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Fachadas recordam a história de Bauru

Marcele Tonelli
| Tempo de leitura: 8 min

Samantha Ciuffa
Fachada de imóvel na rua Sete de Setembro, quadra 8;

modelo de casa era adotado pelas elites no início do século 20

Charmosas, nostálgicas e repletas de memórias, elas são sobreviventes do tempo e do desenvolvimento da cidade. As casas antigas ainda presentes nos bairros pioneiros de Bauru guardam nos detalhes de suas fachadas recordações sobre a história do município.

De madeira ou concreto, as frentes desses imóveis são, na maioria das vezes, caracterizadas por grades baixas, muretas, arquitetura rebuscada e imponente que remetem a um período em que a preocupação com a estética se sobrepunha à segurança, por exemplo.

Como Bauru se desenvolveu a partir da instalação das ferrovias Sorocaba, Paulista (Fepasa) e Noroeste do Brasil (NOB), na primeira década do século 20, as primeiras casas se concentravam em áreas do Centro, e que hoje abrigam bairros como a Vila Falcão, Jardim Bela Vista e Vista Alegre e Centro. São imóveis que acolhiam famílias de fazendeiros, de funcionários, engenheiros e chefes das companhias de estrada de ferro, de comerciantes e dos trabalhadores das primeiras indústrias da cidade.

O JC Nos Bairros percorreu essas quatro regiões do município na última semana. Nesta e nas próximas páginas estão alguns exemplos de casas de época que permanecem preservadas por seus moradores ou proprietários até hoje. E que, por isso, são uma espécie referencial histórico dos bairros a que pertencem.

'DÓ DE VENDER'

Marcele Tonelli
Cleuza Chinelatto Mendonça mantém as características originais da casa em que mora como forma de preservar viva a lembrança de seus pais e irmã

Aos 78 anos, a aposentada Cleuza Chinelatto Mendonça é cobrada pelos filhos, que pedem para que ela ou venda o imóvel e mude para um lugar mais seguro, ou aumente tamanho dos muros e dos portões da frente da casa em que mora, na quadra 14 da rua Engenheiro Saint Martin. Mas ela nega tanto a venda quanto a modificação.

"Tenho dó de vender. E eles acham perigoso, mas eu gosto da frente baixinha assim, até porque não gera dúvida e nem curiosidade. É algo raro de se ver hoje, uma fachada de casa antiga que nunca foi modificada, mas as pessoas gostam e até elogiam", comenta dona Cleuza.

Ela conta que morou com os pais no imóvel na época em que era jovem e que gosta de manter as características originais da casa justamente pela memória presente nos detalhes.

"Cuidei da minha irmã Guiomar até seus últimos dias de vida aqui nesta casa. Também lembro sempre da minha mãe, quando era viva e ativa. Foi ela que plantou essa azaleia aqui no jardim. Essa rua quase não passava carro na época da minha juventude e o pessoal se reunia na calçada para conversar nos fins de tarde", recorda a moradora.

Casas de época resistem no Vista Alegre, Vila Falcão e Bela Vista

No início do século passado, a região central de Bauru abrigava os lotes considerados mais valorizados pelo setor imobiliário da época. Como consequência do alto preço e da urbanização, a cidade viveu um grande período de expansão. Não demorou para que a ocupação desse início aos bairros Vila Falcão, Bela Vista e Vista Alegre, regiões que circundavam a estrada de ferro. Algumas dessas moradias resistem até hoje com a fachada original nestes bairros.

VISTA ALEGRE

Marcele Tonelli
Casas de madeira de época na alameda dos Gerânios, na parte baixa e antiga do bairro Vista Alegre

No Vista Alegre, por exemplo, um antigo fazendeiro era proprietário de boa parte das terras que depois viraram lotes no bairro. Duas das casas de madeira construídas pela família dele, na época do desmembramento da fazenda, permanecem com suas fachadas conservadas, na quadra 9 da rua Floresta.

"Este lugar era conhecido como Pastinho do Diogo. A fazenda era de Diogo Hojas, fazendeiro pai do meu sogro, Félix Hojas, também já falecido. Ele construiu essas casas e a família até chegou a morar em algumas. Agora, nós as alugamos por um preço barato, porque são antigas. Mas planejamos reformá-las em breve", comenta o empresário Nilton Soares, 52 anos.

A algumas quadras dali, uma praça com o nome Diogo Hojas homenageia a família pioneira.

VILA FALCÃO

Samantha Ciuffa
Fachada de imóvel de época na travessa João Polido, Vila Falcão

Na Vila Falcão, a moradora Vilma Rodrigues, 59 anos, observa da varanda de sua casa, na quadra 2 da rua Bernardino de Campos, o que restou dos antigos galpões da rede ferroviária.

"Meu pai trabalhava lá e morávamos aqui na rua de cima. Eu me casei, mas nunca saí daqui do bairro e sempre morei em casas antigas. Gostaria muito que o trem voltasse. Essa rua era tão diferente, movimentada de pessoas, isso valorizava as casas também" conta a do lar.

O imóvel antigo em que ela mora com o filho há cerca de uma década ganhou grades nos últimos anos, por segurança. "A casa é uma delícia, ventilada, mas a gente se sente inseguro hoje aqui, agora", acrescenta.

BELA VISTA

Samantha Ciuffa
Casa antiga na rua Bernardino de Campos, Vila Falcão, exibe características de época: janelas grandes e altas, porões e desenhos na fachada

No Jardim Bela Vista, basta uma volta rápida para constatar grande quantidade de imóveis antigos, mas a maioria já reformado ou com a fachada modificada.

