Regional

Radioamador: hobby resiste ao tempo

Aurélio Alonso
| Tempo de leitura: 13 min

Fotos: Malavolta Jr.
Fábio Quaglia e a filha Beatriz, de 10 anos, são radioamadores

O radioamador resiste como poderoso meio de comunicação. É uma atividade que reúne hobby, conhecimento em eletrônica e possibilita a prestação de serviço. Mesmo com as inovações da telefonia moderna e do avanço da Internet, a transmissão por longo distância, via rádio em ondas curtas, encontra adeptos em um país de dimensões continentais, como o Brasil. Na região, há vários grupos que estão em atividade há muito tempo.

Arlindo Chico, de São Manuel, é radioamador há 65 anos e espécie de "decano" da região

Em São Manuel, "seu" Arlindo Chico é espécie de "decano" da atividade: com seus 85 anos ao falar ao microfone diariamente pelo prefixo PY2-BQP há 65 anos. O interesse dele pela radiodifusão começou quando foi instalada a primeira torre de radiodifusão comercial no quintal de sua casa, lá pelos idos dos anos 30. Já aos 12 anos, era autodidata do hobby que virou profissão na área de eletrônica. Já teve pequena fábrica de receptores de rádio, do tempo que se usava válvula. Mas nunca abandonou a sua "terapia", a sua estação de radioamador nos fundos da sua casa, onde ostenta enorme antena. Dessa experiência de vida de mais de 60 anos na atividade, em Barra Bonita, tem o contraponto de "seu Arlindo": a garotinha Beatriz Mori Quaglia, de 10 anos, já tem prefixo e passou no exame para obter a autorização como radioamador. Incentivada pelo seu pai, Fábio Henrique Quaglia, devido a atividade da filha como escoteira mirim, ele é também radioamador desde os 18 anos e implementou aplicativo de celular para se contatar com companheiros de radioamador.

Em Duartina, o engenheiro José Henrique Gonçalves, que faz parte da Associação dos Radioamadores e PX Clube Delta da Paulista (Adelta), teve desempenho importante no município ao ajudar na instalação do sistema de rádio das viaturas do Serviço de Atendimento Médico de Emergência e Urgência (Samu), que atende ainda aos municípios Lucianópolis, Avaí, Cabrália Paulista e Paulistânia. Antes dependia de comunicação apenas por celular, para que a população tivesse o socorro das viaturas baseadas em Duartina. O radioamador no Brasil conta com 57.945 estações licenciadas para a execução do serviço de radioamador, do qual nesse número estão ainda incluídas pessoas que operam os rádios, conforme dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). No Estado de São Paulo estão 26,7% dos equipamentos e das concessões para operação.

Em Botucatu, Francisco Milanesi, por exemplo, é radioamador que gosta de comunicação a longa distância seja pela telegrafia, que utiliza o código Morse, e a fonia (conversa). Ele coleciona 260 contatos com vários países, dos quais troca cartões enviados pelos Correios. 

'Decano' opera rádio há 65 anos

Arlindo Chico, de 85 anos, residente em São Manuel, é o operador de radioamador com mais tempo de atividades em toda a região de Bauru

Fotos: Malavolta Jr.
Arlindo Chico, de São Manuel, opera sistema de telegrafia transmitido por radioamador

Antena de transmissão de radioamador nos fundos da residência de Arlindo Chico

O radioamador com mais tempo operando na região, reside em São Manuel. Com 85 anos, é de uma lucidez incrível. Lembra de detalhes dos primórdios de como o rádio tinha força na comunicação no século passado e atribui ao hobby o que o ajudou a impulsionar a sua vida profissionalmente. Está na atividade há 65 anos. O "seu" Arlindo Chico é uma das daquelas figuras que em poucos minutos de prosa cativa e tem muita história para contar.

Aos 8 anos de idade teve o primeiro contato com a radiodifusão quando foi instalada nos fundos de sua casa, a antena de transmissão da Rádio Clube de São Manuel em 1939. Ali a "curiosidade" de garoto foi uma escola para aprender noções de eletrônica. "Sempre quando vinha o técnico para fazer a revisão do transmissor, eu entrava junto com ele na torre e perguntava sobre para que servia aquelas peças. Ele também era radioamador. Já aos 12 anos foi trabalhar no conserto de equipamento", relembra.

