Entrevista da semana

A maestria de um bauruense de coração

Dulce Kernbeis
| Tempo de leitura: 6 min

Bem-humorado, o maestro Jean Reis é também bom de fala. Exprime-se com facilidade. Manifesta-se em palavras da mesma forma que com os gestos da regência. Casado com a cirurgiã-pediatra Nancy Molina Reis, ele tem duas filhas, Bianca, de 20 anos, estudante de Arquitetura, e Jeanne, de 31, que mora em San Diego, EUA.

Aliás, foi nos Estados Unidos que o maestro também se notabilizou. Foi membro das californianas  Redlands Symphony Orchestra, Riverside Symphony, Riverside Opera Symphony e Redlands Bowl Symphony Orchestra. E, ainda por lá, participou da Mississippi Symphony Orchestra, Meridian Symphony Orchestra e Gulf Port Symphony Orchestra.

De origem gaúcha, nascido em Taquara, no Rio Grande do Sul, cidade da Grande Porto Alegre, o maestro Jean Reis não admite que se fale que ele é "quase" um bauruense; já se considera da cidade. Só ainda não tem residência fixa por aqui. Nos últimos dois anos, está frequentando mais o município que conheceu há pelo menos três décadas, graças ao contato com a obra do maestro bauruense Miguel Ângelo Ruiz. Obra que lhe foi apresentada pela maestrina Sonia Berriel.

Em Bauru, onde organizou e dirigiu o 2.º Festival de Música Internacional de Bauru (Fimub), que terminou neste sábado (25), Jean Reis visitou o JC e contou um pouco sobre sua vida. Confira:

Jornal da Cidade - O senhor não aceita o rótulo de "quase" bauruense. Por quê?

Maestro Jean Reis - Quase não, porque não se pode renegar o que está no coração. Quando você tem amor por um lugar, penso que já se pode considerar um filho dela (fala apontando o lado esquerdo do peito). Então, esse é o caso. Bauru está no meu coração e eu posso e gosto de me considerar, sim, um bauruense! Claro que sem renegar minhas origens, já que sou gaúcho. Se bem que, há umas formalidades gauchescas, que a gente até esquece (risos), de tão paulista que já sou. Quase cometi uma heresia.

JC - Ah é? Como foi isso? 

Jean Reis - Estive fazendo um festival no Rio Grande do Sul e, de repente, lá estava a mesa composta com o mate quente. Para meu gosto, estava fervendo demais. Mal conseguia tocar a cuia. E, por pouco, eu não usei a bomba para mexer a erva para esfriar. Me contiveram a tempo. Eu já havia esquecido que não se faz isso (risos). É uma heresia. Os anos fora de lá me fizeram esquecer os costumes.

JC - Como começou seu gosto pela música? Vem de uma família musical?

Jean Reis - Na verdade, não. Embora meu pai, como professor de escola, lá no interior gaúcho, tenha sido também o instrutor da fanfarra do colégio onde estudei, ele não era músico. Ele dava várias matérias: Artes, Matemática, Desenhos, Educação Moral e Cívica. E, também, quando chegava a época do 7 de setembro, ensaiava a fanfarra.

JC - Foi tocar, então, na fanfarra?

Jean Reis - Me recordo que tinha uns 5 anos e fazia um tarol de uma lata de cera da marca Parquetina, os mais antigos vão se lembrar dela. Para quem não sabe, popularmente, o tarol é um instrumento de percussão, da família da caixa, com afinação um pouco mais aguda. Com furos na lata e um barbante no pescoço, lá estava eu, literalmente, batendo lata em casa. Nessa época, houve um episódio engraçado.

JC - Qual episódio?

Jean Reis - Minha irmã mais velha, que não aguentava tanto barulho, me mandava acompanhar os ensaios da fanfarra, que, na época, eram nas ruas, fazendo o trajeto do desfile. E eu ia. E gostava (risos). Daí meu pai, sentindo que eu tinha uma certa queda, me deu um tarol de verdade, foi o maior orgulho para mim.

JC - O primeiro instrumento não dá para esquecer, não é?

Jean Reis - Não, jamais! E me lembro que era um tarol de pele de náilon, não existia isso na cidade. Foi demais. Fiquei aí na percussão. Daí, quando eu tinha uns 9 ou 10 anos, fui aprender violão com um professor amigo da família. E, depois, me encantei pelo trompete. Toquei trompete até os 17 anos e, paralelamente, na primeira oportunidade, mudei para o violino. 

JC - Já na adolescência se definiu pela música, então?

Jean Reis - Demorei um pouco. Ainda por volta dos 17 ou 18 anos, eu vim para São Paulo e não tinha me definido pela música. Vim estudar Teologia, mas, como eu tinha que sobreviver, era a música que me dava o meu sustento. 

JC - Seu currículo é invejável, correu o mundo pela música e, hoje, se dedica a festivais...

Jean Reis - A história de coordenar festivais começou em Poços de Caldas, Minas Gerais, com o Festival das Montanhas. Existe há mais de 20 anos. É um dos mais relevantes festivais de música erudita da América Latina. Reúne músicos de todo o Brasil e do Exterior, lotando as salas de concerto, movimentando o panorama da estância turística. Aliás, não é exclusividade brasileira. Os festivais existem no mundo todo. Em 2009, participei de um em Arkansas, nos EUA, por exemplo. Então, pensei que poderíamos levar a mesma fórmula para outras cidades brasileiras, onde os alunos não têm tantas oportunidades. Hoje, já administro eventos em quatro Estados brasileiros.

JC - Tipo 'se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé'?

Jean Reis - Bem isso, porque damos a oportunidade de talentos de cada região estudarem mais, conhecerem mais, irem fazer intercâmbios. Bauru, por exemplo, já revelou talentos. E o festival não se resume às apresentações, aos concertos ao público. Mas também às aulas, com professores que vêm de fora para ministrar essa troca de informações. E deixa eu fazer justiça: é muito importante o patrocínio, encontrar eco nas autoridades importante. Aqui, em Bauru, por exemplo, houve uma administração sensível, a Secretaria da Cultura e a Bravo Academia de Música, que são os parceiros.

JC - É um tipo de atividade que exige sacrifícios pessoais, muitas viagens...

Jean Reis - Sim, com certeza. No meu caso, quando fui fazer o mestrado, acabei levando a filha mais nova junto e a esposa ficou. Concursada, a Nancy não tinha como ir para os EUA e eu não podia perder a oportunidade. Acabei indo e levando a Bianca, fui por dois anos uma espécie de "pãe" (mistura de pai e mãe). A família tem que entender a dinâmica da profissão. (Nota da Redação - O maestro é mestre em Música pela Andrews University e University of Redlands em Regência Orquestral e Violino).

JC - O senhor foi violinista das principais orquestras do Brasil, incluindo Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo. O que diria para um pai ou mãe que tem um filho que parece ter habilidade musical?

Jean Reis - Que este filho possa ser feliz com escolhas sábias. A música é importante, mas a vida é mais do que isso.

JC - Para finalizar, o que espera para o futuro do Brasil e da música?

Jean Reis - É o meu País e minha gente! Que a música transforme vidas.

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