RELIGIÃO

Caro

Por Padre Charles Borg | Especial para a Folha da Região
| Tempo de leitura: 2 min

“O Verbo se fez carne e habitou entre nós”! O evangelista João enfatiza a presença de Jesus Cristo na carne em oposição a uma doutrina, já evoluindo na época, negando a física encarnação de Jesus Cristo. Nesta línea de pensamento, elementos materiais e aspectos sensíveis são considerados, inclusive, como uma espécie de obstáculo para quem almeja alcançar perfeição espiritual avançada.

Curiosamente, a invasiva presença das ferramentas digitais colabora indiretamente para reforçar esta visão estoica da vida. A facilidade e a rapidez de contatos virtuais paulatinamente substituem os encontros físicos. O conforto é inegável, sem dúvida, mas o subsequente distanciamento entre as pessoas e o consequente isolamento estão ficando perigosamente acentuados. Muitos habituaram-se a acompanhar as funções religiosas pelos meios sociais, dispensando-se, ambígua e arbitrariamente, da necessidade da presença física nos templos. Esses mais modernos meios de contatos digitais reforçam, indiretamente, o viés espiritual individualista e personalista que marca atualmente a conduta religiosa de muita gente. Valoriza-se o contato com o divino, com o sobrenatural. O próximo, a dimensão horizontal, embora não explicitamente excluída, fica reduzida à esfera das intenções e praticada por pontuais iniciativas assistências.

Causa apreensão como esta mística subjetivista está ficando claramente visível justamente nas celebrações eucarísticas. O contexto bíblico dos registros eucarísticos destaca invariavelmente a dimensão comunitária, familiar, fraterna e interativa da celebração. Inspiradores os acenos à aproximação física e afetiva subjacentes à celebração eucarística que emergem do registro pelo evangelista João dos acontecimentos da última ceia. Sugestivamente relata o comovente gesto do lava-pés como abertura dos acontecimentos. A inusitada iniciativa expõe, a partir da recomendação do Mestre de perpetuar seu exemplo, o clima a determinar as celebrações eucarísticas. Não há eucaristia sem serviço. E não há serviço sem interação com o semelhante. Servir o irmão representa a expressão mais sublime de amor fraterno. Ora, o comportamento sugerido pelo viés subjetivo induz a ignorar quase por completo os demais comensais e insiste em enfatizar o recolhimento intimista. Como se possível for estar em comunhão com Cristo sem estar igualmente em comunhão com o semelhante, ele também agraciado com mesmo alimento divino.  

Nítida emerge dos evangelhos a dimensão interativa da Eucaristia. Pão e o vinho não são símbolos de Jesus Cristo. O Cristo vivo e verdadeiro é partilhado e distribuído entre os presentes em clima de refeição fraterna – vocês todos são irmãos – numa explícita atmosfera de caridade. Ora, caridosa é a pessoa que aprende a considerar “caro” o outro, um ser estimado de grande valor! Sentar-se à mesa com Cristo e com os irmãos implica integral e coletiva participação!

Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba

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