Nesse período, entre 1939 e 1940, o rádio estava no auge como principal veículo de comunicação. Arlindo Chico conta que passou a produzir receptores de rádio e aparelho de transmissão e recepção de radioamador. É quando teve autorização e patente para fabricar em pequena escala aparelho da marca Retrans. "Vendia muitos aparelhos, inclusive no Estado do Acre", comenta Arlindo.

Os aparelhos eram a válvula, ainda não tinha o transistor. A sua atividade era bem eclética, além de fabricá-los também fazia a instalação dos aparelhos de comunicação. O rádio era o principal meio de comunicação, não havia uma telefonia tão avançada na época.

Mas a partir de 1965, o negócio não prosperou mais, devido a entrada no mercado brasileiro de equipamentos de fora do país. Essa pequena "indústria" de aparelhos entrou em crise, com o fechamento de muitos desses empreendimentos. "Não tinha como competir e o preço estava lá embaixo", relembra.

O radioamador conta que partiu então para a instalação de aparelhos de radioamador. Paralelo a isso já tinha o hobby e foi um dos pioneiros na região a ter autorização do Ministério das Comunicações para ter prefixo e concessão para operar a estação de radioamador. 

A força desse meio de comunicação ajudou a prosperar muitos negócios, principalmente o agropecuário. "Sem a telefonia da época, o radioamador era o elo de ligação entre empresas e a sua base. Percorri o Acre onde instalei muitos equipamentos. A comunicação via rádio ajudava a resolver muitas atividades numa fazenda", relembra.

PROPAGAÇÃO RUIM

Nos fundos de sua residência fica o seu escritório, onde está o equipamento de radioamador que utiliza o sistema de telegrafia. Acoplado ao equipamento também tem um computador. Atualmente, as condições de propagação para recepção e transmissão de rádio não são mais como no passado, quando era possível entrar em várias frequências. A atividade solar tem incidido fortemente na atmosfera e atrapalha a propagação das ondas eletromagnéticas. "Antigamente a gente falava na maioria das faixas com boa qualidade de som. Percebi, por exemplo, que, nos últimos dois meses, está difícil de falar em várias frequências", reclama o "decano" do radioamadorismo regional.

Os tempos mudaram e a comunicação é mais acessível atualmente pela Internet e o telefone celular, mas Arlindo Chico lembra que o radiamador ainda vai permanecer como uma atividade de aficionado. É um hobby que une conhecimento e lazer. Todo operador desse equipamento, acaba adquirindo conhecimento de eletrônica, eletricidade e vira "terapia" para ocupar o tempo. "Diariamente sempre converso com amigos e alguns deles são de outros países", relata, citando que "arranha" um castelhano quando é necessário se comunicar com pessoas de outras nacionalidades.

Recentemente, Alindo Chico adquiriu pelo Mercado Livro um indicativo de prefixo que ele enviou nos idos dos anos 60, quando junto com o amigo e médico Benedito Portela (já falecido), enviou no nonagésimo aniversário de São Manuel. O cartão endereçado pelo correio é o registro das comunicações. Na época foi confeccionado vários deles com os prefixos e pequeno histórico da cidade.

Um desses foi enviado a radioamador de São Gonçalo (RJ), que faleceu recentemente. Arlindo Chico soube que aquele pequeno papel estava à venda por R$ 40. Decidiu adquiri-lo e o comprou da viúva do radioamador. Para ele, tem um valor sentimental imenso. Esse indicativo estava guardado desde 1960. "Foi uma atividade que eu e o saudoso Dr. Benedito fizemos na comemoração do aniversário de 90 anos de São Manuel", relembra. O médico foi radioamador e uma pessoa muito estimada na cidade.

Ao final da conversa, "seu "Arlindo finaliza: "O radioamador me ajudou muito, principalmente a ter uma atividade profissional e conquistou muitos amigos".

Associação de radioamador de Duartina viabiliza rádio do Samu

Fotos: Divulgação
José Henrique Gonçalves é radioamador e tem associação

Aparelho de rádio instalado na base do Samu de Duartina

O serviço de radioamador tem uma relação com a prestação de serviço à comunidade. Em Duartina, o sistema de comunicação usado nas viaturas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que atende também as cidades de Lucianópolis, Avaí, Cabrália Paulista e Paulistânia, se viabilizou com ajuda dos operadores de radioamador do município.

