Wagner Teodoro

A miopia do olhar para o Sul

10/01/2021 | Tempo de leitura: 3 min

A semana começou com mais uma gafe da Fifa em postagens. A entidade máxima do futebol, ao divulgar as semifinais da Libertadores 2020 em seu site e redes sociais, publicou material com fotos de jogadores dos quatro semifinalistas. Porém, no lugar do atacante Rony, do Palmeiras, foi colocada a imagem do meio-campista Roni, do arquirrival Corinthians. Alguma novidade em "lapsos" da Fifa com o futebol brasileiro ou sul-americano? Nenhuma. No ano passado, a Fifa esqueceu o título mundial do Flamengo de 1981 e fez publicação incentivando os torcedores rubro-negros a curtirem a primeira participação do time em Mundiais. Mas a Fifa já teve amnésia sobre o Mundial de 2000 do Corinthians, já colocou o carioca Botafogo como time gaúcho e já concedeu virtualmente um bicampeonato mundial ao Internacional, declarando a equipe do Rio Grande do Sul vencedora da edição de 2010. Quem ganhou foi a Internazionale, da Itália.

As confusões já se tornaram tradicionais. No entanto, mais do que os enganos que mostram desconhecimento ou evidenciam negligência - são ridículos, mas de certa maneira inofensivos -, o que mais chama a atenção é a "miopia" da Fifa em relação ao que ocorre nos gramados da América do Sul. O continente é quase sempre sonoramente ignorado pela entidade. Não fosse assim, na eleição dos melhores de 2019, o português Jorge Jesus teria sido lembrado entre os principais treinadores da temporada. Pelos títulos e trabalho à frente do Flamengo merecia figurar na listagem final.

Exceção ao ano de 2019, quando Marcelo Gallardo, que faz trabalho brilhante no comando do River Plate há meia década, foi indicado entre os melhores técnicos do mundo de 2018 e Tite, da Seleção Brasileira, também, o trabalho de treinadores sul-americanos no continente é pouco prestigiado. Não digo vencer o The Best, mas figurar entre os finalistas com base em resultados, como no caso de Gallardo e Jesus, seria merecido. Repito, não é ser eleito o melhor do mundo, mas ser notado, citado, valorizado quando trabalha bem.

Commodities e talento

Ao contrário do Brasil, que teve exceções comandando grandes clubes europeus, a escola argentina de treinadores brilha à frente de equipes gigantes do Velho Continente e tem reconhecimento. Claro, o nível do futebol praticado lá é de fato absurdamente mais elevado do que o cada vez mais empobrecido futebol sul-americano, que vai se transformando em simples exportador de "commodities" que vão brilhar além-mar, saindo cada vez mais jovens dos clubes que os revelam.

Sim, é notória a evolução tática que profissionais daqui sofrem com conceitos assimilados na Europa. E quem jogou lá, posteriormente, aplica o que compreendeu taticamente e em termos de organização e profissionalismo. Mas será que Diego Simeone aprendeu tudo o que sabe fora da Argentina? Marcelo Bielsa, Mauricio Pochettino, Eduardo Coudet… O talento é produzido aqui. Isso me lembra uma eterna discussão que um amigo meu tinha com outro amigo dele holandês, o qual dizia que Ronaldo e Romário só foram ser bons jogadores quando chegaram à Europa. Invertendo a ordem de que foram jogar lá porque já eram fora de série, mesmo o Fenômeno saindo daqui ainda menino e sendo, de fato, lapidado no PSV Eindhoven.

Não reconhecido

Nem mesmo em casos de exceção, quando o melhor do mundo joga na América do Sul, o reconhecimento vem. Em 1992, o São Paulo de Telê Santana foi um caso raríssimo de clube sul-americano campeão mundial que era realmente o melhor time do mundo. Aquele São Paulo não deixou dúvidas vencendo o Barcelona, o campeão europeu, duas vezes na mesma temporada. Uma impactante goleada por 4 a 1 na decisão do Troféu Tereza Herrera, na Espanha, e na final do Mundial de Clubes, no Japão, por 2 a 1. Ambas as vezes de virada.

Raí, naquele momento, era o melhor jogador em atividade, mas ficou em quinto lugar no prêmio da Fifa, atrás de nomes como Jean-Pierre Papin, Thomas Hässler, Hristo Stoichkov e do vencedor daquele ano, Marco van Basten. Reafirmo: naquela temporada Raí jogou mais que todos eles. Também já vi Juan Román Riquelme "fazer chover" pelo Boca Juniors e ser preterido por jogadores com menos brilho, mas que atuavam na Europa.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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