Reflexão e Fé

Enfim, mãe!

Hugo Evandro Silveira Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril. E-mail: hugoevandro15@gmail.com

10/05/2020 | Tempo de leitura: 4 min

Quem estiver fazendo suas leituras bíblicas periódicas e por acaso começar a ler o livro de Juízes ficará atordoado. O fato é que quando se segue a proposta "analgésica" atual de ler a Bíblia apenas para se sentir bem, muitos desistem da leitura que em grande parte é um tanto quanto assustadora. O livro descreve a infidelidade dos israelitas para com Deus, marcada por um ciclo de pecado, horror, servidão, arrependimento e libertação. A descrição da sociedade da época revela o caos generalizado. No livro dos Juízes lemos quatro vezes o mesmo versículo: "Naquela época não havia rei em Israel" (17.6; 18.1; 19.1; 21.25) - e dois textos acrescentam: "cada um fazia o que queria" (17.6; 21.25). A história do levita e da morte de sua concubina (cap. 19) e a subsequente guerra contra os benjamitas são capazes de deixar qualquer um perplexo. É bem possível que quem lê o livro dos Juízes depois de jantar nem consiga dormir bem de noite.

Nas versões bíblicas que conhecemos, que seguem a ordem da Septuaginta, vemos que o livro de Juízes é seguido pelo livro de Rute. Todavia, na Bíblia Hebraica, seguindo a ordem judaica tradicional, descobrimos que é o livro de 1Samuel que aparece na sequência. Na verdade, é uma ordem mais natural. A história do povo de Israel prossegue numa sequência nítida de Juízes para 1 Samuel. Diante disso, não é difícil imaginar o que provavelmente se passava na mente de um antigo leitor da Bíblia Hebraica. Ao terminar de ler Juízes, certamente ele estaria se perguntando como Deus iria agir para tirar o povo de uma situação caótica de pecados terríveis como a que é descrita no final do livro dos Juízes. De onde viria a salvação? Quem traria ordem e esperança para um povo tão desordenado? Se pudéssemos sugerir, o que diríamos? Um grande rei como Davi? Um general poderoso? Talvez fosse mais razoável pensar num sacerdote ou num profeta consagrado, um homem de força e convicções? Para a nossa surpresa, a esperança e a salvação não procederam de uma figura promissora do ponto de vista humano

O texto do primeiro capítulo de 1 Samuel surpreende nossa expectativa. A figura promissora que surge é a de uma mulher estéril chorando e clamando a Deus por um filho. Se já não fosse suficiente ler sobre uma tragédia nacional, agora teremos que ler uma outra tragédia dessa vez familiar. Alguém poderia perguntar, estamos lendo a Bíblia ou um roteiro de terror? Surpreendentemente, a história bíblica mostra que essa mulher, chamada Ana, sofria por ser estéril, situação de grande vergonha em sua época. Para a consternação de muitos, o texto bíblico ainda deixa claro que "o SENHOR a tinha deixado estéril" (1.6). Todavia, esta mulher, e não um homem, leiga, comum, que não pertencia à nobreza, tem fé e persistência para continuar clamando a Deus por um filho. Em vez de queixar-se da vida, murmurar ou revoltar-se contra a sua situação, ela mantém persistentemente a sua fé e ora a Deus desconsiderando a sua própria imagem perante os outros. E enfim, a sua fé em Deus a torna vitoriosa e ela dá luz ao desejado filho" - (1.19,20).

Linda história! A lógica divina é mesmo surpreendente. Através de uma profunda luta pessoal, Deus dará início à reconstrução da nação de Israel através de uma mulher. Ana se tornou mãe! Enfim mãe! Mãe de Samuel. Ela não foi mãe de um cidadão comum, mas mãe do maior homem da sua geração. Samuel foi o último juiz de Israel e teve o grande mérito de equilibrar a nação e prepará-la para a sua futura monarquia. Samuel tornou-se um dos líderes mais importantes da história do Israel bíblico. O que nos impressiona no texto é que Deus usa caminhos inesperados para atuar na lógica e nas expectativas humanas. Deus usa quem menos esperamos, nas situações mais adversas e desconfortantes. Parece que Deus tem prazer em reconstruir a história a partir dos frágeis cacos da fragilidade e do sofrimento humano, justamente para desmontar toda a soberba e pretensão dos homens.

Isso tem grande significado para quem crê e caminha pela fé em Deus. O poder pertence a Deus. Ele faz o extraordinário e a história da redenção divina é essencialmente milagrosa. O mais bonito de tudo é que Ele escolhe agir por meio de gentes comuns, em meio às aflições que Ele mesmo permite. Nesse período bíblico, a salvação de Israel não veio de um profeta, de um general ou de um grande rei, nem mesmo de anjos, mas sim de uma simplesmente mulher, que chorava porque nem mãe conseguia ser. Parabéns às mães!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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