Entrevista da semana

Na luta contra a precarização do trabalho

Guilherme Tavares
| Tempo de leitura: 4 min

Ao longo de 21 anos no Ministério Público do Trabalho (MPT), o procurador Marcus Vinícius Gonçalves presenciou cenas que mais parecem ter saído dos livros de história: na busca pela sobrevivência, pessoas são submetidas a condições precárias de higiene, moradia e transporte. "Esses trabalhadores vivem situações que não mudam em relação àquelas do passado. Mas, no Brasil Colônia, ele era um investimento caro. Hoje, ele é descartável, tamanha miséria social", define ele, que é o atual coordenador regional de Combate ao Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da 15.ª Região.

Amante de exercícios físicos, chegou a praticar boxe em um passado recente. Mas, sua luta do dia a dia mesmo é exatamente contra toda essa precarização do trabalho. In loco, fiscaliza e denuncia tais situações em prol da tutela dos direitos sociais na área trabalhista.

Nascido em Bauru, formou-se em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) e começou a carreira como fiscal da Receita Federal, em 1992. Não parou por aí. Batalhou para ingressar no MPT em busca de mais independência funcional. "Se você está investigando uma denúncia, não vai ter uma chefia tentando direcionar seu trabalho", revela.

Na visão do procurador, esse 1 de maio, Dia do Trabalho, é um momento importante para refletir sobre o que ele considera retrocessos nos últimos anos, tanto relacionados aos efeitos da pandemia quanto a interpretações errôneas da reforma trabalhista de 2017.

Marcus é filho de Valdemir Gonçalves dos Santos, 80 anos, e Cleide Nogueira Gonçalves, 77. A irmã mais velha é Andrea Carla, 53, e tem um irmão gêmeo, Bruno Henrique. "O médico disse que era um, a parteira falou dois. Minha mãe acreditou no médico e eu vim de surpresa ao mundo", brinca o bauruense, de 52 anos.

Do primeiro casamento, tem dois filhos: Marcus Junior, de 31 anos, e Giovanna, 29, ambos advogados. Há 12 anos é casado com a arquiteta Andreia Figueiredo de Souza, 47. Entre os hobbies, um se destaca: a paixão por viajar. "Conhecer um novo país faz você crescer como ser humano".

Confira, a seguir, os trechos da conversa do procurador com o JC.

Jornal da Cidade - O senhor é procurador do MPT desde 2001. Como começou essa sua trajetória?

Marcus Vinícius Gonçalves - Em face do serviço público, trabalhei de Norte a Sul do País. Prestei concursos, inclusive estaduais, e entrei como técnico da Receita Federal em 1992, em Bauru. Em 1994, passei para fiscal da Receita e fui para o Rio Grande do Sul, trabalhei na repressão ao contrabando. No ano seguinte, fui para a Corregedoria em Brasília. Foram sete anos investigando falhas constitucionais de colegas da Receita que tinham praticado algum ilícito funcional. Mas, essa é uma atividade sensível e, muitas vezes, conflituosa. Comecei a ter dificuldades em lidar com certas situações porque, no meu entendimento, a lei sempre tem que ser para todos. Decidi que precisava de independência funcional. Em 2001, entrei para o MPT e fui trabalhar em Manaus, onde fiquei até 2003, quando fui transferido para Campinas. Lá, fiquei até 2006, quando retornei para Bauru e estou aqui até hoje.

JC - Hoje, quais são os maiores desafios nesse cenário das relações de trabalho?

Marcus Vinícius - Ainda existe bastante descumprimento da legislação no Brasil. Muitas vezes, o empresário não paga tributos porque a carga é muito forte, e não por querer sonegar um direito do trabalhador. Também voltamos a ter situações já afastadas, como trabalhadores sem registro em grande quantidade. Recentemente, flagramos empresas com quase 100 funcionários irregulares. Muitos empresários têm interpretado errado a reforma trabalhista de 2017, achando que não respondem pelos terceirizados. Na verdade, o tomador da mão de obra tem responsabilidade primária sobre o que acontece no trabalho.

JC - A pandemia da Covid-19 mudou o perfil das denúncias?

Marcus Vinícius - Precarizou mais. Há um número maior de desempregados e, com isso, há mais desesperados, uma massa disposta a qualquer situação. Também tem sido mais frequente o uso de mão de obra estrangeira, como venezuelanos e bolivianos. Além de não falarem o idioma e não conhecerem os direitos deles, geralmente estão ilegais no Brasil. Por isso, não denunciam para não ser expulsos do País. Então, se sujeitam às piores condições, lugares sujos para trabalhar e morar, situações péssimas. Fizemos vários resgates dessas pessoas nos últimos anos. Mas, também enxergo avanços na forma de fazer denúncia. Hoje, tem o Disque 100 do Ministério da Justiça, aplicativos do MPT para celular e o site (www.prt15.mpt.mp.br). A população aprendeu a usar essas ferramentas.

JC - E quando não está a serviço no MPT, como aproveita as horas vagas?

Marcus Vinícius - Gosto muito de fazer atividade física. Atualmente, faço musculação e crossfit, mas já fiz corrida de rua e até boxe. E também adoro viajar. Já fui a muitos lugares do Brasil e fiz vários passeios internacionais, como Europa, Estados Unidos e países da Ásia. Outra paixão é viajar de moto, mas, ultimamente, não tenho tido tempo. Mesmo assim, eu não vendo a minha, está guardada, pretendo voltar a usá-la.

JC - Entre essas viagens todas, teve algum destino mais marcante?

Marcus Vinícius - Gostei muito de conhecer a Rússia e a Turquia. São lugares diferentes, muito bonitos, que fazem a gente refletir sobre a importância da democracia, liberdade de imprensa e tolerância. Quando você viaja, vê o que há de melhor naquele lugar, aprende, cresce e melhora como ser humano. E também passa a valorizar mais o seu próprio País.

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