A ciência deixa pouco espaço para curas espirituais e milagrosas, como as supostamente praticadas por religiosos João de Deus. O "culpado" do relativo sucesso desta modalidade de tratamento provavelmente é o efeito placebo, ou seja, as alterações fisiológicas causadas pela mera expectativa de melhora, sem a necessidade de uma explicação transcendental.
Apesar de haver conhecimento sobre o efeito da sugestão no estado mental e na saúde física desde a Antiguidade, somente a partir da década de 1940 surgiram os primeiros testes que consideravam o efeito placebo (do latim, "algo que é do agrado") como uma possível origem de benefícios clínicos para pacientes, em vez de um determinado tratamento.
O efeito placebo é tão real que pílulas sem droga alguma podem causar efeitos como aumentar a disposição, ajudar a dormir, tratar dores ou até mesmo emagrecer. Considerando a forma pela qual é produzido o conhecimento médico na modernidade, com experimentos que podem ser verificados, grupo-controle (que não recebe o tratamento e serve de referência) e rigorosa análise de dados, a explicação mais plausível para o impacto de tratamentos espirituais na saúde seria o efeito placebo.
Em ensaios de drogas contra enxaqueca, o placebo chegou a funcionar em 50% dos casos. Ele vai bem em doenças que tenham substrato psíquico mais forte, como dores crônicas, doenças reumatológicas e inflamatórias, diz o oncologista Felipe Moraes, da Beneficência Portuguesa.
Foi evidenciado no organismo humano nas últimas décadas o chamado eixo psiconeuroimunoendócrino, que, trocando em miúdos, é o caminho que a informação psíquica percorre até se tornar um efeito físico relevante, como náusea, alívio de dor no peito ou vontade de ir ao banheiro.
Há evidências de que a expectativa e a fé tenham interferência importante na ativação desse caminho, o que dá à dimensão espiritual um potencial de aplicação em tratamentos de saúde e bem-estar. Esses efeitos benéficos da espiritualidade podem se dar mesmo sem acreditar que uma entidade ou um deus modifica a realidade, diz Moraes.