Wagner Teodoro

Adeus ao algoz

12/12/2020 | Tempo de leitura: 4 min

O futebol perdeu duas lendas em duas semanas. Primeiro, Diego Armando Maradona, no final de novembro. Agora, Paolo Rossi. O italiano é um dos maiores algozes do Brasil na história das Copas do Mundo. O Mundial de 1982 foi o primeiro que eu, ainda muito menino, acompanhei. De memória, trago vagas lembranças, de lances esporádicos. Os jogos que mais me marcaram foram contra a Argentina e diante da Itália. Do duelo com a Azzurra lembro nitidamente da camisa rasgada de Zico, em lance no qual o Galinho sofreu pênalti não marcado de Gentile. Mas, sobretudo, do gol de Falcão, ainda mais da comemoração dele, com as veias gritando, e da cabeçada de Oscar, no finalzinho, defendida por Dino Zoff, quando o jogo já estava 3 a 2, e que foi o requinte de crueldade para os meus sonhos pueris de ver a Seleção Brasileira campeã na Espanha. O mesmo Zoff que dias depois eu testemunharia er guendo a taça.

Mas também tinha uma certa camisa azul número 20. E ela tinha nome: Paolo Rossi. Um nome que se tornou impronunciável para mim por um longo tempo. Praticamente como Voldemort, da história de Harry Potter, "aquele que não deve ser nomeado". Sim, porque Paolo Rossi quebrou o encanto de um time mágico aos meus olhos. Uma equipe que jogava de maneira poética, embalada pelo samba "Povo Feliz", de Júnior, que dizia "voa, canarinho, voa". Uma equipe leve, habilidosa, ofensiva, que parecia fadada ao título. Mas o atacante italiano lançou sombra sobre o futebol resplandecente que aquele Brasil jogava. Foi o ícone daquela eliminação. Parafraseando Belchior: "o mal que a força sempre faz". E a Itália destruiu a poesia com força, solidez e eficiência e seguiu em frente. Ela, sim, para o título. Somente em 1994 eu teria a "paz" de devolver a frustração aos italianos.

O nome da tristeza

E o nome da tristeza, que batizou o jogo de "Tragédia do Sarriá", é certamente Paolo Rossi. Com o tempo, já com o olhar crítico e o devido distanciamento, revi a fatídica partida e pude perceber as falhas daquele time que me fascinou. E as qualidades do carrasco brasileiro. Um jogador que fez o jogo de sua vida naquele 5 de julho. Que se posicionou perfeitamente atrás da marcação brasileira para anotar o primeiro gol de cabeça. Que mostrou oportunismo e qualidade para antever e antecipar os defensores do Brasil na bola atravessada por Toninho Cerezo, ganhar a jogada e finalizar sem chance para Waldir Peres. E, no escanteio, que teve Oscar e Sócrates tentando afastar o perigo, pegar uma finalização para a área no meio do caminho - a bola procurando o artilheiro - e estufar as redes, decretando o fim da jornada verde-amarela em terras espanholas e dando início a uma eterna discussão entre futebol-arte e futebol de resultados.

O tempo passou, o Estádio Sarriá, em Barcelona, foi demolido, mestre Telê Santana, o comandante daquele sublime time, partiu e, agora, Paolo Rossi, a camisa 20 mais famigerada da história do futebol brasileiro, se foi. Aqui ficam muito respeito e admiração a quem fez frente a uma geração tão privilegiada do futebol nacional. Paolo Rossi, artilheiro da Copa, campeão do mundo, eternizado na história gloriosa do futebol da Bota. E também eternizado na gloriosa história do futebol brasileiro.

Fez por merecer

Aquela Itália que, tão insensível, feriu a beleza do futebol brasileiro da Copa de 82, foi campeã com méritos. Paolo Rossi ainda deixou sua marca nas semifinais, anotando os dois gols da vitória sobre a Polônia e fez um no triunfo por 3 a 1 na final em cima da Alemanha. Aquela Azurra, que começou claudicante, com três empates frente a Polônia, Peru e Camarões, que enfrentava a desconfiança de sua própria torcida e que brigou com a imprensa de seu país, foi encorpando e teve em Rossi o vingador que precisava. No momento decisivo, o artilheiro apareceu e desequilibrou. Após o início vacilante, a Azzurra despertou e deixou pelo caminho rumo ao topo do mundo os três campeões anteriores: Argentina, então detentora do título (1978), Brasil (1970) e Alemanha (1974). Se a Itália não era esplêndida como aquela Seleção Brasileira, foi eficiente, viu a estrela de Paolo Rossi brilhar e acrescentou mais uma "estrela" à sua camisa.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Receba as notícias mais relevantes de Bauru e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.