Entrevista da semana

Pensamentos em versos e prosas

Ana Beatriz Garcia
| Tempo de leitura: 5 min

Membro da Academia Bauruense de Letras (ABL), o professor e poeta José Carlos Mendes Brandão, 72 anos, conta, nesta entrevista, como se apaixonou pela arte e pela poesia. Nascido em Dois Córregos, ele quase foi padre, mas enveredou pelo campo das letras. Em Bauru desde 1993, ele é autor dos livros "O Emparedado", "Exílio", "Presença da Morte", "Memória da Terra", "Poemas de Amor" e "O Silêncio de Deus".

Também ganhou diversos prêmios como "Estadual de Literatura", "José Ermírio de Moraes", do Pen Centre de São Paulo, para melhor livro de poesia do ano, V Bienal Nestlé de Literatura Brasileira e Brasília de Literatura. Para ler algumas obras do poeta acesse: http://poesiacronica.blogspot.com/. Confira alguns trechos da entrevista:

Jornal da Cidade - Como foi a sua vivência em Dois Córregos?

José Carlos Brandão - Foi vivência de menino de sítio. Eu morava na fazenda do meu avô, em Matão, uma zona rural de Dois Córregos. Foi uma fazenda rica, de café, mas quando meu pai se casou já era pobre. Saímos de lá quando eu tinha 8 anos.

JC - E de lá partiu para onde? Foi lá que teve seu primeiro contato com a poesia?

Brandão - Não, de Dois Córregos eu saí analfabeto. Fui estudar em Igaraçu do Tietê e depois fui para Jaú, para o Seminário dos Padres Consolatos, onde estudei até o segundo ano ginasial. O terceiro e o quarto ano, eu fiz em Rio do Oeste, em Santa Catarina. Foi lá que eu tive o primeiro contato com a poesia. Lá também que eu conheci o mar e a grandeza dele. Foi quando eu conheci a sensação do eterno e do efêmero, que são os temas das minhas poesias, não só a natureza.

JC - Como foi isso?

Brandão - Eu já tinha lido alguns poemas antes, mas nunca tinha pensado que alguém como eu poderia escrever. Quando eu li o livro "Os simples", de Guerra Junqueiro, que tem poemas sobre a natureza e as coisas da roça, coisas que eu já tinha vivido, eu pensei: "Isso eu posso escrever também".

JC - Com essa inspiração, o senhor já começou a escrever?

Brandão - A primeira poesia que eu fiz foi A figueira. No Matão, onde eu morei, tinha uma figueira enorme em frente de casa. Aliás, tem ainda, um raio já cortou metade dela, mas a outra parte ainda é grandona e um amigo mora lá hoje. Deixei pra melhorar depois que eu aprendesse métrica e, depois que aprendi, fiz um poema em prosa e outro em verso também sobre a figueira.

JC - Depois da experiência em SC, como foi o caminho até chegar em Bauru?

Brandão - De lá, eu fui para São Manuel, aqui perto, e terminei o colegial no seminário da cidade. Aí vim para Bauru para fazer letras, de 1967 até 1970.

JC - Essas passagens pelo seminário foram porque o senhor queria mesmo ser padre?

Brandão - Eu tinha vontade, mas fui porque era criança. Não entendia muito bem o que estava acontecendo.

JC - Depois de formado, ficou em Bauru?

Brandão - Não, logo depois fui lecionar em Agudos e passei por outras cidades da região dando aulas de português. Também morei 15 anos em Santos. Sinto saudade de dar aula em uma escola que era de frente para o mar. Era tão bom olhar para aquela paisagem. Em 1993, voltei a lecionar em Bauru, onde fiquei até hoje.

JC - No decorrer dessas andanças, o senhor continuou escrevendo poemas?

Brandão - Continuei. Quando eu estava em Duartina, escrevi alguns que eu achei bons. São três que estão em meu primeiro livro "O Emparedado". Não tenho nem ideia de quantos poemas escrevi, mas já foram oito livros de poesia publicados e mais três online.

JC - O mais recente foi lançado quando? O senhor ainda lançará mais algum futuramente?

Brandão - O último foi o "Livro dos bichos", que eu fiz uma edição artesanal só para alguns amigos. Este ano, eu escrevi e estou organizando um livro chamado "País impossível", que trata do nosso Brasil, mas não tenho planos de lançamento.

JC - E falando sobre o nosso País, como o senhor avalia a poesia nos dias de hoje em que as relações são tão ríspidas?

Brandão - Essa palavra que você usou mesmo. A poesia também está ríspida. É uma poesia de combate, uma poesia de protesto. Os poetas se sentem acuados com o governo que vem contra a arte, a cultura e a ciência. Os valores que presamos estão renegados. Aí, cada vez mais, fica forte o desejo de fazer poesia refletindo esse estado de espírito.

JC - Aqui em Bauru, o senhor ocupa a cadeira número 23 na Academia Bauruense de Letras. Como é fazer parte disso?

Brandão - Entrei na Academia em 1998, cinco anos depois da criação. Foi a convite de Joaquim Simões, um dos membros fundadores e que foi meu colega de classe na faculdade. Veio em casa e me chamou para participar. Já são 21 anos de Academia. Sou um dos mais velhos. Para mim, é um símbolo de cultura e arte que, de uma forma ou de outra, faz com que o município tome consciência da poesia.

JC - O senhor também já foi premiado, certo?

Brandão - Sim, houve vários, não sei quantos. O de maior destaque foi o Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira, inclusive, ao lado de autores como Raquel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles e Millôr Fernandes e pude conhecê-los.

JC - E a sua família? O senhor conheceu sua esposa aqui em Bauru?

Brandão - Eu a conheci em Dois Córregos. O pai dela foi ser chefe de estação lá. Estamos casados há 43 anos e ela também escreve poesias. Desse casamento tivemos nosso filho, o Aran, que é músico e escrevia poesias também. Inclusive, eu guardei o que ele escreveu dos 6 aos 13 anos e publiquei em um livro de poesia, contos e prosas. Ele cresceu sendo incentivado à leitura, com livros em casa.

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