Entrevista da semana

Entre os palcos do teatro e da dança

Guilherme Tavares
| Tempo de leitura: 4 min

Há mais de quatro décadas, o bauruense Sivaldo Gonçalves de Camargo, 59 anos, transita entre os palcos do teatro e da dança. Equivalentes, as duas paixões impulsionaram a vida profissional e o levaram a realizar muitos projetos ao longo da carreira. Entre eles, destaque para a Companhia Estável de Dança, trabalho reconhecido regionalmente que completou dez anos em 2021.

Conhecido como Sivaldo Camargo, o professor e diretor artístico é filho de Angelina Gonçalves de Camargo e Gumercindo Ortiz de Camargo (ambos em memória), e irmão gêmeo de José Simar Fernandes. Até hoje, Sivaldo mora no Jardim Redentor, mesmo bairro onde foi criado.

O fascínio pela dança começou ainda adolescente, depois de assistir em Bauru a uma apresentação do Ballet Stagium, de São Paulo, a convite de um amigo. "Aquilo me marcou muito. Fiquei impressionado. Foi meu primeiro encantamento com a dança", lembra. Depois disso, outros caminhos o levaram aos palcos e à formação profissional. No trajeto, conviveu com nomes importantes do cenário cultural, como Celina Neves, Dalva Correa, Yola Guimarães e Laerte Morrone. E ajudou na formação de jovens inclusive com projeção internacional. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao JC.

Jornal da Cidade - Você tem trabalhos importantes na dança e no teatro. Com qual dos dois essa trajetória começou?

Sivaldo Camargo - Comecei com a dança, em 1979, nas aulas da Dalva Correa. Logo depois, fui para São Paulo porque era mais fácil se profissionalizar do que em Bauru. Lá, fiz cursos nas escolas Macunaíma (teatro) e Ismael Guiser (dança). Foi uma época muito intensa, aulas de manhã, tarde e noite. Como na época tinham poucos homens dançando, parti para essa área e, durante dois anos, aproveitei muitas oportunidades. Depois voltei para Bauru, para dar aulas de dança com a Yola Guimarães. E aqui consegui criar o Grupo de Teatro Popular Instrumento, com pessoas do bairro que nunca tinham feito teatro.

JC - E porque trabalhar com atores que não eram profissionais?

Sivaldo Camargo - Porque era uma proposta de teatro popular. Criamos uma peça para mostrar questões cotidianas deles. Apresentávamos na periferia de forma gratuita. A ideia era fazer uma conscientização social, mostrar que você pode reivindicar, pedir melhorias para o seu bairro.

JC - E de onde nasceu essa veia social?

Sivaldo Camargo - A minha formação é do movimento estudantil, participei da União dos Estudantes Secundaristas, militei, peguei o final da ditadura, por volta de 1978. Vem dessa época a ideia de usar a arte enquanto forma de transformação, ligada à preocupação social.

JC - Mas a dança ficou de lado nessa época?

Sivaldo Camargo - Um pouco. Era muito comum trabalhar dois, três anos na formação de uma bailarina e, quando estava pronta para se profissionalizar, ou família falava para parar e fazer faculdade ou arrumava um namorado e largava dança por ele. Eu ganhava dinheiro, mas não me realizava, fiquei um pouco frustrado.

JC - Já nos anos 2000 você voltou as atenções novamente para a dança. O que mudou?

Sivaldo Camargo - Vários projetos começaram a dar certo pelo País. Antes, você tinha a família da classe média que colocava a menina no balé por status. Isso começou a mudar. Passou a ser um sonho também dos mais pobres. Em 2009, criei um projeto de balé na prefeitura com crianças e jovens, principalmente de classe baixa. O resultado foi muito bom. Inclusive uma das alunas, Camila Maio, entrou para a Escola do Teatro Bolshoi, em Joinville, depois de muita dedicação. O pai era gráfico; a mãe, recepcionista. Outro exemplo muito legal é do Marcos Arantes. Ele veio de um acampamento de sem-terra, queria dançar. Nos dedicamos, ele fazia aulas extras. Deu certo. Em 2017, conseguiu bolsa no Balé Bloch, em Vancouver, Canadá. Hoje está em uma companhia em São José dos Campos.

JC - E como foi a criação da Companhia Estável de Dança?

Sivaldo Camargo - Foi no começo de 2012. Havia uma demanda muito grande por aulas de balé e a necessidade de contratar professores. A Secretaria de Cultura me pediu para reestruturar um projeto de companhia de dança. Peguei exemplos de outras cidades e estabelecemos os moldes que estão até hoje. Os bailarinos cumprem 20 horas semanais, ganham bolsa, figurino e material de trabalho.

JC - Quais são contribuições mais importantes da Companhia?

Sivaldo Camargo - Além da formação profissional de muitos bailarinos, fizemos espetáculos gratuitos, de qualidade, e formamos público. Também trabalhamos o lado solidário de levar a dança para quem não pode ir ao teatro, como lares de idosos, creches e hospitais. E também a memória da dança, homenageando grandes maestras como Dona Ruth Nham, a própria Dalva, a Yola Guimarães e a Lucila Teixeira.

JC - E qual o trabalho mais impactante?

Sivaldo Camargo - Morte e Vida Severina, montamos em 2019. Um trabalho muito conceitual, as pessoas saíam transformadas do teatro. Era muito forte. Mas a pandemia atrapalhou e, desde 2020, não apresentamos mais presencialmente e ainda não temos data para voltar.

JC - Apesar das dificuldades por causa da pandemia, a arte é capaz de transformar?

Sivaldo Camargo - Coletivamente, ela faz você pensar, refletir e questionar. É uma ferramenta para fazer pessoas se posicionarem. Individualmente, pode mudar muito a vida das pessoas. É uma forma de extensão de vida principalmente para a periferia.

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