As flores. Estão em todos os cantos. Mesmo nos recantos mais impossíveis, elas se estabelecem. Espalham coresmultíplices, quebrando a monotonia do monopólio do verde (Verde que te quero verde. / Verde vento. Verdes ramas, Lorca).
Partejados do cio da terra por si fecundada, as matas, os matos, as ervas, os capins. E brotam essas mil flores de campina esplendendo, álacre, a gratuidade de bens inefáveis(Observem como os lírios crescem: eles não fiam, nem tecem. Porém, eu lhes digo que nem mesmo o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles, Lucas, 12:27).
Insurgem nas frinchas mais impossíveis de estar: Vede o pé do ipê, apenasmente flora /Revolucionariamente / Apenso ao pé da serra (Belchior).
Isso assim mesmo. Sem mais, por si. E nada requerem, nem esperam qualquer o quê que disso lhes possa advir. São os aromas, as cores, os néctares. É dadiva da pureza de ser e estar.
Não esperam ser olhadas. Não estão para se exibirem. Simplesmente estão. São natureza. E não podendo tê-las como são, e não querendo com elas se ajustarem, deram os homens de, à sua maneira, ajustá-las a eles. E em estado de urbanidade flores foram tornadas objetos de enfeite. Belezas efêmeras às ocasiões de festejos e felicitações.
Graciosidades dispostas em jardins e quintais a enternecer os olhares saturados dos elementos severos e exigentes do cotidiano. Flores a quebrarem o tom monótono de salas de estar; de salões soturnos de trabalhos e transações. A serem utilizadas como enfeites pessoais – flor na lapela; flor nos cabelos dela. A serem empregadas em obras artísticas de gêneros, estéticas e linguagens distintas. São tantas. Como dois notáveis exemplos, fica-se com a poesia – Flores do mal, instigante e extraordinário livro de poesia de Baudelaire; o precioso poema de Drummond A flor e a náusea.
Flores a enfeitarem a passarela da igreja por ondeperfilará uma aguardada nubente. A luzirem na grinalda a aura das noivas tensas e felizes e que vão também com elas num buquê confeccionado com esmero e, que, por tradição, será avariado em ferrada disputa por um ror de outras augurando a sua vez – Manda, caru / Flor de mandacaru pra mim / Que é pra botar no xaxim / Em cima da televisão (Chico César).
As simbologias das flores. Uma forma de singelo e terno presente à pessoa amada pelos seus anos. Como simples gesto de declaração de amor. Como figurativo aplauso a alguém em celebração de notável e memorável conquista. A flor propondo paz e amor – o estereótipo universal: pomba branca com uma flor no bico.
Fizeram da flor os homens não só uma celebração da vida, como também uma reverência à morte. À morte e aDeus, e aos santos, e aos deuses (Eu fiz promessa que o primeiro pingo d’água / Eu moiava a flor da Santa que tavaemfrente do artar – João Pacífico); as flores brancas para Iemanjá. Coroa de flor como um elemento de manifestação e apreço depositada tradicionalmente pelas “autoridades eminentes no túmulo do “soldado desconhecido”. No túmulo de alguém tido como “uma eminência” digna dessa deferência.
E o Uso da flor padronizado pelo mercado funerário aos comuns mortais – as coroas de flores; o morto no féretro recoberto de flores (O que a memória nunca apagou: a amiguinha de classe do grupo escolar e de brincar precocemente morta; ele apanhou escondido do canteiro de flores da avó, sob pena de pagar duro preço, quatro rosas amarelas e as depôs bem junto ao rosto dela, que jazia serena no caixãozinho branco.)
E o dia de finados em que os mortos são visitados, recebendo fartamente velas e flores (Amanhã que é dia dos mortos / Vai ao cemitério. Vai / E procura entre as sepulturas / A sepultura de meu pai. / Leva três rosas bem bonitas. / Ajoelha e reza uma oração. / Não pelo pai, mas pelo filho: / O filho tem mais precisão ( Manuel Bandeira)).
Tito Damazo é professor, doutor em Letras e poeta, membro da UBE (União Brasileira de Escritores) e membro da AAL (Academia Araçatubense de Letras)
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