Entrevista da semana

De Lima a Bauru: uma aventura de sonhos e esperança

Guilherme Tavares
| Tempo de leitura: 4 min

Por trás do sotaque marcadamente estrangeiro, há uma história de perseverança e muito trabalho. Em 2017, o casal Amador Echevarría Julcamanyan, peruano de 57 anos, e Colombia Judith Sierra Camargo, colombiana de 44 anos, saíram de Lima, Capital do Peru, para tentar a vida em Bauru. Na bagagem, além dos sonhos, trouxeram vários temperos latinos, receitas típicas, uma trajetória de resiliência e o objetivo de montar um restaurante. "É uma aventura culinária com muita esperança", define Amador. E tal aventura sempre teve uma meta clara: dar uma vida melhor aos três filhos, Alejandro Mario, 13 anos, e as gêmeas Ana María e Carolina Alejandra, de 11 anos.

A família toda vive, hoje, no Jardim Europa. No mesmo endereço, funciona o Perú Tradición. Aqui, sempre contaram com o apoio de Selene Sierra Camargo, irmã de Judith, médica do Hospital Estadual e residente no Brasil desde 1994. "Ela é nosso porto seguro, nos dá suporte em tudo", define Judith, como a contadora é mais conhecida.

O casal toca o restaurante e os filhos até já ajudam no negócio, mas a cozinha fica nas mãos de Amador, dono de um talento e conhecimento herdados de família. Há 40 anos, a mãe e irmãos do chef mantêm um restaurante em Lima. O empreendimento por lá foi uma alternativa depois de terem as terras desapropriadas pelo golpe militar de 1975.

Nesses cinco anos de Bauru, os latino-americanos batalharam, encontraram condições melhores para empreender e criar os filhos e, por isso, já fincaram raízes. "Não pensamos em voltar!", crava Judith.

O JC conversou com o casal e, a seguir, você confere algumas pitadas dessa trajetória.

Jornal da Cidade - Como vocês vieram parar em Bauru?

Amador Echevarría Julcamanyan - Minha cunhada mora aqui faz tempo e falava que teria mercado para montar um restaurante de comida peruana. Em 2015, vim conferir como era, ainda não conhecia o Brasil. Achei que tinha potencial. Decidimos apostar e tentar a vida aqui.

Colombia Judith Sierra Camargo - A minhã irmã é nosso porto seguro, nos dá suporte em tudo. No começo, os primeiros clientes eram médicos do hospital, amigos dela.

JC - E como foi o início dessa aventura de vocês na gastronomia?

Judith - Foi devagar, trabalhávamos com encomendas, e foi preciso muita calma e paciência. As coisas melhoraram quando passamos a participar de feiras de culinária peruana em São Paulo. Além de mostrar nosso trabalho, também tivemos retorno financeiro. E, no Natal de 2017, pegamos encomendas de ceias, foi um sucesso. Vendemos bem e os clientes pediram novamente para o Ano Novo. Foi quando tivemos confiança para montar o restaurante, aqui na frente de casa mesmo. O movimento cresceu aos poucos, as pessoas passaram a frequentar. No começo, tínhamos só dois pratos: o ceviche e frango assado na grelha. Fomos experimentando receitas, o que dava certo entrava no cardápio. E, depois, veio a pandemia, mas as redes sociais ajudaram demais, porque sempre trabalhamos com entregas. Conseguimos um bom resultado, porque as pessoas queriam provar algo diferente.

JC - Foi fácil a aceitação da culinária peruana por aqui?

Amador - Adaptamos algumas coisas. O ceviche, por exemplo, originalmente leva coentro, mas é um tempero que não é muito aceito pelos paulistas. Então, tiramos da receita. No geral, "baixamos" um pouco os temperos. No Peru, eles são mais acentuados, bem picantes.

JC - E o talento na culinária? Veio de onde?

Amador - Minha família tem um restaurante há 40 anos em Lima. Foi um negócio que meu pai abriu depois de perder a fazenda. Nós plantávamos batatas, mas, na década de 1970, houve um golpe e os militares tomaram a propriedade. Fugimos com a roupa do corpo e nos mudamos para a Capital. Meu pai tinha um caminhão e passou a fazer fretes, trabalhou com várias coisas. Meus irmãos e eu sempre ajudávamos. Durante alguns anos, dormíamos no veículo, porque não tínhamos casa. Reconstruímos a vida do zero. Depois de um tempo, ele conseguiu abrir um restaurante. Teve uma época que eu trabalhava em outros países da América Latina. Meu pai tocou o negócio até ficar doente. Foi quando eu voltei para cuidar dele e ajudar no restaurante. Continuei mesmo depois dele falecer e, hoje, é uma sobrinha que administra.

JC - Você é peruano, ela é colombiana. Como foi que se conheceram?

Amador - Eu trabalhava para o Ministério de Cooperação, viajava toda América Latina. Estava morando na Colômbia e nos conhecemos lá.

Judith - Foi uma coincidência de férias, na Capital colombiana. Eu morava em Barranquilla, no Litoral Norte, e ele trabalhava em Bogotá. Nessa época, ele já ajudava no restaurante, o pai dele tinha falecido há pouco tempo e decidi ir para Lima com ele.

JC - Qual é o balanço que vocês fazem desses cinco anos de Brasil?

Amador - Positivo. Temos reconhecimento dos colegas do mundo da gastronomia em Bauru. É gratificante. Estamos gratos com a cidade e nossos clientes.

Judith - Tem sido muito bom. Mas, paciência e perseverança foram muito importantes.

JC - E quais os planos? Ficar aqui em Bauru ou voltar para o Peru?

Judith - Não pensamos em voltar! Estamos felizes, encontramos condições para empreender aqui.

Amador - Nossos filhos estão tendo uma vida melhor. Nós estamos aqui pensando exatamente neles. É uma aventura culinária com muita esperança. Queremos crescer mais na gastronomia. Queria, em princípio, mudar o restaurante para um lugar para atender melhor e mais pessoas. Depois, gostaria de ter mais um estabelecimento. Vamos conseguir. Caminhamos a passos mais curtos, mas muito seguros.

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