Regional

Distrito luta para não desaparecer

Nogueira, no município de Avaí, reduziu número de moradores, mas é movimentado nos finais de semana; Jacuba, em Arealva, é bem estruturado

27/01/2019 | Tempo de leitura: 11 min
Aurélio Alonso

Fotos: Aurélio Alonso
Estação ferroviária do distrito de Nogueira foi inaugurada em 1916, século passado, e hoje serve de moradia 
Principal rua do distrito de Nogueira, onde residem poucos moradores no município de Avaí

Com redução no número de pessoas, Nogueira ainda resiste como moradia para algumas famílias no município de Avaí, enquanto Jacuba pertencente a Arealva é um distrito com boa infraestrutura, ruas asfaltadas e tem até rodoviária. A região de Bauru tem 36 desses pequenos povoados que não têm autonomia política.

Em Brasília, está em tramitação no Senado um projeto de lei que cria, permite a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios com exigência de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações envolvidas em buscar a emancipação. 

Nos últimos anos, de acordo com o consultor Eduardo Stranz, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), foram aprovadas três leis para regulamentar a emenda 15 e todas foram vetadas pela presidência da República, duas delas na gestão de Dilma Rousseff (PT).

O atual projeto em tramitação n Congresso continua sendo alvo de questionamentos, porque podem ser criados 300 novas cidades. Stranz explica que a CNM se mantém isenta nesta questão, mas há uma discussão "histérica" que atrapalha o debate do tema. Há necessidade de novas emancipações, no entanto, a rejeição ao projeto é sempre sobre a ótica de que os novos municípios a serem criados não teriam renda suficiente para se sustentarem financeiramente.

Aurélio Alonso
Jacuba pertence ao município de Arealva e possui até rodoviária própria.

Enquanto a lei não muda, o JC percorreu na última semana mais dois casos bem diferentes de distrito: Nogueira surgiu da construção da estação ferroviária e pertenceu a Bauru, até uma disputa judicial decidir o desmembramento para o município de Avaí. As ruas são de terra e nem calçamento possui. Praticamente é um aglomerado de casas próximo a linha férrea. Pelo menos 20 famílias residem no local, como no caso de Rogério Luciano Zaura, de 43 anos, que escolheu a localidade pelo sossego para criar os filhos. Nem serviço de correios e ônibus coletivo têm no distrito. Mesmo assim há quem prefira essa tranquilidade do que o agito de uma cidade. Já Jacuba é uma localidade que tem ruas asfaltadas e em breve vai ganhar mais 36 casas deve ganhar em breve um conjunto habitacional. A comerciante Fabiana de Campos Lenharo Fabricio da Silva, de 44 anos, conta que não troca por nada, nem por uma cidade maior na praia, como já existiu a possibilidade quando o marido, agente penitenciário, precisou ficar um

Aurélio Alonso
O único bar em Nogueira é muito movimentado aos domingos onde tem um forró 

período em Caraguatatuba. 

Após três edições percorrendo os distritos da região, o JC encerra nesta semana contando sobre as duas localidades. Nesse levantamento, a reportagem constatou que nesses povoados sempre há esperança de um dia se separar do município sede, embora nos locais visitados há boa estrutura e nem todos estão completamente abandonados.

Nogueira resiste com poucos moradores 

O Correio não entrega carta, a rua não é calçada e quando entra na rua principal a sensação é de tratar-se de bairro rural. Há poucas casas nas imediações. O marco inicial é uma estação ferroviária que no passado servia de embarque e desembarque de passageiros. O distrito de Nogueira é um dos menores da região. Nem precisa de censo, os próprios moradores contam nos dedos quem mora nas casas. A localidade pertence a Avaí, que travou uma briga na Justiça com Bauru na década de 40 para ficar com a área do distrito.

É pacato durante a semana,  movimentado aos domingos. Um dos forrós mais tradicionais ocorre no único bar da localidade, que atrai moradores de Avaí, Presidente Alves e bairros rurais. Fora isso, a semana segue sob a sinfonia de passarinhos logo de manhã, um silêncio confortador durante o dia e dá impressão que o relógio é mais lento sem o corre corre das cidades. "É um lugar pacato, vim morar aqui para criar a molecada", conta Rogério Luciano Zaura, de 43 anos, há três residindo na localidade, ao dar entrevista ao lado do filho Mateus Henrique Rodrigues Zaura.

Não há linha regular de ônibus. Para morar em Nogueira é necessário ter uma condução. Não existe escola e nem posto de saúde. As crianças estudam em Avaí, a 12 quilômetros. A prefeitura disponibiliza transporte escolar, inclusive para estudantes do noturno.

