CRÔNICA

Refletir, driblar, gozar, confrontar, intransigir

Por Tito Damazo | especial para a Folha da Região
| Tempo de leitura: 4 min

Fico pensando, durante o tempo que ganho por meus dribles nesses tsunamis diários que nos aplicam. E tantos e tantos são! São avalanches de informações retratando ações humanas devastando o planeta. São oligarquias bilionárias empregando quantidade inimaginável de dinheiro em aparelhos bélicos e espaçonaves para sondar outros astros com propósitos absurdos e assassinos, vez que desdenham mentirosamente das prescrições da ciência de que, não obstante, são os primeiros a se valerem; fazem vistas grossas à condição humana de bilhões de pessoas em endêmico estado de miséria e fome profunda, estado este decorrente da falta dos recursos por aqueles surrupiados para sua orgia diabólica.

Arquitetam e disseminam notícias falsas a mancheia, com interesses múltiplos de tirar vantagens. E são tantas outras as danosas ações nas redes sociais, incitadas principalmente pela sensação de incolumidade: ostentações, truculências, violações, ódios, humilhações, aterrorizantes ameaças, preconceitos de várias ordens.

Redundo em tornar a este assunto, pois tanto tenho escrito a seu respeito, tanto o têm analisado sumidades abalizadas em matérias desta natureza, mas de outra forma que não a da linha deliberadamente intuitiva e sensitiva como a deste inveterado literato. No entanto, parafraseando a canção, é preciso dizê-lo mais do que nunca; mais do que nunca é preciso contestá-lo, repeli-lo. Cada um à sua maneira. Sim, porque esse estado de coisas cada vez mais apressada e irredutivelmente avança acometendo essa tragédia humana desde sempre anunciada e, entretanto, rediviva.

E o que é mais assustador, os seus agentes são pessoas, gente de carne, osso, cérebro. São pais/ mães, filhos/filhas, irmãos/irmãs, avôs/avós. E, quase sempre eleitos, nomeados por estes e demais cidadãos, cuja grande maioria os quer atuando para o estabelecimento de uma civilização com dignidade, com humanidade. De novo recorro a Thiago de Mello: “Artigo VII. Por decreto irrevogável fica estabelecido / o reinado permanente da justiça e da claridade, / e a alegria será uma bandeira generosa / para sempre desfraldada na alma do povo.”

Sim, sei bem. A grande poesia encarnada no poema escrito, falado; nas narrativas de ficção, nas artes plásticas, nas peças teatrais, nos filmes, sempre tem sido um bicho inconveniente, incomodativo por seus desvelamentos, por isso a gama de métodos para banirem, diminuírem, inutilizarem-na.

Sei também que ela não muda o mundo, tampouco os surdos por ignorância ou por conveniência. Mas pode transformar a forma de pensar das pessoas. Ressalvado o contexto apresentado, consta que Platão afirmava a necessidade de se cuidar da poesia, à vista do quanto era perigosa para a ordem social estabelecida. Daí para as medidas de sequestro e queima de livros durante centenas de anos, ora explícitos, ora camuflados foi um salto. E continuam atualíssimas.

Ajuizada e objetivamente, é impossível não admitir que o altissonante início desse governo de Donald Trump não pareça simbolizar e mesmo assumir estas condutas de ações de donos de poderes atuantes da forma que neste texto enunciamos.

O eleito presidente do tido mais poderoso país da terra, país que se coloca como intransigente defensor do estado democrático de direito, do alto da maior tribuna presidencial do mundo, vocifera, ao globo terrestre, sua bula presidencial. Cara amarrada, estilo-padronizado de macheza secular, indicador em riste, como ontem os ícones do nazifascismo, lavra sua receita imperial à aldeia global, cujos cinco sentidos estão fixados nos aparelhos midiáticos, com a atenção posta no “Grande Irmão”.

Esse assim se apresenta não somente como presidente dos Estados Unidos da América. Apresenta-se, transparecendo-se convicto imperador da civilização terrestre. Talvez se considere maior que Alexandre, o Grande, ignorando, por ignorância mesmo ou deliberação, que este conquistou em luta o seu império, não sentado num gabinete protegido por uma belicosidade ultratecnológica sem precedentes à sua mercê e pelo não tão menos “belicoso” dólar, a moeda absolutista.

Fechados com o senhor “Grande Irmão”, e dele às ordens, estão os novos maiores bilionários do planeta, os arquiduques monopolizadores das grandes tecnologias. Marotos espertalhões são “Grande Irmão” desde pequenininhos. Endossam a bula por ele imposta, da qual constam, dentre outras discricionaridades imperiais, o veto ao “Acordo de Paris”, pois, a ele e asseclas a ciência é mentirosa, mente sobre a situação do clima e meio-ambiente; a interferência no Canal do Panamá; a anexação à EUA de territórios legalmente autônomos; a expulsão de imigrantes já assentados e reconhecidos como trabalhadores, pais/mães de família; a reinserção da política de discriminação às questões de gênero, constituição familiar; a taxação de produtos importados de países (eternamente?) tachados de subdesenvolvidos.

Sim, portadora de “ingenuidades” utópicas, a poesia (a arte) a eles, arquibilionários, cujo fim único e maior é sempre engordar e estocar a riqueza, sob pena do que quer que seja, é uma inutilidade maléfica, pedra a ser removida, custe o que custar. Mas, “Grande Irmão” e acólitos, a poesia é Fénix, seu “Pesadelo”: vocês cortam um verso, ela escreve outro. Vocês a prendem viva, ela escapa morta. De repente, olha ela aí de novo, denunciado sua farsa, exigindo o troco.

Tito Damazo é professor, doutor em Letras e poeta, membro da UBE (União Brasileira de Escritores) e membro da AAL (Academia Araçatubense de Letras)

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