Tribuna do Leitor

O Livro do Destino

Olga Neme Daré
| Tempo de leitura: 3 min

Caravançará é um refúgio construído pelo governo árabe, ou por pessoas piedosas, à beira do caminho das caravanas, para servir de abrigo aos peregrinos que andam pelos desertos do Oriente Médio.

Lendo eu um livro de Malba Tahan, escritor brasileiro que dedicou grande parte de sua produção literária à cultura árabe, chamou minha atenção o conto contido em uma de suas obras, intitulado "O livro do Destino".

Nele, Malba Tahan conta que estava, um dia, descansando em um "caravançará", antes de continuar sua viagem pelo deserto, quando ouviu um velho peregrino, tomado como louco, pois gritava e gesticulava muito, dizendo que ele já tivera nas mãos, o destino das pessoas, confirmando o que diz o Alcorão, o Livro de Allah, de que a vida de todos nós está escrito (maktub) no Livro do Destino; cada ser humano tem ali, a sua página com tudo de bom e de ruim que vai lhe acontecer. Todos os fatos que nos ocorrem na Terra, estão, fatalmente, ali escritos.

Interrogado como aquilo aconteceu, o velho árabe disse que, tendo feito uma boa ação durante sua peregrinação, por gratidão, apareceu-lhe um velho feiticeiro que lhe confiou uma pedra maravilhosa que lhe permitia a livre entrada na famosa gruta da Fatalidade, onde se achava, pela vontade Allah, o Livro do Destino. Viajou dois anos até chegar ao lugar encantado.

Sentado à porta, um gênio bondoso deixou-o entrar, avisando-lhe, porém, que ele só poderia lá permanecer por, apenas, alguns minutos.

Era intenção do velho árabe alterar o que estava escrito na página da sua vida e fazer dele um homem rico, feliz e com saúde.

Lembrou-se, porém, dos seus inimigos. Poderia, naquele momento, fazer mal a todos. Movido pela ideia de vingança, abriu a página de Ali Ben-Homed e acrescentou: "morrerá pobre, sofrendo muito". Na página de Zalfah-el-Abari escreveu, alterando-lhe a vida toda: "perderá todos seus bens; ficará cego e morrerá de fome e sede, no deserto.

E assim, sem piedade, arrasou e feriu todos os seus desafetos.

- E na tua vida? Indagou o ouvinte.

- O que escreveste?

- Ah, meu amigo! Nada fiz a meu favor!

Preocupado em fazer o mal aos outros, esqueci-me de fazer o bem a mim mesmo. Quando me lembrei de mim, em tornar-me feliz, estava terminado o tempo. Apareceu o gênio da porta de entrada que me agarrou e, depois de me arrancar das mãos a pedra encantada, que me deu acesso ao interior da gruta, atirou-me para fora, onde caí e perdi os sentidos.

Quando acordei, ferido e faminto, estava longe da gruta, junto a pequeno oásis do deserto de Omã. Sem o talismã precioso, nunca mais descobri o tortuoso caminho da gruta do destino.

Seria verdadeira essa estranha aventura? Não se sabe. O certo é que o triste caso do velho árabe de Hedja, encerra grande e precioso ensinamento: Quantos homens há que, no mundo, preocupados em levar o mal a seus semelhantes, se esquecem do bem que poderiam fazer a si próprios.

Em tempo: Malba Tahan é o pseudônimo de Júlio César de Mello e Souza; nasceu no Rio de Janeiro em 6 de maio de 1895 e morreu em Recife, em junho de 1974. Foi escritor e matemático e famoso no Brasil e exterior por seus livros de recreação matemática e lendas com cenário do Oriente. "O homem que calculava" é o seu livro mais conhecido.

 

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