A terra pega fogo. As matas ardem. Chamas de labaredas imensas se propagam. Catapultam ao sabor dos ventos. Vão tornando cinza o verde natural. Torrando arbustos. Encarvoando encorpadas árvores. Incinerando animais, pássaros pegos de surpresa e encurralados. Endoidecendo de pavor e sufocando pelos asfixiantes fumos os que fogem perdidos em meio a labirintos de densas fumaças.
?Os rios vão se tornando riachos, regatos filetes d`água, por fim mais nada. Então, o que era grandioso e fértil, vai se tornando raquítico e estéril. A mata arrasada, um descampado raso como receptáculo de esqueléticos e encarvoados elementos, cujo viço ainda ontem era um viveiro repleto de verduras, flores, frutos; cantos, gorjeios, trinos; urros, bramidos, rugidos compondo a alma viva das matas e florestas. Agora, o sinistro crepitar das labaredas alastrando letalidade sem igual. O leito seco de rios inundado de peixes asfixiados.
?O ar da atmosfera completamente contaminado e corrompido de há muito por gases carbônicos destrutivos, os quais vêm sendo emitidos pelos avanços do “progresso” da condição (des)humana, se “enriquece” ainda mais com o acréscimo desses outros. Grande parte em consequência dessaoutra atuação (des)humana. Essas ambiências a que também tem sido constante e repetitivamente submetida a essência da natureza climática põem-na completamente desarvorada. A um tempo, tempestades-dilúvio. E logo noutro, secas devastadoras. Há pouco, o Rio Grande do Sul vivendo umatragédia diluviana.
?Agora, O País esboroado, esfacelado, sufocado, calcinado. O fogo voraz devora incessante e insaciavelmente. Não é um “privilégio” nosso, é certo. No mundo, de formageral, é um “fenômeno” constante. Nada é mais global que isso. O espaço sideral é sem fronteiras, sem cercas e propriedades. Que o digam as cíclicas epidemias viróticas.Têm elas hoje a dimensão e velocidade-luz das “epidemias” robóticas. E, talvez, de forma pior, já que nem um pouco efêmeras como o que corre com a produção mercadológico-internética.
?A terra torra. A atmosfera, invadida por tantas agressões de origem terráquea, furibunda, recorre ao auxílio do sol, para, por ela, devolver àquela “desastrada” e petulante, com moeda igual ou maior, o mal feito que lhe causa. E, em meio a isso, os viventes frágeis, dependentes de ambas e reféns de gente detentora de riqueza, de força bélica e de sanha fúriapela avidez insaciável de amealhar fortunas, são, estes frágeisviventes, os grandes padecentes. Filhos das matas e florestas e rios, animais, aves e répteis vagueiam em fuga para lugar algum, pois que, para onde vão, de encontro lhes vem o fogo insuflado pelo ar em forma de ventos destrambelhados. Ora ar e água, ora ar e fogo se irmanam para pregar um corretivo na prepotente irmã terra que não cessa de lhes entulhar deabjeções deletérias expelidas intermitentemente e cada vez em maior quantidade e diversidade.
?Os três elementos sempre procuraram servir seus melhores préstimos à irmã terra, para que desenvolvesse e pusesse a crescer e multiplicar seus entes, aos quais visivelmente ela dispensa incondicionalmente dadivoso amor.E foram mesmo relevando, considerando tudo aquilo como coisas passageiras de corrosivas ambições a que aquelas criaturas humanas dela obsessivamente se entregam.
?Todavia foram longe demais. Excederam até os limites impossíveis. A água sempre pronta a dessedentar, a irrigar, a lavar, a umidificar, a intumescer de peixes seus rios e mares, a pôr estes como vias de navegação; o ar a servir seus ventos e brisas na refrigeração e purificação do oxigênio às vidas que a habita.
?E também se pôs a servi-la o fogo. Reza o mito ter custado muito caro a Prometeu surrupiá-lo do Olimpo para entregá-lo aos homens, filhos da terra, os quais, com o emprego desse elemento poderoso, tanto fizeram e fazem para o bem-estar e desenvolvimento da sua qualidade de vida. Todavia, o fogo, tão essencial à sobrevivência humana, também é de uma letalidade descomunal. A insanidade da gananciosa e personalista condição de homens descobriu isto e o acondicionou ao “espírito” de artefatos belicosos de proporções catastróficas. E nunca mais parou de acioná-los. A história das guerras passadas e contemporâneas que o digam.
?Igualmente mito e História versam controversamentequanto ao incêndio que arrasou Roma em julho do ano 64 d.C. A versão de que o imperador Nero, tão tresloucado quanto cruel, foi o responsável por essa tragédia, é a mais comum e popular. Querendo modernizar a arquitetura da cidade decidiu pôr tudo abaixo de uma vez.
Entre nós, corre abertamente que parte significativa do fogo que agora incinera o País tem ação humana deliberada. Por um lado, proprietários que insistem em usar o fogo comouma forma de preparo da terra perdem o controle do mesmo. Por outro, os empedernidos “criminosos” que ateiam fogo para tornar a mata pasto. E um terceiro, os ensandecidos porpôr fogo nas instituições político-democráticas, covarde e clandestinamente, aproveitam tanto de um caso como de outroe agem para que o fogo se propague mais e mais. E destrua mais e mais. São (como) maníacos sexuais que só têm orgasmo ante o circo pegando fogo.
É o fim dos tempos se realizando conforme profecias? Se o for, creio que sua consumação se fará, quando esperança, resiliência, fortalecidas resistências e contundentes combates se esgotarem. Aí será, então, o extinguir da última chama.Restando cinzas e esterilidade.
Tito Damazo é professor, doutor em Letras e poeta, membro da UBE (União Brasileira de Escritores) e membro da AAL (Academia Araçatubense de Letras)
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