Nas mãos de João Miguel Mosquim, um pedaço de tecido, uma fita métrica, um giz, uma tesoura e uma máquina de costura, usadas de forma articulada e sincronizada, dão vida a peças de roupas milimetricamente precisas. A alfaiataria é a responsável por moldar mais de cinco décadas de história dos 74 anos de vida de Mosquim, considerado um dos poucos profissionais do tipo em Bauru. Nesta segunda-feira (6), é comemorado o Dia do Alfaiate.
Foi na juventude, após deixar a roça em Paulistânia, em razão de um problema de saúde, que Mosquim chegou a Bauru para tentar a vida e, por aqui, aprendeu e se apaixonou pelo ofício, que nunca mais largou.
Por 35 anos, seu Mosquim manteve o próprio negócio na quadra 2 da rua Araújo Leite, ponto onde estabeleceu não só clientes, mas grandes amizades e até formou sua família.
Em 2004, ele se aposentou, mas nunca deixou de costurar, por amor e também para complementar a renda da família. Hoje, ele mantém a tradição em um quartinho do imóvel em que mora, na quadra 4 na rua Joaquim Felipe de Melo, no Jardim Godoy, onde a alfaiataria resiste e acontece.
Jornal da Cidade - Como a alfaiataria entrou para sua vida?
João Mosquim - Foi quando cheguei a Bauru para morar com meu tio, no Bela Vista. Minha família é de Paulistânia, trabalhávamos na roça, mas eu tive um problema na perna e precisei de cirurgia. Vim para Bauru por isso, e também porque não poderia trabalhar mais com esforço físico. Cheguei aqui aos 17 anos com os bolsos vazios e aprendi o ofício de alfaiate. Comecei como aprendiz do Carlos Lomba, fazendo calças sociais na quadra 3 da rua Batista de Carvalho. Depois, passei a produzir paletó. E, antes de ter meu próprio negócio, aos 23 anos, trabalhei na quadra 7 da rua Bandeirantes, que foi onde me lapidei como profissional e passei a ter salário.
JC - Como surgiu sua alfaiataria, que tipos de clientes você atendia?
Mosquim - Um amigo me chamou para abrir o negócio com a cara e a coragem. Começamos com uma máquina PFAFF, na quadra 2 da rua Araújo Leite, e lá eu fiquei por 35 anos. Na década de 70, vivi o auge da alfaiataria, tive cinco funcionários e ajudava muito menor aprendiz. Um deles é o Fernando Barreto, que era engraxate e hoje é empresário do ramo de serralheria. Atendi muita gente importante e até famosa, cheguei a fazer um smoking para o José Carlos Pace, da Fórmula 1.
JC - Você viveu situações inusitadas ao longo ofício?
Mosquim - Uma vez, um rapaz levou uma calça para arrumar e o bolso estava cheio de joias, correntes, anéis e pulseiras. Logicamente que eu devolvi e ele me contou que tinha saído com uma mulher e que tirou as próprias joias para que ela não o achasse rico. Teve ainda um anel de brilhante que encontrei, certa vez, em um bolso de um terno e esse cliente me deu até um presente como agradecimento, porque ele achava que havia perdido o anel.
JC - Quando a profissão começou a ser impactada?
Mosquim - A alfaiataria começou a decair em 1985, quando as calças jeans viraram moda. Depois, chegaram as grandes redes e indústrias de roupas e, em 2000, a coisa começou a ruir de vez, não dava para competir, o preço de uma calça de alfaiate comprava duas calças nas lojas. Eu teimei e mantive o negócio aberto até ficar devendo, paguei para trabalhar por paixão à profissão. Até que decidi me aposentar, em dezembro de 2004. Na época, fizemos uma festa que fechou a quadra 2 da Araújo Leite, porque eu tinha muitos amigos que frequentavam o lugar.
JC - Você pensou em outras profissões?
Mosquim - Cursei matemática, mas parei. Em 1973, me formei em eletrotécnica no Colégio Técnico Industrial (CTI) da antiga fundação (hoje, Unesp). Mas, como a alfaiataria estava forte na época, não quis largar o certo pelo duvidoso.
JC - A história da sua família também se relaciona com a alfaiataria?
Mosquim - A minha esposa morava no imóvel aos fundos da minha loja com os dois filhos e foi assim que nos conhecemos. Ela passava sempre ali e começamos a namorar. Da união, tivemos mais dois filhos.
JC - Em sua opinião, o que mudou na alfaiataria?
Mosquim - Há alguns anos, o paletó feito pelo alfaiate dava de 10 a zero na roupa pronta. Hoje, deu uma invertida, porque todo defeito do paletó é tirado no computador e ele encaixa em qualquer corpo, já o produzido pelo alfaiate não.
JC - O que comemorar no Dia do Alfaiate?
Mosquim - As lembranças. Em 2006, fui homenageado pelo Rotary por causa da data. O 6 de setembro sempre foi de festa, churrasquinho e futebol, tínhamos dois times de alfaiates e ainda sobrava gente. Acho que hoje existem uns cinco profissionais, no máximo, em Bauru.
JC -Quais os planos para o futuro?
Mosquim - Ver meus netos se realizando, curtir minhas pescarias e, claro, costurar de vez em quando. Faço uma meia dúzia de calças por ano, ainda tenho alguns clientes fieis que não abrem mão da roupa feita artesanalmente.