Devido a distância com Bauru, o Centro de Regulação do Samu e atendimento do 192 ainda dependiam de comunicação apenas por celular, para que a população tivesse o socorro das viaturas baseadas em Duartina. Isso não era satisfatório para os serviços de urgência.

A associação Associação dos Radiomadores e PX Clube Delta Paulista (Ardelta) adquiriu e cedeu à titulo de empréstimo, todos os equipamentos - rádios, as fontes de alimentação, as antenas, cabos e o filtro duplexador para uma unidade repetidora. Assim duas viaturas tem HT portátil (de mão) e há um equipamento fixo completo, para uso na Base do Samu.

Quem conta isso é o radioamador e engenheiro eletrônico José Henrique Gonçalves, amigo pessoal do astronauta Marcos Pontes, futuro ministro da Ciência e Tecnologia no governo do presidente da República, Jair Bolsonaro. No site da associação Ardelta, Henrique posta uma foto ao lado de Pontes, amigo de escola na juventude em Bauru.

A Prefeitura de Duartina cedeu um local para instalação da repetidora, junto aos retransmissores das polícias e das TVs, a manutenção é gratuita para o SAMU, por ser feita pela associação Ardelta, constituída por um quadro social ilimitado de radioamadores e operadores de rádio da faixa do cidadão, com sede e foro na cidade de Duartina.

Sobre radioamador, José Henrique destaca que mesmo com a grande quantidade de opções para a comunicação, como a Internet, ainda há interesse pela atividade de se comunicar via rádio, porque os interessados gostam do hobby. "O radioamador é um grande clube bem organizado. Quem pode operar são as universidades, os clubes de escoteiros e os licenciados com autorização da Anatel. Há outro segmento numa frequência específica ainda que é aqui no Brasil chama-se de Faixa do Cidadão (chamado de PX) e nos Estados Unidos de CB", cita o engenheiro que opera desde 1983.

Aplicativo inova sistema de rádio 

Fábio Henrique Quaglia, de Barra Bonita, usa telefone celular para contato na mesma frequência das estações repetidoras de ondas curtas  

Malavolta Jr.
Fábio Henrique Quaglia usa um aplicativo do celular que possibilita falar com radioamadores

O sistema de radioamador tem que conviver com as inovações. No caso de Fábio Henrique Quaglia foi a descoberta de um aplicativo de celular que ajudou a "migrar" para ouvir as ondas curtas no aparelho telefônico. Ele também foi incentivador de sua filha, Beatriz Mori Quaglia, de 10 anos, a fazer a prova do Ministério das Comunicações para obter autorização e o prefixo para operar radioamador. A garota é escoteira mirim e o equipamento radiofônico é um importante aliado numa emergência, quando ela participar de acampamentos em região de difícil comunicação pela telefonia celular.

Formado na área técnica, onde tem uma empresa em Barra Bonita que trabalha com telecomunicações, Fabio Quaglia até brinca que existe o radioamador "raiz" - aquele que mantém a tradição de só comunicar pelo sistema de transmissão via rádio - e o "nutella" - o que incorpora novas tecnologias ao hobby.

Ele fez demonstração à reportagem do aplicativo Echolink que por meio do telefone celular consegue acessar várias estações de radioamador no Brasil, a maior parte delas longínquas, como no Mato Grosso do Sul e Umuarama no Paraná. 

O EchoLink é um sistema de radioamador baseado em computador, distribuído gratuitamente, que permite que os radioamadores se comuniquem com outros operadores de rádio usando a tecnologia de voz sobre IP na Internet por pelo menos parte do caminho entre eles.

Para fazer essa "migração" tem que ter o prefixo homologado e autorização da Anatel para operar radioamador. Os dados são cadastrados em um site dos Estados Unidos. Com a liberação de uma senha, Fabio usa o aparelho celular para falar com estações repetidoras de radioamador. "Quem não tem prefixo não pode falar aqui. Por meio do meu celular consigo conversar com outro companheiro que esteja em uma estação repetidora em qualquer ponto do país. Basta que o prefixo da estação dele esteja também catalogado ao sistema", conta Fábio.

A novidade ele descobriu em 2002 quando só havia três pessoas no país que recorriam ao sistema, mas já é amplamente conhecido no meio dos adeptos, uma vez que a comunidade de radioamador sempre troca experiências e testa novos tipos de comunicação. "Quando surgiu isso no Brasil, havia eu, um amigo de Americana e outro do Mato Grosso. Esse sistema possibilita ouvir as rádios VHF, as repetidoras e até a telegrafia", explica Fábio Quaglia. Atualmente são cerca de 190 pessoas que utilizam o aplicativo no Brasil e em torno de 20 na região.

