas somente no período medieval consolidou-se a tradição de rezar e homenagear os mortos, como hoje, no Dia de Finados. Desde aquela época, a sociedade passou a acreditar que aqueles que deixam o plano terreno podem se tornar intercessores no Além.

Samantha Ciuffa
Inscrições em outros idiomas denotam a presença de colônias de imigrantes e suas tradições

Por isso, até hoje, é comum dizer e até encontrar em lápides de cemitérios menções como "um anjo" ou "uma estrela" que estará cuidando de todos no Céu. Alguns túmulos, inclusive, acabam  ficando famosos, como o da benzedeira Dona Benta, que possui inúmeras placas de agradecimento afixadas devido a bênçãos concedidas.

O mesmo ocorre em túmulos de padres e de parteiras, como Maria Nunes, sepultada em 1917, que até hoje atrai grávidas com gestações de risco para pedidos de uma boa hora no parto. "Não são pessoas beatificadas ou santificadas, mas que acabam sendo escolhidas pelo imaginário popular como intercessoras", acrescenta Lourdes.

MEMÓRIA CONSTRUÍDA

Outro aspecto destacado pelos estudos é a construção e registro da memória, que também remonta à Antiguidade, como forma de eternizar o ente que partiu. A historiadora ressalta que os conteúdos perpetuados nas lápides são criteriosamente pensados pelas famílias, com o objetivo de tornar público um perfil a partir do que elas consideram mais importante sobre tudo o que foi vivido pela pessoa que morreu.

Algumas inclusive, surpreendem, como a de uma jovem de 16 anos, falecida em 1952, cuja lápide revela que foi "vítima de traição" e outra, espirituosa, que lembra aos visitantes: "hoje eu que estou aqui, mas amanhã será você". Além de mensagens em Português, há uma grande quantidade de lápides com epitáfios em japonês e italiano, que denotam a presença das colônias de imigrantes na cidade.

"Porém, a inscrição deste tipo de 'resumo' foi se perdendo com o tempo, até mesmo pela arquitetura dos cemitérios mais novos, inaugurados entre o final do século passado e início deste século, que só têm espaço para placas de identificação. Isso pode ter ocorrido talvez porque, hoje, a memória fique mais eternizada no seio familiar e até mesmo no campo virtual, por meio das redes sociais", observa a pesquisadora.

Gênero e classe social

As pesquisas constataram, também, que mais homens do que mulheres são homenageados quando morrem e são sepultados nos cemitérios de Bauru. "Outro aspecto é que foram encontradas muito mais inscrições fazendo menção ao aspecto profissional de homens do que de mulheres, o que era esperado diante das representações de gênero das primeiras décadas do século passado. Elas, de modo geral, eram enaltecidas por serem amorosas e dedicadas e eles, por serem provedores", detalha a professora Lourdes Feitosa.

Ela conta que epitáfios destacando as qualidades profissionais de mulheres passaram a ser verificadas somente na segunda metade do século passado, como é o caso de uma engenheira que participou da instalação de Usina Hidrelétrica de Itaipu, em que os familiares citaram que ela "continuaria fazendo construções no Céu". Há, ainda, várias inscrições voltadas aos homens por feitos heroicos durante conflitos armados, como o Movimento Constitucionalista de 1932 e a Segunda Guerra Mundial; ou políticos, como os fundadores da cidade e lideranças que são conhecidas até hoje, inclusive, por terem sido homenageadas com nomes de rua.

Outro aspecto que chamou a atenção dos pesquisadores foram os materiais utilizados para prestar homenagens aos mortos, que variam de acordo com a capacidade financeira das famílias em diferentes regiões da cidade. "Principalmente no Cemitério Redentor, mas também no Cristo Rei, muitas destas inscrições não são feitas em material metálico. Como as famílias não tinham dinheiro, escreveram no túmulo com tinta ou colocaram papel vedado com plástico para fazer esta homenagem", cita.

 

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