Para chegar ao distrito, a vicinal José Sebastão Bressan é toda asfaltada, partindo de Avaí e terminando na passagem de nível próximo da antiga estação do distrito. Há um segundo caminho pela rodovia Marechal Rondon (SP-300) com placa indicativa, mas a vicinal está com um trecho interditado por uma erosão. O segundo caminho, sem encarar o pedágio, é entrar no distrito de Tibiriçá e seguir por uma estrada de terra que chega a pequena localidade.

Há serviço de água, no entanto o esgoto não é tratado. Rogério Zaura reclama do "esquecimento" da prefeitura pela localidade. Há necessidade de calçada e pelo menos calçamento na rua. "O mato chegou a tomar conta, até que a prefeitura atendeu o pedido. Mas insistimos muito depois que vimos na TV sobre o aumento de casos de dengue", declarou.

Dona Sandra Bressan, de 61 anos, morou e foi criada em Nogueira e decidiu retornou à terra natal. Ela já residiu em Bauru e Avaí. O que levou a escolher uma localidade distante para morar? "O sossego". Mesmo não tendo posto de saúde, Sandra conta que ninguém fica sem assistência médica.

O motorista de transporte escolar José Eurico Tiepo, de 66 anos, vizinho de Sandra, também sempre morou no distrito. Ele chega a contar nos dedos as famílias que moram na localidade. Embora legalmente Nogueira tem status de distrito e não de bairro, cerca de 20 famílias estão residindo no local.

Conforme dona Sandra, a localidade é a que mais arrecada para Avaí. Nas suas imediações há várias áreas rurais, plantio de eucalipto entre outras empresas. O serviço de água é prestado pela Sabesp. O sinal de celular chega bem, porém a da TV digital fica devendo. "Alguns canais não estão mais pegando", relata Tiepo.

No passado, a localidade foi mais movimentada. De acordo com relato do pai de Tiepo, vinha muito gado do Mato Grosso do Sul via ferrovia que era desembarcado em Nogueira. "Aqui já teve mais gente do que Avaí. Havia até uma venda grande, depois foi para a sede do município", relembra.

A capela precisa passar por uma recuperação. Há três meses foi realizada uma cavalgada com quermesse que atraiu muitas pessoas à localidade. "Aqui tem uma festa religiosa muito conhecida", cita dona Sandra. Nesse compasso de sossego e de festa aos domingos segue a vida em Nogueira, localidade lembrada pela fama do passado.

Estação ferroviária da Noroeste criou localidade

A povoação de Nogueira praticamente tem a sua origem ligada à construção da estação ferroviária no quilômetro 36 da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), existente até hoje, mas as instalações não estão preservadas. O nome da localidade é uma homenagem ao engenheiro Carlos Gomes Nogueira.

O atual distrito já pertenceu a Bauru, no entanto, em 30 de dezembro de 1944, conforme a lei estadual nº 14.334, o município de Avaí adquiriu a área. Houve uma ação judicial que levou ao desmembramento. Esse distrito fica bem próximo a Tibiriçá, também distrito e pertencente a Bauru.

Conforme documentos do Museu Histórico Francisco Pitta de Avaí, em 1916, o engenheiro Joaquim Machado de Mello, presidente da Ferrovia Noroeste, resolveu construir uma estação no quilômetro 36 para melhor atender aos cruzamentos dos trens que tiveram acentuado aumento. A estação foi aberta ao tráfego no dia 13 de outubro de 1916.

A Prefeitura de Avaí chegou a manter um subprefeito em Nogueira, mas com o decréscimo de população não tem mais representante da municipalidade no local.

Os documentos do Museu citam ainda que a principal fonte de renda do Distrito de Paz de Nogueira nos anos 50 era o laticínio que diariamente enviava para Bauru o carregamento processado. "No auge da produção de leite, o distrito chegou a ter 30 famílias morando no povoado que teve origem na estação ferroviária. Na década de 60 com o fechamento do laticínio, o Distrito passou a decrescer. Atualmente residem no Distrito algumas famílias tradicionais do município", consta.

Jacuba tem boa estrutura urbana

Aurélio Alonso
Distrito de Jacuba está em expansão com a construção pela CDHU de um novo conjunto habitacional com 32 unidades 

Não é por ser distrito que é sinônimo de abandono. Jacuba tem boa infraestrutura, ruas asfaltadas e a praça em frente da capela bem cuidada. O jardineiro José Benedito varre o logradouro diariamente, remove as folhas das árvores que se espalham todas as manhãs. Mesmo com o clima mais quente, com pouca chuva, o jardim permanece vistoso.

"Falta chuva, para ficar mais bonito", alega seu Benedito, o funcionário que cuida de todo o jardim da igreja. É ele também o responsável pelo outro jardim perto da rodoviária. 

