Acordei e corri direto pro quarto de meu pai para cobrar o prometido. Eu queria saber se a gente iria pescar lambari no Pavanelli, sítio de uns italianos que ficava na estrada indo pra Macatuba. Tínhamos dois dias e dava até pra escolher o que faríamos primeiro. Ele me lembrou que de noite teríamos aula de karatê e que não podíamos faltar. Era muito legal ir junto dele pra aprender aquela luta com um professor japonês chamado Takeo Kikutake.
Eu era a única criança naquele grupo que só tinha marmanjo e senhores de média idade. Claro que eu me sentia a pessoa mais importante do mundo fazendo parte dos katás e kumitês que aconteciam naquele imenso salão do clube. Tudo por conta e obra de meu pai, que também sabia valorizar o filho com a simples lembrança de me levar pra pescar ou pra assistir seus treinos de futebol. Lembro certinho que juntos também íamos ter aula de ginástica com o Cabo Alcides, de Bauru, num salão não sei onde. Sempre juntos, eu e meu pai.
Já que não dava pra ir naquele dia então planejamos ir na manhã seguinte. Depois que chegamos do karatê, meu pai foi ao quintal onde ele plantava pepinos e colheu alguns. Cortou, espremeu limão e passou sal pra tomar sua cervejinha. Eu com fome acabaria com aquele pirex inteiro, mas ele me lembrou que aquilo não era janta, arrefecendo minha decisão já tomada de jantar ali mesmo. As azeitonas já tinham ido pro espaço, sendo eu sempre lembrado que o palitinho era pra espetar os petiscos e não pra usar minha técnica pueril: eu pegava a azeitona e espetava no palito, sendo repreendido pelo pai sem ele antes, claro, sorrir da lambança que eu fazia.
Ele me lembrou que na segunda feira eu iria começar a trabalhar no escritório dele porque minha mãe andava se queixando do meu comportamento, das brigas com minha irmã e da bagunça que eu fazia com os amiguinhos dentro de casa. Já adianto que a iniciativa dele não vingou, acho que por dois motivos: ele, no fundo, nunca quis me ver na mesma profissão dele e aquilo poderia acender algum desejo pela carreira de contador, o que fez meu emprego durar apenas dois dias. Também eu não servia pra coisa. Era molenga e fazia cara feia quando ele me mandava receber imposto de uma firma lá no cafundó do Judas. Fui rapidamente de volta pra casa atormentar minha irmã e a mãe.
Hoje, o fato de eu ser pai e com filhos já grandes, não é capaz de diminuir a vontade de passar a mão nos cabelos de meu pai que, infelizmente, não vi encanecer, como fiz até quando foi possível. Jogou bola comigo, igualmente bocha e jogamos truco. Ensinou calado as lições que forjaram uma história linda e dolorida. Existe só uma coisa que ele me ensinou cedo demais e que gostaria de nunca ter aprendido: sentir saudade.
O autor é especialista em Ortodontia e em Saúde Pública, cronista colaborador de Opinião.