CRÔNICA

Êxodo, migração, desterro

Por Tito Damazo | Especial para a Folha da Região
| Tempo de leitura: 4 min

Diz-se que Javé, o Deus, tinha seu povo escolhido e que, decidido a libertá-lo das garras escravocratas do Egito, chamou Moisés e incumbiu-o do serviço. Que se apresentasse portador de sua ordem ao Faraó. E que o convencesse de que Javé era Deus e Israel o seu povo, que ele tratasse, pois, de conceder-lhe imediata liberdade e se não o fizesse, o Egito sofreria terríveis penalizações, porque isso provocaria a iria de Javé.

E assim se fez. O Faraó endurecia o jogo. Consta que o próprio Javé o induzia a isso, para que, com sua sucessivas e arrasadoras represálias fosse demonstrando ao rei egípcio seu poder de Deus absoluto. Consta ainda que as terríveis destruições desencadeadas sobre o Egito teriam sido efetivamente parciais, porque o povo egípcio que nada podia fazer contra o recrudescimento de seu rei, é que padecia as duras consequências. Quanto ao de Israel, sob a proteção de Javé, ileso, a tudo assistia. Dez fulminantes medidas de Javé depois, Israel emigrou da forma exata como ele queria.

Não houve guerra, o agressor dos egípcios possuía poder sobrenatural, contra o qual o poderoso Faraó se via completamente despreparado. Não se subjugasse, e tudo se resumiria em destroços. Por que o povo egípcio tinha que sofrer por aquela briga de gente grande, pagando pelo que não fazia e não fizera, não parece que Javé tenha explicado, se é que, como Deus absoluto, tivesse que dar satisfação a alguém. Cumpra-se, porque eu sei e quero.

Tudo leva a crer que migrar é procedimento dos seres e, portanto, inerente ao homem. As causas são multíplices. Vão desde os remotos tempos nômades em busca de alimentos, vontades individuais até a questões políticas, segregações, religiosas; guerras etc.

As grandes guerras; as guerras deflagradas no seio do próprio país, as deflagradas por países poderosos contra os mais frágeis, na grande maioria das vezes, se não em todas, ostentam, hipocritamente, razões de tipos acima mencionados na tentativa de acobertar seus interesses de poder de grupos de ordem econômico-ideológicas seletivamente segmentadas.

As consequências são matanças às centenas, aos milhares, o destroçamento por completo de cidades. E as migrações, quando conseguem, de pessoas, de famílias, enorme massa de gente desesperada, cidadãos construtores, preservadores daquela e também sua nação, com suores de seu rosto, têm de, forçosamente, ir embora, enfrentando várias situações de má sorte. Fome, sede, doenças epidêmicas, as barreiras impeditivas. E se as vazam, as hostilidades dos habitantes do país buscado, que, afinal, a maré não anda nada boa pra peixe em quase todo o lugar.

Perante essas catástrofes constantes e exterminadoras dessa gente que nisso não se meteu, que sobre isso não foi ouvida, que aspira, pretende e luta por uma vida digna, em paz, sem meter-se no direito dos seus concidadãos e dos demais povos de assim também viverem, o que se pode concluir é que tanto os Ramsés de sua pátria, quanto os Javés de seus céus não lhes têm dado a mínima.

O primeiro, decerto, porque se julga o grande poderoso e por isso decide, quando muito com seus acólitos, o que deve fazer. O segundo, ou porque se desiludiu dessa gente que sempre foi de si mesma e que ainda perversamente declara sempre agir em seu nome de seu Deus, instrumentalizada por ele, como Moisés o foi por Javé; ou porque, conclusivamente, sentenciou que o homem é uma causa perdida. Certamente já assim começara a desconfiar desde o caso Abel e Caim.

Relutou, reacendeu a esperança que, por mais não quisesse, veio se esboroando a cada geração.

Exceto os casos de ordem político-ideológica, de domínio de poder, os quais resultam em exílios, expulsões sumárias etc. a essa massa humana resta senão viver feito nômades, feito zumbis a fugir para não sabe exatamente onde, desde que consiga salvar-se destes morticínios provocados pelas ambicionadas truculências de poder e mando. Quando não, aprisionadas e extinguidas às dezenas, às centenas, a milhares e milhares. E são dizimadas não por uma força sobrenatural imbatível, mas concreta e empiricamente por nomes conhecidos, reais, com endereço, propriedade, conta bancária, família, parentes, amigos, asseclas.

Ontem, jogando-os em cárceres infectos, para depois incinerá-los em fornos, como se lenhas às caldeiras. Ontem, aprisionando-os em cela mínimas, depois fuzilando-os; em celas mínimas e torturas até a morte. Agora, exterminados em casa sob os escombros; nas ruas, nas lojas, no trabalho, porquanto, súbito, se veem cercados, imobilizados por turbilhonada tempestade de bombas e bombas de todo tipo.

Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus! / Se é loucura... se é verdade / Tanto horror perante os céus...


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