Estavam sentados em redor de uma mesa estreita de madeira. De fora, o vento da noite contaminado de frialdade entrava pela janela aberta a um céu encoberto por esgarçadoschumaços de nuvens cinzas-branco. A natureza sideral vestida de saia rodada tecida de poeira e fumaça, mantinha-se molestando quase todo o País. Nada de trocar de roupa. Nada de vestir sua formosa saia de renda-água cujo frescor espargesalubridade a seus dependentes cá embaixo.
Conversavam descontraídos. Visivelmente contentes por aquele momento de encontro.
Gratuita felicidade de um encontro de família. Ainda que não deixasse de ter seu tanto mais ou menos comum, era, contudo, uma peculiaridade. Deliberadamente, um congraçamento de membros consanguíneos, mais precisamente, membros de mesma “árvore” genealógica.
Avós e neto se reviam, depois de alguns anos. E desta vez em localidade de origem e de morada diferentes. O neto, por um conjunto de circunstâncias, de acasos e atos, tivera que desmontar da solteridade e montar família, para usar expressão de largo emprego por gerações mais longevas da ancestralidade.
Fora o neto residir numa grande cidade do Estado da Bahia. Para lá o fizera ir sua aprovação no vestibular. Dentre as opções para as quais o habilitara o resultado, decidira pela Universidade daquela cidade.
Matrícula, anos letivos, estudos, sociabilização, amizades com colegas de classe e interclasse. Namoro. Pronto!, como dizem o povo dali e, consequentemente, a baiana que lhe fisgara o coração. Cada namoro tem o seu curso. O deles logo anunciou-lhes, e eles, depois, fizeram saber os seus, queestava em curso, fruto daquele relacionamento, o advento do mais novo galho de suas árvores genealógicas.
O tempo seguiu seu destino pondo sua máquina de fazimento e desfazimento a gerar, degenerar os elementostodos que neste mundo vivem, sobrevivem. E o neto com sua companheira (a nova neta) se viram, de repente, na condiçãode senhor e senhora fulano. Tratava-se, pois, de assim agirem por força da convenção social que a ética e os bons costumes estabelecem para a natural e salutar convivência em sociedade.
É certo que as coisas não se dão assim como devesse ser. Assim, como ensinou o poeta, este ser teimoso, que nunca perde a esperança, ainda que este vale de lágrimas, de pragas, mas também de flores e verdores, persista desesperançando;assim, pois, como nos ensinou o poeta em seu iluminado “Estatuto do homem”: “Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu. O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.”
Precocidade talvez, conforme reza os preceitos da convenção social estabelecida, todavia, postas as coisas como se deram, o neto e sua elegida (a neta), para de novo usar outra expressão daqueles antepassados, tornaram-se “pais de família”. Conseguir um posto de trabalho com o qual iria prover a família do que demanda esse novo estado. Auguravam os bisavós, certos de que assim também desejavam seus demais parentes, que sempre “o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura” (para de novo recorrer à grandeza poética de Thiago de Mello).
E o término dos meses de gestação autorizaram a mãe a trazer ao mundo o primeiro fruto do seu ventre, Clarice, a nova coqueluche daquele clã. Bem brasileira. Um mescla de baiano com paulista. Olhos azuis. Afirmam que herdados dos bisavôs. Cabelos loiros e encaracolados. Afirmam que além da mãe, herdados do avô paterno (cujos olhos também são verdes-castanhos).
Sua alteza Clarice já se disponha a receber as reverências de seus caros ascendentes, para o devido beija-mão real. Estavam, pois, ali, agora, os bisavós paternos cumprindo essedevido dever à nobre infanta.
Era, pois, aquela noite a primeira de sua chegada. E para aquele jantarzinho singelo de comemoração é que haviam sentados ali em redor da pequena mesa a comer e brindar à nova vida, apreciando um bom vinho português.
Foi quando então a mãe da princesa, sentada de frente à meia face aberta da janela, viu, com uma exclamação de surpresa e inebriação, desabar naquele céu de nuvens cinzas-branco, uma improvável estrela cadente.
Como se numa transmissão de pensamento todos ergueram sua taça augurando a boa nova: uma estrela caiu brilhando o caminho como a dizer: “nasce uma nova estrela – seja bem-vinda, Claaaarice!
Tito Damazo é professor, doutor em Letras e poeta, membro da UBE (União Brasileira de Escritores) e membro da AAL (Academia Araçatubense de Letras)
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