Opinião

Bauru de antigamente

Cesar Savi
| Tempo de leitura: 4 min

Quem nasceu em Bauru em 1936 ou 1937 ou veio para cá nesse período, ainda criança, viveu a infância, pré-juventude, adolescência, fase adulta e afins em uma cidade muito diferente do que se vê hoje. Com o progresso e o modernismo, o que era nossa cidade nessa época está apenas na memória dos idosos como eu e de muitos outros. Os vizinhos e as crianças se conheciam. Nos fins de tarde, os adultos colocavam cadeiras na frente das casas para um bate-papo. Os menores brincavam de salva, queima, esconde-esconde, amarelinha, passa anel entre outras. Algum jovem sabe o que é isso? Só consultando o Google. Sinal dos tempos e saudade do antigamente. A garotada jogava bola no areião da Mons. Claro, acima da rua 15 de Novembro, por onde passava boiadas em direção ao matadouro de Agudos.

Esse futebol revelou o saudoso Zoel Campanelli Costa, que foi goleiro do Baquinho (Bauru Atlético Clube), jogando com Pelé. Era filho do famoso goleiro Zinho (Holmes Soares Costa), titular do BAC durante anos. A garotada descia até a Praça Machado de Mello, estação rodo-ferroviária, para carregar malas, receber uns trocados. O trajeto era curto: Hotel Cariani ou Hotel Imperial, na mesma praça, ou o Hotel Avenida e Hotel Milanez. A Praça Machado de Mello era ponto de embarque/desembarque dos ônibus do Expresso de Prata na rota Bauru/São Paulo/Bauru. Os trens da Paulista tinham três classes: pullman, com cadeiras estofadas, giratórias, janelas grandes, muito confortável. A primeira classe era com bancos estofados, forrados com pano branco. Essas duas categorias tinham acesso ao restaurante. O uso de paletó e gravata era obrigatório. Na classe mais modesta, bancos de madeira. Na hora almoço ou jantar, um funcionário da cozinha corria os vagões oferecendo o que hoje é o marmitex. A Paulista tinha um trem noturno dormitório Bauru/São Paulo. Em um pequeno espaço, boa cama, cobertores, luz de cabeceira e um lavatório que também servia para outra coisa. Saia de Bauru às 21h30 e chegava às 7h. Um pouco antes de parar na Estação da Luz, o cabineiro acordava todos os passageiros. Após prender a cama em um gancho no alto, surgia debaixo dela uma poltrona. Na praça, o Bar e Restaurante A Brasileira funcionava 24 horas, sob a direção dos irmãos Guilherme e Ernesto Casério. Foi o primeiro estabelecimento a atender dia e noite. Na esquina da Mons. Claro com a Batista de Carvalho, funcionava a Casa Sampaio, armazém de secos e molhados do sempre sisudo José Sampaio. Era venda a granel, por quilo. Depois, se transformou no primeiro supermercado de Bauru. Posteriormente, virou casa de ferragens. Essa loja e outras das quadras 1 e 2 da Batista tinham grande movimento devido a administração e escritórios da NOB. Com as transferências de departamentos e funcionários, o movimento caiu bastante. Aos domingos, a banda do 4º BC-Batalhão de Caçadores-, hoje Polícia Militar, tocava repertório variado para as famílias, adultos e crianças. Tudo bem diferente do que vemos hoje. Os jogos do BAC começavam 15h30. Quando o Baquinho fazia a preliminar, já era grande o número dos torcedores para ver Pelé no meio de marmanjos do próprio time e dos adversários. Já fazia diabruras com pouca idade. Bauru de antigamente tinha 25 agências de bancos diferentes. Quando vinha um gerente novo, ele percorria todas elas se apresentando. Os bancos abriam das 9h às 16h; aos sábados, das 9h às 11h. Quando um feriado caia na 6ª feira, os gerentes faziam uma lista encaminhada ao Banco do Brasil solicitando o fechamento no sábado. O pedido era atendido.

O crescimento da cidade na horizontal e vertical é assustador para os antigos. Era tudo verde, mato e árvores. O então presidente do Aeroclube, Luiz Gonzaga Bevilacqua, convidou o alemão ou austríaco Hendrich Kurt para vir para Bauru. Ele construiu o primeiro planador que por motivos óbvios teve o nome de "Canguru". Na pista de terra um caminhão ficava em uma extremidade com uma longa corda esticada até o lado oposto, enganchada no bico do planador. Era dado um sinal e o motor do caminhão, ligado a uma máquina, começava a enrolar a corda. O rústico planador "decolava". Subia uns poucos metros e descia. Isso era repetido dezenas de vezes. O piloto ficava exposto como se estivesse em uma bicicleta. Esse aparelho, verdadeira relíquia histórica, foi doado para o Museu da TAM que estava em São Carlos. Bauru teve vários cinemas na rua lº de Agosto, um perto do outro. O Cine Theatro São Paulo virou Magazine Luiza; o Cine Bandeirantes/Capri virou casa de móveis; o Cine Bauru, um gigante, virou um banco. Tinha capacidade para 1 mil pessoas na plateia e 200 no balcão. O BTC teve um cinema.

A rua Araújo Leite é a mais antiga e mais longa de Bauru, mas a mais charmosa sempre foi a Batista de Carvalho. Aos domingos, depois do cinema, tinha o "footing" (passeio) em algumas quadras dessa rua. As meninas andando na calçada, os rapazes no meio da rua trocando olhares com elas, flertando e afins. Esse local foi o início de muitos casamentos que duram até hoje. Esse texto é apenas um relato/citações sem qualquer ordem cronológica. Apenas lembranças de um passado romântico que ficou distante e ainda na memória. Está sujeito a correções, retificações, alterações e afins. Antecipo agradecimentos pelo recebimento de outras lembranças. Minha intenção foi só a de cultivar o bauruismo.

 

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