A alguns metros da praça, a vereadora de Arealva Maria Aparecida Ortiz Crepaldi e o marido Mauro Sebastião Crepaldi já vão se sentado em uma cadeira de plástico em frente da residência na manhã de quarta-feira, onde conversam com os amigos que passam na calçada. O distrito foi desmembrado do município de Iacanga em 1944 quando ex-Soturna ganhou a atual denominação de Arealva. A área já pertenceu ao município de Iacanga.

O movimento na rua é bem pequeno de carros. O asfalto não tem buracos. Há ônibus que faz a ligação entre o distrito e Arealva em seis horários. Os problemas são poucos, admite a vereadora, eleita para o segundo mandato. O marido já tinha ocupado por outros dois mandatos a vereança.

É na porta da casa da parlamentar que os moradores e amigos encaminham as reivindicações. A única pendência é a remoção de um enorme tronco de árvore na praça, que depende de um caminhão munk. A outra revindicação é uma ambulância para remoção dos pacientes que fique no distrito 24 horas. Atualmente tem que depender do veículos que é acionado na emergência de Arealva.

A infraestrutura é boa, mas também já houve movimentações nos anos 90 para buscar a emancipação de Arealva sem sucesso. O sonho da independência esbarrou no número de eleitores, no entanto, a localidade tem seu representante na Câmara, o que ajuda na busca de recursos. "Há um incentivo grande para o esporte. O campo de futebol é muito bom. Conseguimos que o terreno fosse municipalizado", relata a vereadora. Nessas quatro linhas sempre jogam o jogadores do Jacuba Atlético Clube, a equipe que representa a localidade.

A dona de uma lanchonete Fabiana de Campos Lenharo Fabricio Silva conta que veio para o distrito quando se casou aos 16 anos e nunca mais quis mudar. O marido trabalha de agente penitenciário em município vizinho e chegou a ser transferido para Caraguatatuba, no litoral. "Preferi ficar, mesmo tendo casa lá montado e sendo uma cidade na praia. Recentemente, ele se transferiu para a região. Adoro aqui, não troco por nenhum lugar. Aqui a gente é uma família, todo mundo divide tudo com todos", relata.

Em breve, Jacuba vai  ganhar mais casas. A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) está construindo 34 residências com área útil de 48,42 m, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro.

Emancipação é tema controvertido

Nas andanças pelos distritos há sempre uma reclamação dos moradores que parece combinada: o município sede demora para prestar serviço devido a distância. Nem todos são deficientes de infraestrutura. Jacuba, por exemplo, não tem muitos problemas, mas Nogueira tem a dificuldade de continuar existindo pela redução de moradores. Há um desejo pela emancipação ou se possível uma legislação que exija contrapartida do município sede para manter as necessidades básicas de um distrito. No Congresso Nacional se trava uma discussão de definir regras mais claras para a criação dos municípios, conforme o Projeto de Lei Parlamentar 137/2015 que foi encaminhado ao Senado.

Há uma resistência de que essa lei seja flexível para possibilitar a criação de novas cidades. Um estudo controverso da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) aponta que dos 5.570 cidades pelo menos um terço não tem arrecadação própria para sobreviver financeiramente. A criação de mais 300 cidades estaria onerando os cofres públicos, mas há distritos com população grande sem autonomia política que ficam impedidos de sobreviver com a falta de legislação mais clara.

O consultor da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Eduardo Stranz, afirmou ao JC que está na hora de pensar como estruturar municípios  de formas diferentes. Pela atual legislação, não importa o tamanho as cidades, elas têm que ter uma estrutura igual. "Uma cidade menor de 5 mil habitantes, por exemplo, a Câmara poderia ter vereadores sem salário e a estrutura do Executivo mais enxuta", afirma.

Stranz qualifica de "discussão histérica" a dificuldade de emancipação, porque não se debate o tema com prejulgamento se a lei vai criar mais despesas. Na Câmara dos Deputados, em Brasília, no final do ano passado foi aprovado um projeto que regulamenta a emenda 15 da Constituição, estabelece regras para criação de municípios, incorporação de municípios, fusão de municípios, extinção de municípios e de emancipação de distritos. A matéria está no Senado que pode alterar alguns parâmetros e, se isso ocorrer, será devolvido à Câmara dos Deputados. A nova lei estabelece estudo de impacto financeiro para saber se há condições de a cidade sobreviver financeiramente, o que não havia pelas regras de 1990, que possibilitou várias emancipações.

O tema é tão polêmico que nos últimos anos a presidência da República vetou dois projetos na íntegra, cita Stranz. "Há estudo, no entanto, que aponta que o distrito quando se emancipa tem um desenvolvimento três vezes maior por passar a ter verba própria. Os recursos arrecadados passam a ser investidos no local. Há casos também que o distrito é tão distante que acaba ficando custoso a manutenção. Mas quando se debate isso já vem com a história da despesa, isso atrapalha", finaliza o consultor.

 

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