Todas as pessoas merecem ser perdoadas?
Quanto tempo é necessário para perdoar alguém ou algum fato?
E por que algumas pessoas são perdoadas e outras não?
Essas perguntas me vieram à mente tão logo o ginasta brasileiro Arthur Nory foi desclassificado das Olimpíadas de Paris 2024, no último dia 27 de julho.
Nas postagens nas redes sociais dos veículos de comunicação noticiando o fato, não foram poucos os comentários contra o atleta relembrando seu passado racista.
Para que não sabe ou não se lembra, em 2015, nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, no Canadá, Nory publicou um vídeo, em uma rede social, com ofensas racistas contra outro atleta da seleção brasileira masculina de ginástica artística, Ângelo Assumpção.
A Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) puniu Nory e os outros dois ginastas da equipe com uma suspensão de 30 dias, mesmo depois de um pedido formal de desculpas dos atletas.
Em 2016, ano dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, uma ação judicial pelo episódio foi arquivada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) após o reconhecimento de erro e o pedido de desculpas, aceito por Assumpção.
Mas o episódio de racismo de Arthur Nory prejudicou a carreira de Assumpção, que foi demitido da seleção em novembro de 2019 em meio a um processo de depressão desenvolvido a partir do episódio de 2015, segundo ele. É fato que Nory errou, assumiu o erro, pediu desculpas, mas o episódio de racismo sempre volta à tona, mesmo tendo acontecido há quase 10 anos.
Perguntas - sem respostas – para provocar reflexão: Por que ele ainda não foi perdoado? Será perdoado um dia? Ou o episódio de racismo nunca será esquecido? Há crimes que conseguimos esquecer e outros não?
Ainda pensava sobre isso quando, no dia 4 de agosto, ouvi uma manifestação incomum da torcida na transmissão do jogo de vôlei de praia, dupla masculina, quando outro Arthur e Evandro dividiam a quadra com os holandeses Steven Van De Velde e Matthew Immers.
Toda vez que Steven Van De Velde ia sacar, os torcedores o vaiavam. Depois descobri que isso aconteceu com ele em todas as outras partidas. Foi a forma que a torcida encontrou de se manifestar contra a presença do jogador na competição.
Para quem não sabe, Steven foi condenado a quatro anos de prisão depois de ter admitido o estupro de uma criança de 12 anos. Ele cumpriu um ano de prisão no Reino Unido, mas foi libertado assim que foi transferido para a Holanda. O crime aconteceu em 2014, quando ele tinha 19 anos. Ele voltou ao vôlei de areia em 2017. O Comitê Olímpico não viu problemas da participação dele na competição.
De novo: ele conseguirá jogar sem ser vaiado em outras competições? Terá seu crime esquecido uma vez que, para o governo holandês, ele já pagou o que devia para a Justiça?
O sérvio Novak Djokovic, por sua vez, foi celebrado pela mídia e pelo público ao vencer o espanhol Carlos Alcaraz e ficar com a medalha de outro no tênis masculino. Ganhar uma olimpíada era só o que faltava na carreira do atleta.
Djokovic, em lágrimas, emocionou o mundo. E não houve manifestações significativas para lembrar que o tenista agiu de forma negacionista durante a pandemia de covid-19, que matou mais de 15 milhões pessoas no mundo.
Ele não respeitou o isolamento, não usou máscaras e não tomou vacinas, incentivando, com sua postura, outras pessoas a fazerem o mesmo, ou seja, colocou a si e outras pessoas em risco. Mas isso parece ter sido esquecido pelo público.
O racismo de Nory e o estupro de Steven Vande De Velde são crimes. O negacionismo de Djokovic é só burrice mesmo, mas em alguns (muitos) casos, causou mortes pelo mundo. E a pergunta final, também para pensar: qual será a régua que medirá o perdão na sociedade?
Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista, especialista em Metodologia Didática, mestre em Comunicação e Semiótica, com MBA Internacional em Gestão Executiva.
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