Entrevista da semana

Ela fez da linguagem sua missão de vida

Guilherme tavares
| Tempo de leitura: 4 min

Aos 92 anos, Nelyse Aparecida Melro Salzedas passou a vida toda acompanhada das obras de autores consagrados: Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Eça de Queiroz. Não à toa, a biblioteca de sua casa continua sendo o lugar preferido, onde passa a maior parte do tempo. Leitora voraz, conserva milhares de livros nas prateleiras. "Eu gosto de ler, gosto de pensar, sou uma chata, não gosto de conversa idiota". 

O amor pelas palavras guiou-a pelos caminhos acadêmicos. Graduou-se em Letras Neolatinas pela PUC-SP, em 1952; doutorou-se em Literatura pela USP, em 1973; e obteve o título de livre-docente em Teoria Literária pela Unesp, em 1983. O habitat natural sempre foi a sala de aula. Foram quase sete décadas como docente no magistério, graduação e pós-graduação. "De todos os títulos que tenho, só um não abro mão: o de professora", define.

No extenso currículo, está a criação do primeiro programa de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Unesp em Bauru. Ao longo dos anos, teve pelo menos 50 orientandos de mestrado e outros 15 de doutorado. Também fundou a revista Poéticas Visuais, em 2011.

Inquieta, decidiu publicar mais um livro neste ano, uma compilação de artigos escritos para o Grupo de Estudos Linguísticos (GEL) da USP. "A ideia era tornar visível algo que, separadamente, está invisível", justifica.

Nascida em Amparo, perdeu a mãe, Celina Melro, ainda jovem. Já adolescente, mudou-se para Bauru devido à transferência do pai, Carlos Melro, no emprego. O irmão, Carlos Melro Júnior, filho do segundo casamento, mora com ela hoje. Foi casada durante 65 anos com Geraldo dos Santos Salzedas, falecido há dois anos. Tiveram dois filhos: Carlos Guilherme e Carlos Geraldo. É avó de cinco e bisavó de três crianças.

Tem como ídolo acadêmico o professor português Vítor Manuel de Aguiar e Silva, referência nos estudos de Teoria Literária, com quem teve a oportunidade de trocar experiências durante as viagens a Lisboa.

A seguir, estão os principais pontos da entrevista com a professora Nelyse, como até hoje gosta de ser chamada.

Jornal da Cidade - A senhora tinha pouco mais de 22 anos quando entrou para a graduação. O que a levou a escolher Letras?

Nelyse Salzedas - Acho que era para me encontrar. Desde os 7, 8 anos, ganhava livros de presente. Viriato Correia, Monteiro Lobato... E eu me enfiava no personagem, vivia as histórias. Criava um mundo pra eu entrar nele.

JC - E esse interesse a levou, inevitavelmente, para o caminho da docência, imagino.

Nelyse - Fui professora do magistério durante 25 anos, dei aulas no Ernesto Monte e Christino Cabral (ambas escolas estaduais em Bauru). Também dei aulas na Universidade do Sagrado Coração (USC, hoje Unisagrado) e montei uma pós lato sensu. Em 1978, me efetivei na Unesp em Assis, onde trabalhava em regime de dedicação exclusiva e dei aulas até 1986, quando me aposentei.

JC - Um dos pontos marcantes da sua carreira foi a criação da pós-graduação da FAAC. A senhora foi a responsável por ela. Como foi que a escolheram?

Nelyse - Fui recontratada pela Unesp em 1988, pela CLT, com a condição de montar o programa. A Unesp tinha encampado várias unidades e não tinha ninguém com pós-graduação. A minha obrigação era organizar isso. Começamos a fazer um projeto para titular que passava pela graduação. Para isso, convidamos professores de Botucatu, da USP, de diversos lugares. Fizemos um projeto voltado para Artes, Comunicação e Design. Criamos a pós em Poéticas Visuais da FAAC (hoje Comunicação Midiática). Ainda fui muito atrevida e abri o doutorado. Nessa época, também criei a revista Poéticas Visuais, em 2011, que foi publicada até o ano passado.

JC - E por que aceitou esse desafio a essa altura da carreira?

Nelyse - Porque nunca parei de trabalhar. Dei aula até dois anos atrás. E de todos os títulos que eu tenho, só um não abro mão: o de professora. Eu gosto de sala de aula. Também viajei muito com os alunos da pós-graduação, para fazer pesquisa. Todo ano íamos para Portugal, eu tinha contato com o professor Vítor Manuel de Aguiar e Silva, uma referência na área de Teoria Literária. Desde aquela época até hoje somos amigos. Tudo que eu precisava para meus orientandos ele conseguia. Livros, xerox. Não tinha material, então meu pessoal, para fazer tese, tinha que sair, tinha que comprar livro fora. Nosso trabalho era muito bom. O aluno não tem que repetir, precisa discutir. Para repetir, pega o xerox e copia.

JC - A senhora vai publicar um livro neste ano. Como será esse material?

Nelyse - São artigos que eu e o Rivaldo Paccola, uma pessoa que segue o que eu penso, escrevemos para o Grupo de Estudos Linguísticos (GEL) da USP. É muito difícil publicar lá. O livro vai chamar: "O texto. Os fios que o tecem" (Editora Canal 6). Resolvi colocar os artigos de todos esses anos para ter um conjunto.

JC - E por que, depois de uma carreira tão extensa e cheia de conquistas, ainda publicar um livro?

Nelyse - Eu poderia mandar fazer o livro, imprimir só um exemplar e colocar na minha biblioteca. Resolvi colocar todos os anos para ter um conjunto. A ideia era tornar visível algo que, separadamente, está invisível. Eu gosto de ler, gosto de pensar, sou uma chata, não gosto de conversa idiota.

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