Na quadra 2 da rua Afonso Pena, por exemplo, a pintura recente destaca a exuberância de uma casa, construída em meados de 1900. Na quadra 2 da rua Casemiro de Abreu e na rua Olímpio Petroni, já na Vila Quaggio, a cena se repete. Nesta última, um casarão que abrigou uma família de fazendeiros, hoje é alugado pela prefeitura.

'Mexe com o imaginário'

Nos anos de ouro da rede ferroviária em Bauru foram construídas casas para os funcionários das companhias. O padrão dos imóveis representava o cargo ocupado pelos funcionários. Alguns imóveis foram construídos em madeira, em uma viela de terra, sob o viaduto da Treze de Maio, e estão preservados até hoje. Liza Eugênia, 35 anos, é uma das moradoras.

"Mexe com o imaginário da gente morar em casas assim, fico pensando como era na época da ferrovia. Muita gente que morou por aqui já morreu. Tem vizinho que diz ver vultos e escutar barulhos, mas eu não. Não tenho medo disso", comenta.

Preservar imóveis é cuidar da história dos bairros

"Cada casa e cada bairro representam um período da formação e expansão da cidade. Preservar esses imóveis é cuidar da nossa história." O alerta é da arquiteta urbanista e professora Unesp de Bauru Silvana Aparecida Alves.

Divulgação
Luiz Fonseca, secretário municipal de cultura

Para ela, conservar a fachada das edificações é o mesmo que proteger a cultura, as características econômicas, sociais e políticas que deram origem aos bairros.

"Muitas casas já foram reformadas, modernizadas e tiveram suas principais características arquitetônicas alteradas. Na região central, muitas casas adaptadas em estabelecimentos comerciais, ou demolidas para dar lugar a edifícios mais altos", ressalta a arquiteta.

A preservação da história de bairros próximos à região central, segundo ela, ajudam aguardar as características principais do município, refletindo um estilo de vida das primeiras décadas do século 20.

Silvana lembra que, quanto mais os anos passam, a dificuldade de resgate da história aumenta.

CODEPAC DESATIVADO

Aceituno Jr./JC Imagens
Silvana Aparecida Alves, professora de Arquitetura da Unesp

Criado para proteger o patrimônio histórico do município, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru (Codepac) encontra-se desativado, atualmente.

"Há proposta de alteração e modernização do conselho. A discussão ainda está na câmara, portanto o Codepac não está constituído e ainda não há previsão", resume o secretário de Cultura Luiz Fonseca.

Na página do órgão no site da prefeitura constam 44 imóveis tombados até hoje na cidade. Apenas dois integram a categoria residência.

Um deles é a Casa dos Pioneiros, localizada na quadra 2 da Araújo Leite, no Centro, que está prestes a ruir, conforme a reportagem constatou no local. São duas casas geminadas e que representam a vida dos primeiros moradores da Vila de Bauru, antes da chegada da ferrovia.

O outro imóvel tombado pelo Codepac é a Casa do Superintendente da Noroeste do Brasil (NOB), na quadra 2 da rua primeiro de Agosto.

Amor por casas antigas de madeira

Samantha Ciuffa
Marcelo Eduardo Coelho com o cão Amor: ele reforma casa antiga em que pretende morar até se aposentar

Se o assunto é preservar fachadas antigas, o agente penitenciário Marcelo Eduardo Coelho, 48 anos, entende. Morador da quadra 4 da rua Antônio dos Reis, no Higienópolis, ele iniciou, há algumas semanas, uma verdadeira força-tarefa para reforma e recuperação da casa de madeira em que mora de aluguel.

"Este imóvel é da década de 50, um dos primeiros do bairro, e eu fiz uma parceria com o dono. Ele não aumenta o aluguel e eu recupero tudo. Amo casas de madeira desde a minha infância, quando assistia Daniel Boone (personagem da TV americana). Pretendo morar com meus cachorros aqui até me aposentar", comenta Marcelo, que reside há 3 anos no local.

Além de manter as características originais da casa, ele investiu ainda comprando telhas esmaltadas, que custam o triplo do preço, para ressaltar a estética da casa. "A telha francesa não existe mais, tive que substituir, mas vai ficar até mais bonita a casa. Pelo menos é o que dizem as pessoas que passam por aqui e elogiam", completa.

Ele calcula gastar aproximadamente 30 mil na reforma. "Não acho que seja dinheiro jogado fora, pelo contrário. Meu amor por essa casa vai além de qualquer esforço ou dinheiro", finaliza Marcelo.

5 razões para restaurar casas antigas

A seguir, alguns dos motivos que incentivam a aposta em restauração de imóveis antigos indicados por texto do "Blog da Arquitetura". 

1 - Charme legítimo: grandes portas e janelas, pé direito alto, acabamentos provençais ou rústicos são detalhes muito copiados hoje em dia, mas não com a mesma qualidade

2 - Construção de qualidade: antigamente os materiais de construção eram mais resistentes

3 - Área verde

A maioria das casas antigas conta com jardins e árvores, que também são bem antigas, dando frescor e sombra ao local

4 - Mistura de estilos

Misturar o estilo arquitetônico antigo, com influências contemporâneas pode ser uma saída para renovar o ambiente

5 - Inspirações

Imóveis reformados podem servir de inspiração para novos. Há casos, inclusive, de construções históricas, como igrejas e bancos, que se tornaram residências clássicas incríveis

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