
Dia desses, whastsappeando, a ver o que pululava nos grupos a que pertenço (diz a “lenda” que, nos idos tempos, sentava-se à mesa do café da manhã com o jornal na mão; e enquanto se mastigava um pedaço de pão com manteiga alternado com goles de café, folheava-se o jornal do dia já atirado à porta de manhãzinha), deparei-me, pois, neste whastesappeamento, com um caso que se cotidianiza em situações gerais de leituras.
Era uma reunião de colegas e amigos de uma Academia de Letras a que pertenço. Sentados em torno à mesa, liam seu texto; uns aos outros. Entre prestar atenção a cada leitura, ia constatando que, todos, mas todos mesmo, embora fossem poucos, liam no celular.
Ora, meu caro Watson, dir-me-ia um deles, querias o quê, a essa altura de décadas de século XXI e do universo virtual da internet em que quase todos seus integrantes – tu inclusive, decerto – carregam consigo o celular como peça imprescindível? Dir-se-ia mesmo que, hiperbolismo à parte, carregam-no como portam as vestimentas íntimas de seu corpo.
Sim, é vero, lhes replicarei. Mas só quem não foi gerado nem nasceu neste universo em vertiginosa escalada é capaz de distanciar-se dele para objetivamente percebê-lo. E assim constatar quão milagroso quanto demoníaco. E me treplicarão que tal qual sempre fora quando do surgimento dos veículos midiáticos anteriores – o livro, o rádio, a televisão. E de novo replico que, todavia, embora pareça impossível livrar-se o humano do germe putrescente que o habita e o habilita às torpezas imprescritíveis, longe estava desta frequência e sucessividade intermitentes.
Muito menos gerando essa falsa e nefasta crença, como agora, de que se detém a verdade, quando, em verdade, trata-se de perniciosas e perdulárias mentiras. E quando os órgãos responsáveis pela efetiva liberdade democrática decidem intervir, os detratores do estado democrático de direito vituperam horrores, afirmando que lhes coíbem o direito de liberdade.
É uma falácia criminosa, porque instiga a ignorância politicamente perdida como cachorro caído de mudança, injuriada com as dificuldades financeiras, empregatícias, em vez de contribuir para verdadeira informação à sociedade. Eis uma faceta “demoníaca” em consequência da praga nefasta que “viraliza” pelos milhões de celulares basicamente vinte e quatro horas em exercício.
Contudo o impedimento do uso do que está autorizado à comercialização em massa; do que está entranhado nos hábitos, costumes e atividades econômicas, trabalhistas, empreendedoras e financeiras que movem toda uma sociedade é um inconsequente murro em ponta de faca. A geração Século XXI nasceu, e a internet já era uma jovenzinha hábil, inteligente, esperta. Esses rebentos mamaram, comeram papinhas, foram acalentados tendo em companhia o celular como um seu “coirmão”.
Peito em sua boca, celular na mão da mamãe, ou posto bem visível. Sentadinho na cadeirinha, e papai entre um aviãozinho de papá em sua boquinha e minutinhos ao celular ao lado. Às vezes, tinha que manifestar seus protestos, porque o papai havia se esquecido dele, tão inteiramente entregue ao celular.
Consequência: infância, adolescência, juventude com o irmão siamês celular. E quantas vezes têm sido aplaudidos, porque, num piscar de olhos, estão fazendo no celular o que muitos adultos versados em lidar com a poderosa maquininha sequer imaginavam possível de ser.
Ora, querer separá-los a essa altura e de forma abrupta e imperativa é confrontar uma guerra de guerrilha. Entretanto, tem sido demonstrado que o celular portado pelo estudante é extremamente prejudicial ao desenvolvimento eficaz do ensino-aprendizagem, dentre outros estragos intelectuais, como tempo exigido para a competente leitura, reflexão, raciocínio etc.
Mas a guerrilha está declarada. São peritos não só no uso do celular, como também o são na competência de estar com ele sem que se perceba que estão. E esta situação aprofundará ainda mais o problema da eficácia do ensino-aprendizagem.
Uma rápida história. Era eu o diretor da escola. Cargo que exerci durante os últimos dez anos no ensino público oficial do Estado de São Paulo até me aposentar (o menosprezo ao aposentado: passamos a ser denominados de “beneficiários”. 35 anos lecionando/dirigindo escola, pagando mensalmente à Previdência Social e, ao fim, “agraciam-nos” com um “benefício” salarial que se vai corroendo mês a mês). Foi entre fins de 90 e primeira década deste século.
A internet pipocava, era a cobiça ansiada. Os problemas disciplinares, de alheamento às aulas nos afligiam. Noite de grande encontro de pais e mestres e representantes de alunos. Ficou acordado que celular não entraria em sala de aula. A guerra de guerrilha em que se confiscava o aparelho, suspendia reincidentes estava a mil e nos deixado baratinados. Já era impossível tal proibição.
Nova noite de grande reunião. Agora acrescentava-se um representante de cada classe. Reformou-se a medida: celular liberado nos intervalos e aulas vagas. Problemas amenizados, mas não resolvidos. A dispersão em situações de ensino-aprendizagem mantinha-se notória.
Presumo que não esteja acontecendo nada diferente agora, quando o celular é “célula componente” do espectro-indivíduo. Parece-me que ou tornam a internet integrante da programação do processo ensino-aprendizagem, e o celular uma de suas ferramentas principais, ou a guerra de guerrilha será muito mais sofisticada e, combatê-la, murro em ponta de faca muito mais dilacerante.
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