Wagner Teodoro

Vendedores de ilusão

07/11/2021 | Tempo de leitura: 3 min

Um clube tem chances matemáticas, bastante improváveis, de conseguir o acesso e está mergulhado em dívidas. O presidente dá declarações sobre parcelamento de débitos, explica o planejamento financeiro em busca de um equilíbrio e comenta que trabalha com a possibilidade de permanecer na Série B do Campeonato Brasileiro. Detalhe: este clube é um gigante do futebol brasileiro. Pronto, está criada a "polêmica".
Eu falo da entrevista de Jorge Salgado, presidente do Vasco, na semana que passou.

É certo que a torcida está cansada de sofrer com o Vasco - quem se acostumou a historicamente ser protagonista se frustra mais nos momentos de baixa. Mas a declaração de Salgado foi oportuna e pertinente. Como ele mencionou, o futebol vascaíno está devendo e o acesso foi se distanciando do clube pelos tropeços ao longo do caminho. Ele foi realista, que é o que se espera de um dirigente.

Mas no Brasil a regra é exigir o ufanismo. Aparentemente, o ideal é ser vendedor de ilusões. Dizer qualquer frase ou palavra que agrade, mesmo contrastando com a gritante realidade.
Assim, um presidente, dirigente, técnico ou jogador de tal time não pode pensar ou falar que a equipe vai adiar um objetivo. Tem que entrar para ser campeão, ter o acesso... A ilusão de ser protagonista sempre, desprezando contextos e conjunturas.
Desta forma, vemos repetidamente a afirmação que o Brasileirão tem 12 favoritos ou que o País tem 12 grandes times. Todo mundo entrando pensando em ser campeão. Quando, na realidade, no atual momento, Palmeiras, Atlético-MG e Flamengo vão dominando as principais competições.

A exceção é o Athletico, que chegou a duas finais. Mas no Brasileirão está lá embaixo na tabela. O motivo: não tem em seu elenco numerosas opções com qualidade como os três citados acima.

Que bom seria se houvesse maturidade e mais racionalidade para se iniciar as competições sem a hipocrisia de se projetar o impossível diante que se pode apresentar. Deste modo, seria tudo mais honesto na relação clube/torcedor.
Vamos progredindo neste aspecto, as torcidas mais conscientes do real poderio de seus times no atual cenário, que, evidentemente, é mutável, progride e regride para cada clube de uma maneira distinta, mas interligada pelo panorama geral do futebol. Quem sabe cheguemos a um momento no qual finalmente nos livremos dos vendedores de ilusão?

O tamanho da nação

Dentro do ambiente ufanista que impera no futebol - e temos que dar um desconto, porque o assunto é extremamente passional e o clube faz parte da alma do torcedor, além do que o futebol transcende a mera definição de modalidade esportiva para ser um importante traço cultural brasileiro -, existe sempre tendência de se enaltecer. E certas expressões são banalizadas.

Assim, toda camisa vira manto e toda torcida é nação. Analisanso o tamanho da população brasileira, eu considero que, para se autointitular uma "nação", a torcida teria que ter pelo dois dígitos ou perto disso na casa dos milhões. Números de pesquisas feitas mostram apenas Flamengo, Corinthians, São Paulo e Palmeiras alcançando. Um pouco mais abaixo, vem o Vasco. A mais recente, do Instituto Datatempo, de setembro deste ano, confirma as estatísticas. Claro que o que argumento é um critério particular.

O peso do manto

Assim como nem toda torcida é nação, nem toda camisa é manto. Para o torcedor de determinada equipe, seu uniforme sempre será um manto. O que vem associado à expressão é uma vestimenta solene, sagrada. A devoção ao clube justifica o sentimento de se paramentar com o manto.

Mas status de manto se conquista. Com tradição, longevidade, história. Um time sem títulos, modesto, pode ter uma camisa que é um manto ao passo que um novo clube, potência, mesmo milionário, terá uniforme, não manto. Só o tempo dirá se aquela camisa vai ganhar o direito de ser realmente considerada um manto. Sim, ainda existem coisas no futebol que o dinheiro não pode comprar.

E com seleções vale a mesma regra. Algumas trajam mantos sagrados, verdadeiros ícones do futebol. Quem ama a modalidade e não se arrepia quando perfilam no gramado antes da partida a amarela da Seleção Brasileira e a azul da Itália?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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