E o radioamador entrou na sua vida, quando morava em Bauru. Fábio conheceu um rádio de HF quando esteve na residência de um radioamador em 1996 que se comunicou com uma pessoa em Manaus, por volta do meio-dia. "Fiquei impresionado ao ouvir aquela comunicação instantânea, porque o rádio que eu tinha não conseguia falar a uma distância de 5 km. Quero um rádio desse pensei e foi assim que procurei me licenciar como radioamador. A prova foi feita em São Paulo em um ginásio da Telesp lotado. Assim tirei o prefixo e comprei equipamento", relembra.

Malavolta Jr.
Beatriz Mori Quaglia já é habilitada para operar rádio e tem prefixo homologado

Escoteira mirim tem autorização e prefixo

A garotinha Beatriz Mori Quaglia é integrante do grupo de Escoteiros Campos Sales de Barra Bonita, composto de mais de quarenta crianças. Incentivada pelo pai, Fabio Quaglia, fez o exame da Anatel para tirar seu primeiro prefixo.

Para ser radioamador é obrigatório passar por uma prova escrita a fim de aferir conhecimento técnico e noções de legislação na área de radiocomunicações. Com apenas 10 anos e estudante da 5ª série, a menina conseguiu ser aprovada e já tem até prefixo (PU2MBE), que permite falar em aparelhos de radioamador. A legislação brasileira permite que crianças acima de 10 anos podem se habilitar, mas devem se submeter ao exame. Beatriz tem registro na faixa inicial (classe C), mas pretende aprender telegrafia para subir de categoria (B) até chegar a A.

O pai explica que o escotismo incentiva o uso de radioamador. A atividade possibilita que as crianças participem de acampamentos e muitas vezes em áreas que não têm sinal de celular. Com o uso do rádio é mais seguro para o grupo numa emergência.

Engenheiro de Botucatu coleciona cartões com indicativo de prefixo de vários países

O engenheiro elétrico e eletrônico de Botucatu Francisco Milanesi começou no hobby aos 17 anos na chamada faixa do cidadão (PX) e depois "migrou" para os equipamentos de longo alcance. Devido os estudos de engenharia, em Lins, teve que parar o hobby, mas depois voltou a partir de 2011 quando retornou mais intensamente à atividade.

Divulgação  
 
O radioamador Francisco Milanesi gosta de trocar cartões, os QLS 

Atualmente está na classe A, após passar pela C (iniciante) e B. Sempre é convidado a dar palestras em escolas de eletrônica, exemplo o Colégio Embraer daquele município. Francisco conta que nesses encontros destaca a importância em ser radioamador para quem é dessa área. "É uma atividade que envolve a parte elétrica, eletrônica, mecânica e geografia. Tenho passado esse conhecimento que tenho com o radioamadorismo, fora a prestação de serviço. Os furacões que atingiram a América Central, os únicos contatos eram feitos pelo radioamador", comenta.

Francisco gosta de trocar cartões, os QLS. Por exemplo, tem um site americano que é possível se inscrever, da Liga Americana de rádio (ARRL), onde se faz o cadastro e é enviado seus contatos. Quando o radiamador consegue completar 100 primeiros países é expedido um diploma. “Todo mundo faz esse cadastro. O contato é validado nesse site, que registra o número do país”, explica o radiamador de Botucatu do prefixo PY2LPM.

Ele conta também que a telegrafia já é muito usada. "Consigo falar com o mundo inteiro e são contatos rápidos, feitos a longa distância. Não é bate papo. É possível falar no Afeganistão e qualquer ponto. É o contato chamado de DX, mas é possível bate papo na Itália e conversações de até 10 minutos cm uma pessoa", relata Francisco.

Atualmente Francisco já somou 18 mil contatos, 260 países em fonia (falado) e mais de 120 pela telegrafia. E assim vai aumentando os contatos. "O radiamadorismo é um hobby em que você vai desenvolvendo e melhorando seus equipamentos de recepção, transmissão e antenas. Botucatu é privilegiado por ficar numa região alta. A minha casa fica a 890 metros de altura acima do nível do mar. Não precisa de tanta antena para ter bom alcance", finalizou. 

 

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